Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

Bolsonarismo mingua, em atos esparsos e cada vez mais esvaziados

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Sábado, 05 de Novembro de 2022 às 10:03, por: CdB

O professor Darlan Montenegro é reticente quanto à força de um Bolsonaro “sem a caneta e sem a máquina pública nas mãos”. O cientista político aposta em uma direita que tende a se ramificar e ter lideranças como o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); em uma direita mais moderada do que a do atual mandatário.

Por Redação, com BdF - do Rio de Janeiro
Os atos que fecharam estradas e rodovias de todo o Brasil nos últimos dias e a reunião de grupos bolsonaristas no feriado de Finados na última quarta-feira, em frente a quartéis de várias capitais do país, tendem a arrefecer rapidamente por falta de apoio político. A expectativa é do professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e cientista político Darlan Montenegro. Para ele, as pautas enfraqueceram diante da derrota inquestionável do presidente Jair Bolsonaro (PL) no último domingo.
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O bolsonarista que se agarrou ao parabrisa de um caminhão virou meme nas redes sociais
Em entrevista ao site de notícias Brasil de Fato (BdF), o pesquisador comenta o papel das big techs na disseminação de informações falsas e afirma que a pressão popular nos próximos meses poderá ditar os eventuais processos e punições contra o presidente da República em fim de mandato, Jair Bolsonaro (PL); o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, pelos crimes de prevaricação e incitação a atos antidemocráticos, logo após a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na conversa a seguir, Montenegro é reticente quanto à força de um Bolsonaro “sem a caneta e sem a máquina pública nas mãos”. O cientista político aposta em uma direita que tende a se ramificar e ter lideranças como o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); em uma direita mais moderada do que a do atual mandatário. Na outra ponta, acredita na figura da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos) capturando o fanatismo bolsonarista.
— Qual é o balanço que se pode fazer desses movimentos bolsonaristas desde o fim do último domingo, quando tivemos como resultado a eleição de Lula para a Presidência da República?
— Para fazer esse balanço, é preciso pensar em dois públicos diferentes. Um é Bolsonaro e seu núcleo duro e outro é o das pessoas que estão se manifestando. Do ponto de vista do Bolsonaro, a preocupação fundamental era conseguir um novo mandato, evidentemente para preservar o poder, mas principalmente para se proteger da Justiça, evitar sua prisão e a prisão de um ou mais de seus filhos. O melhor cenário para ele era continuar na Presidência da República, isso permitiria inclusive a ele pensar medidas posteriores que o protegessem definitivamente e garantissem talvez até a perpetuação no poder para além do limite do mandato. Ele estimula essas manifestações, logicamente elas foram organizadas pelo grupo dele sem que eles aparecessem, tentando fazer com que parecessem manifestações espontâneas, mas foram organizadas, a princípio com o objetivo de tentar atropelar a vitória do Lula e garantir a permanência no governo. Esse é o objetivo do pessoal que está nas ruas, nas estradas. Esses estão o tempo inteiro acreditando que o que eles tentam fazer ali é reverter o resultado eleitoral. Mas para Bolsonaro e seus filhos, a reversão do resultado eleitoral ficou muito evidente que era impossível, e aí eles insistiam em enviar mensagens cifradas dando a entender que as manifestações deveriam continuar, sem bloquear estradas. Agora, ele pensa em negociar algum tipo de anistia, de proteção contra a prisão. A verdade é que os movimentos, embora tenham sido barulhentos, representam uma parcela muito pequena da população, tiveram pouco engajamento, não tiveram apoio em termos políticos e econômicos. Eu diria que Bolsonaro não conseguiu nada com isso, ele foi amplamente derrotado e a transição está andando.
— Que pautas estão contidas nos atos de estradas e rodovias e nos atos que ocorreram no feriado de quarta (2 de novembro) em quase todas as capitais brasileiras?
— Há uma pauta fundamental, que normalmente eles chamam de ‘intervenção federal’ e que, no fundo, é um golpe de Estado, é a ideia de os militares adentrarem na política sem terem sido chamados por nenhum dos Poderes para tomar algum tipo de medida que configure uma reorganização do poder político. No caso, no ponto de vista deles, garantir a permanência de Bolsonaro na Presidência. Para isso, eles evocam o Artigo 142 da Constituição Federal, que todo mundo sabe que é uma evocação imaginária, uma invenção; os militares não são um poder. Os poderes da República são Executivo, Legislativo e Judiciário. Os militares podem ser convocados por esses poderes em determinadas circunstâncias e, ainda assim, eles não podem ser convocados para ferir a Constituição. Por exemplo, colocar uma pessoa que não foi eleita no lugar de uma pessoa que foi eleita é algo que os militares não podem fazer em hipótese alguma. Seria uma ordem ilegal. Se Bolsonaro os convocasse para fazer isso, eles não poderiam fazer. A pauta é um golpe. É impedir a posse do Lula.
— Dá para separar instâncias democráticas e instâncias bolsonaristas na instituição “polícia”? Se fosse possível analisar essa complexa rede, para que lado se inclinam as polícias?
— Apesar de o bolsonarismo ser muito forte nas polícias, uma coisa é a Polícia Rodoviária Federal (PRF), outra coisa são as Polícias Militares (PMs), que têm suas próprias hierarquias. Elas estão fora do controle dos governadores de fato, embora de direito não estejam. Mas, mesmo sendo autônomas, elas possuem uma estrutura hierárquica que é delas. Subordinar essa estrutura hierárquica ao poder de um político e quebrar essa hierarquia que vincula as polícias em tese aos governos estaduais é perigoso. Se um comandante quebra essa hierarquia em favor de um golpe pró-Bolsonaro, o que impede depois de, em níveis mais baixos da hierarquia da polícia, outros não fazerem o mesmo? As instituições militares são sempre muito ciosas dessas hierarquias. Como as polícias militares têm suas próprias estruturas em cada estado, fica muito difícil. Com a PRF é diferente, porque ela está subordinada ao Bolsonaro; à Presidência da República, ao ministro da Justiça. Efetivamente, Bolsonaro conseguiu fazer com a PRF aquilo que ele só conseguiu em parte com a Polícia Federal (PF), que foi subordinar a PRF ao seu interesse. Nos últimos dias, alguém chamou a PRF de “Guarda Pretoriana”, que era a guarda romana submetida diretamente ao imperador. Então, a PRF acabou virando uma espécie de polícia palaciana, de polícia do presidente. E aí, é mais sério, porque a PRF se colocou institucionalmente a serviço dos interesses pessoais do Bolsonaro, e não sob o comando institucional do Bolsonaro. Não há possibilidade de resolver esse problema, a não ser adotando medidas judiciais contra o comando da polícia que optou por se subordinar ao presidente.
— Qual foi o peso das decisões do presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, para que o processo eleitoral fosse concluído de forma razoável?
— O peso das medidas dele foi absolutamente determinante, assim como do (ministro do STF) Edson Fachin. Eles tiveram que resolver um problema criado pelo próprio TSE, que foi o de colocar os militares em um papel muito central no processo de condução das eleições, de fiscalização, de construção da confiabilidade. Os militares, subordinados a Bolsonaro questionaram muito o processo desde o início. Fachin cumpriu papel importante, enfrentando e resistindo às pressões dos militares. E Alexandre de Moraes não apenas fez isso, como enfrentou duramente Bolsonaro, a prática sistemática de ‘fake news’, as manipulações da candidatura do Bolsonaro de uma maneira geral e a última tentativa de golpe, que foi a manipulação da PRF especialmente para impedir que os nordestinos votassem com o intuito de criar uma abstenção gigantesca no eleitorado do Lula. Moraes foi importante para que a vontade popular fosse respeitada, ao final.
— O fato de não termos nos atos atores políticos com cargos eletivos, ao menos aparentemente, pode fazer esse movimento arrefecer? Que futuro o senhor vê para esses atos?
— Os atos, independentemente de não terem atores políticos presentes, vão arrefecer porque eles não têm nenhuma condição de sucesso, não há solução possível porque o argumento é que a eleição foi roubada. Não há rigorosamente nenhum indício de fraude; Bolsonaro não apresentou nada, e se ele, em situação tão fragilizada, faz uma denúncia de fraude sem elementos, pode ser preso antes mesmo de terminar o mandato, sob acusação de tentativa de golpe de Estado, de sedição. Em relação aos militares, sabemos por diversos órgãos de imprensa que eles não identificaram nenhum problema nas urnas. Portanto, não existe fato. Quem está nas ruas está denunciando como se houvesse um fato. Mas não existe nem a invenção do fato. Como não existe nem a invenção do fato, não tem possibilidade de continuidade, não tem saída para esse movimento, não tem saída que ele possa trilhar. A não ser que ele transformasse em uma insurreição, mas não existe força política para isso. Bolsonaro não tem essa força.
— “Prevaricar” é a palavra recorrente dos últimos dias no noticiário. Há uma tendência de pressão sobre autoridades que têm se eximido de suas funções, como é o caso do PGR, Augusto Aras, após a pressão dos MPs estaduais, e uma consequente conformação dos Poderes?
— Existe uma tendência forte de, quando acabar o governo Bolsonaro, haver uma cobrança muito intensa sobre as autoridades que prevaricaram nos mais diversos níveis. Isso vale especialmente para Aras, para Bolsonaro, claro, e para o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, estas figuras serão alvo de processos. A pressão social na direção da punição dessas pessoas vai ser fundamental para que ela se efetive. Tenho a impressão de que existe um sentimento muito forte de que as punições precisam acontecer, que o governo Bolsonaro foi um governo criminoso. Não é só corrupto, é criminoso também no sentido do crime comum, da violência contra as pessoas, de crimes políticos de amplo alcance. O que o governo Bolsonaro fez, inclusive com a cumplicidade do Aras, foi uma conspiração para evitar que a vontade popular se verificasse. Isso é talvez o pior crime que um político possa cometer em uma democracia. A probabilidade de que essas pessoas sejam punidas em algum nível é bastante grande, mas vai depender da vigilância e pressão social.
— A violência e a proliferação de mentiras voltaram a ser tema na política estadunidense, o presidente Joe Biden falou sobre isso no início desta semana, ao comentar as perspectivas para a eleição para Câmara, Senado e governos locais naquele país no próximo dia 8. Em que medida esse tipo de movimentação antidemocrática afeta o Brasil?
— A internet é um território muito controlado pelas grandes corporações, pelas big-techs, muito mais do que são, por exemplo, rádio e televisão, cujos níveis de controle têm relação muito mais com o fato de serem concessões públicas. De uma maneira geral, TV e rádio têm muita mais regulamentação do que a internet. As big-techs que controlam viraram “terra de ninguém” porque não interessa a elas controlar, regulamentar, a não ser, evidentemente, que algo ameace o poder delas. Figuras como Bolsonaro e Trump não ameaçam o poder das big-techs. O que poderia ameaçar seria um projeto de transformação social, de democratização etc, o nosso lado, e não o lado de lá. Por isso, a tendência é as grandes corporações serem mais condescendentes com a extrema-direita do que são com segmentos da esquerda, populares. Durante muito tempo, muitos acreditaram que a internet era o futuro da democracia, da igualdade, da superação. Uma certa esquerda que se pretendia muito moderna achou que a internet iria salvar a sociedade, a cidadania. Mas como tudo no capitalismo, ela também está subordinada ao interesse das grandes corporações. Temos que brigar para forçá-las a assumirem minimamente a responsabilidade pelo que circula na internet. Não é possível que a gente vá ser pautado daqui para frente da forma como estamos sendo pautados nos últimos cinco anos pela difusão sistemática de mentiras nas redes.
— O senhor acredita em novas insurgências desse movimento em um futuro próximo e capitaneado por Jair Bolsonaro?
— Continuará existindo uma extrema-direita forte. O que temos que identificar é qual é a força real que ela terá. Vai ter força, vai ser barulhenta, vai ter ameaça golpista e poderá ser usada como instrumento de pressão contra o governo. Se será capitaneada por Bolsonaro? Não sei. A força de Bolsonaro com a caneta na mão é uma, a força sem a caneta é outra. Eu diria que há duas figuras importantes que devem ser levadas em consideração nos desdobramentos futuros nesse campo de direita e extrema-direita. Uma é o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele não tem exatamente o perfil da direita radical, o que sustenta Tarcísio é um eleitorado que esteve ao lado dos tucanos (PSDB), é um eleitorado muito antipetista, conservador, mas que não necessariamente é de extrema-direita. E como governador de São Paulo, a tendência é ele ter uma atitude mais moderada que Bolsonaro, inclusive ele anunciou muito rapidamente o reconhecimento da vitória do Lula. A outra é (a ex-ministra) Damares Alves (Republicanos), que é uma figura carismática, muito enraizada na ala mais extrema da extrema-direita. É preciso lembrar que Bolsonaro não a apoiou. Ele apoiou Flávia Arruda (PL). Mas Damares foi eleita senadora (pelo Distrito Federal), apesar disso. Ela é uma figura que sai forte e, eu não conheço os meandros dessa questão, mas acredito que sai com algum nível de mágoa do Bolsonaro. Ele fez tudo o que podia para ganhar essa eleição, manipulou, usou os instrumentos de Estado do jeito que podia e não podia, colocou polícia na rua para não deixar eleitores de Lula votarem, usou dinheiro até não mais poder para forçar o resultado das eleições, praticamente obrigou a Petrobras a baixar o preço dos combustíveis para ganhar as eleições, e ele perdeu. Então, sai muito derrotado. Fez muito para ganhar e não ganhou. Além disso, ele não tem a caneta, não tem a máquina na mão. Tarcísio tem a máquina na mão, Damares tem uma liderança expressiva sobre essa extrema-direita. Acho muito difícil que essa ala política tenha, num curto período de tempo, uma liderança única. A fragmentação pode levar até a uma radicalização maior. Bolsonaro era uma soma da figura do Tarcísio com a Damares, ao mesmo tempo um político tradicional e um líder de fanáticos. Agora, temos um político tradicional da direita, que é Tarcísio, e uma líder de fanáticos, que é a Damares. E Bolsonaro tentando manter o campo nas suas mãos, mas não vai ser fácil porque ele precisará enfrentar os processos. Esse campo vai fazer barulho, mas será mais tão forte e expressivo quanto foi no último período. Existe uma certa tendência do ressurgimento, em alguma medida, da direita tradicional, mais de direita e mais conservadora, mas não tão fanática quanto a base de sustentação do Bolsonaro.
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