Nesta manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada – citando-se na terceira pessoa –, o presidente negou que tenha aplaudido a manifestação de seus seguidores contra a democracia, ainda que imagens e fatos digam o contrário.
Por Redação - de Brasília
Todo o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aos militantes que, no domingo, pediam a intervenção militar e a volta da ditadura, do Ato Institucional número 5 (AI-5), foi negado nesta segunda-feira. Depois da reunião, na noite passada, com os ministros militares do governo, Bolsonaro afrouxou nas declarações contra a democracia brasileira.
Nesta manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada – citando-se na terceira pessoa –, o presidente negou que tenha aplaudido a manifestação de seus seguidores contra a democracia, ainda que imagens e fatos digam o contrário.
— No que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade acima de tudo. O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República. Eu sou, realmente, a Constituição — considera-se o mandatário neofascista.
Povo no poder
Visivelmente contrariado e de uma rispidez além do normal com os repórteres que o aguardavam na saída para o Palácio do Planalto, Bolsonaro dirigiu-se a um pequeno grupo de fãs, ouviu algumas reclamações quanto aos cuidados necessários para evitar o contágio com a covid-19 e seguiu para o local onde os jornalistas disponibilizaram gravadores e microfones.
Após dispensar, de antemão, todos os incomodados com a decisão de não responder às perguntas e, simplesmente, contradizer as acusações que agora pesam sobre ele por crime de responsabilidade, Bolsonaro reproduziu o discurso preparado com apoio jurídico do Planalto.
Depois de chamar de “infiltrados” os defensores do AI-5 que o aplaudiram, na véspera, e repreender, agora, o ativista desavisado que acompanhava a coletiva de imprensa e pediu o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), o mandatário se desdisse.
— Esquece esta conversa de fechar. Aqui não tem fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia. Aqui é respeito à Constituição brasileira. E aqui é a minha casa e a tua casa, então peço que, por favor, não se fale isso aqui. Supremo aberto, transparente. Congresso aberto, transparente — seguiu.
Contradições
Na manhã de domingo, equilibrando-se na caçamba de uma caminhonete em frente ao quartel-general do Exército, diante da concentração de seguidores que pediam a volta dos militares ao poder, no Brasil, apesar do ataque de tosse Bolsonaro esteve valente.
— Acabou a época da patifaria! — disparou, após palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada”, referindo-se ao Congresso e ao STF.
Mas, diante da reação imediata da sociedade civil organizada, dos tribunais de Justiça e de autoridades do Legislativo; além de declarações enfáticas de ministros do STF, o tom na manhã desta segunda-feira foi outro, bem diferente.
— Peguem o meu discurso. Não falei nada contra qualquer outro Poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso é invencionice, tentativa de incendiar a nação que ainda está dentro da normalidade — submeteu-se.
Limites
Para não capitular, inteiramente, o presidente manteve seus ataques à mídia conservadora e aos governadores que defendem o distanciamento social para reduzir a curva de disseminação do novo coronavírus. Mas o roteiro já não o blinda mais da inevitável judicialização do episódio que, para ministros da Corte Suprema, ultrapassou todos os limites no desrespeito à Constituição.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso afirmou a jornalistas que “só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve". Seu colega, o ministro Gilmar Mendes completou: "Invocar o AI-5 e a volta da ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática".
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) também foi a uma rede social, ainda na noite passada, para repudiar o apoio de Bolsonaro à intervenção militar. Maia chamou de uma “crueldade imperdoável” pregar a ruptura democrática em meio às mortes causadas pela pandemia.
‘Lamentável’
“O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos”, escreveu Maia. “Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição”, acrescentou.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por sua vez, disse ser "lamentável" que o presidente "apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também chamou de "lamentável" a participação de Bolsonaro. "É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."
Governador do Rio de Janeiro, o ultradireitista Wilson Witzel (PSC) também se distanciou do totem que o ajudou a se eleger e afirmou que "democracia não é o que presidente Bolsonaro pratica".
Forças Armadas
O tom mais fino nas declarações à imprensa, nesta manhã, também se alinha ao consenso nos quartéis de que as Forças Armadas servem ao Estado Brasileiro como instituições permanentes, e não ao governo do ex-capitão do Exército, expulso das fileiras por conspirar contra a segurança militar.
— Se a manifestação tivesse sido na Esplanada, na Praça dos Três Poderes ou em qualquer outro lugar seria mais do mesmo. Mas em frente ao QG, no dia do Exército, tem uma simbologia dupla muito forte — reparou um general, em condição de anonimato, à reportagem de um dos diários conservadores paulistanos.
O risco de todo esse movimento desaguar em algum ato de violência, tamanha tensão entre aqueles que querem a volta da ditadura e os brasileiros que defendem a democracia, estava representado na cena capturada por Lucas Landau, repórter fotográfico da agência inglesa de notícias Reuters, no final deste domingo.
Genocídio
Landau flagrou um policial apontando a arma para moradores da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, que se opunham à carreata contra o isolamento social, promovida com apoio do presidente Bolsonaro.
Seja qual for o argumento de Bolsonaro, no dia seguinte após a possível prática de um crime de responsabilidade, ele precisará se explicar diante do Tribunal Penal Internacional (TPI), por genocídio e crimes contra a humanidade.
Uma nova ação foi protocolada por José Manoel Pereira Gonçalves, coordenador do grupo Engenheiros pela Democracia. Ele alega que Bolsonaro negligencia precauções contra o novo coronavírus, como o isolamento social. No início desse mês, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) também denunciou Bolsonaro ao TPI por “atitudes irresponsáveis” em meio à pandemia da covid-19.