A Operação Lava-Jato está totalmente desmoralizada, agora que sua máscara foi arrancada pelo Intercept Brasil e ficamos sabendo que muitas das condenações obtidas resultaram de uma tabelinha ilegal entre sua força-tarefa e o juiz dos casos, Sergio Moro.
Celso Lungaretti, de São Paulo:
Um clássico do tempo em que ainda havia vida inteligente no cinema voltado para o grande público (esse que hoje lota salas para assistir às besteirinhas da Marvel Comics...) foi Agonia e êxtase, de 1965, dirigido por Carol Reed.
O tema: a conturbada parceria entre dois homens de personalidade muito forte, o papa guerreiro Júlio II e o pintor Michelangelo Buonarroti, da qual resultou a maior obra-prima de arte religiosa em todos os tempos, a série de pinturas que decorou o enorme teto da Capela Sistina, com destaque para A criação de Adão.
Principalmente escultor, Michelangelo de início não ficou empolgado com a tarefa e foi preenchendo os espaços com pinturas sacras convencionais, suficientes para satisfazer as expectativas do contratante. Até que, na taverna onde fazia suas refeições, o dono destruiu os barris de vinho que azedara, virando vinagre. E justificou: "Se não presta, joga-se fora".
Consciente de que seu trabalho não vinha sendo o melhor que poderia fazer, Michelangelo também destruiu tudo que havia feito e recomeçou do zero, passando a criar imagens realmente inspiradas, mesmo que a empreitada lhe custasse muito mais esforço e consumisse quatro anos de sua existência.
É o dilema do Supremo Tribunal Federal neste instante. A Operação Lava-Jato está totalmente desmoralizada, agora que sua máscara foi arrancada pelo Intercept Brasil e ficamos sabendo que muitas das condenações obtidas resultaram de uma tabelinha ilegal entre sua força-tarefa e o juiz dos casos, Sergio Moro.
Então, ao invés de um julgador neutro, quem sentenciava era, na prática, o comandante secreto da força-tarefa: Moro orientava Deltan Dallagnol sobre como ele e sua equipe deveriam preparar o pacote para que a condenação fizesse algum sentido em termos jurídicos.
Mais: a força-tarefa mentia descaradamente para os ministros do STF, o que Teori Zavascki até procurou evitar, mas seu sucessor, Edson Fachin, engolia as lorotas como um patinho.
Mais: o ex-procurador geral da República Rodrigo Janot relata no seu livro de memórias a pressão que sofreu de Dallagnol e integrantes da força-tarefa, no sentido de antecipar a apresentação de uma denúncia contra Lula que era condição necessário para, noutro processo, poderem acusá-lo de crime grave e com pena rigorosa.
Janot garante ter resistido à pressão descabida e mantido seu cronograma; fica claro, contudo, que a força-tarefa estava disposta a tudo, não só para obter condenações, mas também para maximizar o tempo de prisão.
Mais: acabamos de saber que auditores da Receita Federal incumbidos de investigar os envolvidos com os escândalos no RJ montaram um lucrativo negócio de extorsão de delatores premiados.
Tudo isso e muito mais que veio à tona no presente ano deixa aos ministros do Supremo Tribunal Federal um único caminho para honrar suas togas: se não presta, joga-se fora!
Estão discutindo o que anular em processos nos quais os acusados de verdade tiveram de apresentar suas alegações finais na mesma data dos delatores premiados, os quais, na verdade, embora estes últimos, na prática, tivessem deixado de ser acusados e se tornado paus mandados dos acusadores.
É ridículo tentarem encontrar uma fórmula mágica para anular algumas sentenças e preservarem outras. Cogitam casuísmos do tipo restringir o direito à anulação a quem entrou com pedido no sentido de conhecer exatamente do que o acusavam antes de apresentar sua defesa final; restringi-lo às condenações nas quais se constata influência evidente das delações premiadas no veredito, etc.
Mas, obviamente, as delações premiadas criaram indisposição contra todos os processados e ajudaram a dar credibilidade à farsa judicial na qual tais processos se constituíram.
Então, se não prestam, que se joguem fora todos os trâmites desses processos e se recomece do zero!
Pois, se for apenas para dar credibilidade aos abusos de poder dos agentes do Estado, assuma-se de uma vez que no Brasil vige a lei do mais forte e desmonte-se o oneroso sistema de Justiça que estaria apenas salvar aparências e enganar trouxas.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.
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