Em menos de uma semana, dois parlamentares da base aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sofrem revezes na Justiça. Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, por unanimidade, a prisão decretada contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).
Por Redação - do Rio de Janeiro e São Paulo
Por 11 votos, total possível no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte Suprema manteve a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) na casa dele, em Petrópolis, Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, na noite passada. Caberá, agora, à Câmara dos Deputados, manter ou relaxar a decisão do STF.
A prisão de Silveira, no entanto, é apenas uma nódoa a mais na base aliada ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde a semana passada, quando outro parlamentar, o deputado bolsonarista Loester Trutis (PSL-MS), ou Tio Trutis, como ele gosta de ser chamado, foi flagrado na mentira. Ele relatou uma emboscada em fevereiro do ano passado, que nunca existiu.
Tio Trustis e seu assessor estariam na rodovia BR-060, entre Sidrolândia e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, quando o motorista de uma caminhonete teria emparelhado com o seu carro e disparado uma rajada de tiros de carabina. Nenhum dos tiros teria atingido o deputado e o assessor que dirigia o carro, miraculosamente.
Forjado
O deputado, que estaria descansando no banco de trás, disse que reagiu valentemente aos tiros, colocando os criminosos para correr. Orgulhoso do seu heroísmo, escreveu no Facebook ao lado de uma foto do seu carro alvejado:
“Graças a Deus pude revidar e aguardar a chegada da polícia. Quem achou que eu ia parar ou me calar, digo que estamos apenas começando e sigo trabalhando.”
Trutis relatou à Polícia Federal (PF) suspeitar que os criminosos fossem traficantes de drogas e cigarros insatisfeitos com sua atuação parlamentar implacável contra a bandidagem. Realmente seria um ato heroico, digno dos roteiros mais elaborados do cinema trash, se não fosse apenas outra mentira de um bolsonarista. O atentado foi forjado, segundo constatou a PF e o Ministério Público Federal (MPF), na conclusão do inquérito.
Na cadeia
No caso do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), no entanto, o crime é mais grave. Preso na noite passada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Silveira publicou vídeo com agressões ao STF e apologias ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), principal instrumento de repressão da ditadura civil-militar no Brasil.
Segundo o próprio deputado admite em outro vídeo, gravado no momento em que a Polícia Federal (PF) entra em sua casa, em Petrópolis, na região serrana do Rio, ser preso não é uma novidade em sua biografia. Antes de assumir o mandato, em 2019, Silveira atuou como policial militar e passou 80 dias detido no quartel entre 2013 e 2017 “em virtude de numerosas transgressões disciplinares, por atrasos e faltas aos serviços”.
A agência norte-americana de notícias The Intercept Brasil revelou detalhes do histórico disciplinar de Silveira, no ano passado. Segundo relato de seus superiores, “os atos praticados pelo soldado revelam atitudes incompatíveis com a condição de policial militar.”
Com 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências, Silveira deixou “cristalina a sua inadequação ao serviço na Polícia Militar” e precisou “empilhar licenças médicas”, segundo o Intercept, para evitar ser expulso da corporação e driblar a Lei da Ficha Limpa.
Biografia
Nascido em Petrópolis (RJ) em 1982, Silveira é estudante de Direito na Universidade Estácio de Sá e foi preso pela primeira vez em 2012, por suspeita de venda ilegal de anabolizantes em academias da cidade. Para ser admitido na PM, travou uma batalha jurídica que chegou até o STF.
Desde 2014, quando ingressou na corporação, ele se notabilizou por gravar vídeos durante ações de patrulhamento em Duque de Caxias (RJ). Essa “atividade paralela” foi denunciada à Ouvidoria do Ministério Público do Rio de Janeiro e fez com que ele perdesse, em fevereiro de 2018, a carteira funcional.
No mesmo ano, o ex-PM decidiu concretizar o sonho de entrar na política. Apoiador de Jair Bolsonaro, então candidato à Presidência, Silveira ficou conhecido por aparecer em um vídeo nas redes sociais quebrando uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) meses após seu assassinato, em março de 2018. Em sua defesa, o então candidato alegou que a placa foi retirada porque cobria a indicação com o nome oficial da praça, Floriano Peixoto.
Cabo e soldado
Daniel Silveira recebeu 31.789 votos no pleito de 2018 e foi eleito, assim como seu colega de legenda à época, Bolsonaro (hoje sem partido).
Dois anos após o início do mandato, o deputado é alvo de dois inquéritos no STF: um que apura a organização de atos antidemocráticos e o outro, propagação ilegal de fake news.
Em novembro de 2019, após a decisão do Supremo de vetar a prisão em segunda instância, Silveira publicou em sua conta no Twitter: "Se precisar de um cabo, estou à disposição". A postagem fazia referência a uma declaração de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, que disse em sua campanha de 2018 que "um soldado e um cabo" seriam suficientes para fechar a Corte.
Na mídia
Os delitos e agressões fizeram de Daniel Silveira uma figura recorrente nos jornais. Em outubro de 2019, ele invadiu o Colégio Pedro II para uma suposta inspeção, como parte de um projeto que ele chamou de "Cruzada pela Educação". A reitoria da instituição registrou a ocorrência na Polícia Federal, afirmando que o deputado não tinha autorização para entrar no local.
Na mesma época, Silveira divulgou notícias falsas sobre a revista AzMina e foi flagrado insultando o jornalista Guga Noblat, da rádio Jovem Pan. As imagens mostram que o deputado joga o celular de Noblat no chão, atitude que foi condenada oficialmente pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Este ano, a revista semanal de direita Época mostrou que o deputado pagou R$ 110 mil por serviços de consultoria de uma empresa antes mesmo de ela ser aberta, em abril de 2020.
Entre os projetos apresentados por Silveira que foram motivo de críticas ou chacota, está a tentativa de instituir o "Dia Nacional em Memória das Vítimas do Comunismo no Brasil", sem especificar quem seriam as supostas vítimas e em que contexto teriam sido agredidas. Em outra ocasião, ele propôs a doação obrigatória de órgãos de pessoas assassinadas pela polícia.