Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

Bolsonaro ainda quer virar a mesa?

Arquivado em:
Sábado, 24 de Fevereiro de 2024 às 17:45, por: Rui Martins

O principal objetivo da manifestação articulada pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) para este domingo (25/02), na Avenida Paulista, em São Paulo, é mostrar aos seus seguidores que ele ainda é o cara. E com isso impedir o surgimento de novas lideranças no movimento bolsonarista.


O ex-presidente vive um momento complicado. Foi declarado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Responde a vários processos, entre eles por ser o principal articulador da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando seus seguidores quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). E é alvo de investigações polêmicas, como a tentativa de furtar joias presenteadas por países estrangeiros ao Brasil. Como é do conhecimento geral, na disputa política não existe lugar vazio.



Por Carlos Wagner, Observatório da Imprensa

DIRETO-CONVIDADO11-300x169.jpg
Ou a manifestação na Paulista é um novo ensaio golpista?


Vamos a nossa conversa. A repercussão positiva que a manifestação tiver fora da bolha bolsonarista será lucro. O ex-presidente acredita que conseguirá reverter a sua inelegibilidade. Está trabalhando para isso. Até lá, precisa manter longe os candidatos a substituí-lo, entre eles o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que na década de 80 criou e foi presidente da União Democrática Ruralista (UDR), uma organização que articulou a resistência armada dos proprietários de terra contra as ocupações feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Portanto, tem uma boa base entre os ruralistas, um dos pilares do bolsonarismo. Outro candidato é um afilhado político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que foi seu ministro e tem a simpatia da direita democrática. E até a ex-primeira-dama Michelle, que conta com a simpatia de Valdemar da Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL). Citei três nomes. Mas todas as semanas surgem novos candidatos. O último foi o ex-vice-presidente e hoje senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Mourão é general da reserva e conseguiu cumprir o seu mandato de vice de Bolsonaro sem se meter em grandes encrencas, ao contrário de outros generais que ocuparam cargos no ministério, como Braga Netto – há matérias na internet.

Lembro aqui o que nós repórteres aprendemos durante os quatro anos do governo Bolsonaro (2019 2022). Na disputa política com o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022, quando concorreu à reeleição, Bolsonaro marcou posição dizendo que a eleição era um jogo de cartas marcadas e passou o tempo todo conspirando contra as urnas eletrônicas e os ministros do STF.

Durante as investigações da Polícia Federal (PF) sobre o 8 de janeiro, quando aconteceu o quebra-quebra em Brasília, foram descobertos os detalhes da conspiração do ex-presidente e de vários dos seus ministros para anular a eleição de Lula. A manifestação de domingo foi convocada pelo ex-presidente com o objetivo de se defender perante os seus seguidores das acusações que são feitas contra ele, como no caso das joias e de ter sido o mentor da tentativa de golpe de estado.

Pediu aos seguidores que não carreguem cartazes com dizeres ofensivos aos ministros do STF. E quem está organizando tudo é o pastor neopentecostal Silas Malafaia, 65 anos, da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Malafaia é um experiente orador que se firmou no cenário político com um discurso de ódio contra a homossexualidade e o aborto. Segundo a revista Forbes, é o terceiro pastor mais rico do Brasil, com uma fortuna de 150 milhões de dólares. Ele negou a informação em um programa de televisão dizendo que o seu patrimônio é de R$ 6 milhões.

Os comentaristas políticos têm afirmado que Malafaia será beneficiado pela crise diplomática entre Brasil e Israel. A crise nasceu quando Lula, na segunda-feira (17/02), durante a 37ª Cúpula da União Africana, em Adis Abeba, capital da Etiópia, comparou os ataques das Forças de Defesa de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza ao extermínio dos judeus na Alemanha nazista – há matérias na internet.

Nas manifestações bolsonaristas, lideranças neopentecostais costumam levar a bandeira de Israel. Andei viajando durante quatro dias, entrevistando pessoas pelo interior do Rio Grande do Sul. Retornei para Porto Alegre na terça-feira (20/02). Tive a curiosidade de conversar com vários líderes bolsonaristas sobre a manifestação do próximo domingo. Falaram que não iriam, mas que estão contribuindo para custear a ida de militantes.

Tenho lido, ouvido e visto tudo que tem sido publicado sobre a manifestação. Até agora ninguém falou sobre a previsão de público, nem mesmo nas postagens bolsonaristas nas redes sociais. O próprio ex-presidente tem dito que os seus apoiadores têm se afastado das manifestações pelo temor de que se repita o que aconteceu em Brasília em 8 de janeiro. A história tem ensinado a nós repórteres que o número de manifestantes não significa sucesso ou fracasso.

Por quê? Porque mais importante é a continuidade das manifestações. Muitas começam com pouca gente e vão crescendo à medida que outras acontecem. Também se dá o contrário. A primeira manifestação reúne milhares de pessoas e o público vai minguando nas seguintes. Arrematando a nossa conversa. Bolsonaro e mais 10 dos seus antigos ministros, entre eles sete generais, foram intimados a depor na PF no inquérito da Operação Tempus Veritatis, a verdade em latim, que apura a conspiração da tentativa de golpe de 8 de janeiro. O fato de seis generais, entre eles Braga Netto, candidato a vice na chapa de reeleição do ex-presidente, estarem respondendo à Justiça Federal é raro na história do Brasil. Como esses depoimentos irão impactar a manifestação de domingo? Não tem como especular. Tem que esperar para ver.

***

Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

Edições digital e impressa
 
 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo