Pela visão do Palácio do Planalto, os recursos públicos — na casa de mais de R$ 50 bilhões por ano — são destinados à mídia conservadora, que engorda seu orçamento, em defesa do sistema que cala os veículos de comunicação não alinhados, a exemplo de Carta Maior.
Por Redação - do Rio de Janeiro
Prestes a completar 20 anos no ar, dono de um conteúdo relevante para o pensamento brasileiro e a participação de nomes expressivos, em cada edição, encerra-se o site Carta Maior, criado e dirigido pelo jornalista Joaquim Palhares. Esta, no entanto, é apenas mais uma das publicações que naufragam na tempestade gerada pela política neoliberal no setor de Comunicação, instaurada ainda durante o primeiro governo da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT) e levada a cabo nos governos do presidente de facto Michel Temer (MDB) e, adiante, na atual gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Pela visão do Palácio do Planalto, os recursos públicos — na casa de mais de R$ 50 bilhões por ano — são destinados à mídia conservadora, que engorda seu orçamento, em defesa do sistema que cala os veículos de comunicação não alinhados, a exemplo de Carta Maior. Em mensagem destinada aos leitores, uma vez que a publicação era mantida apenas pela contribuições de doadores, sem qualquer apoio público, Palhares despede-se em definitivo, após várias tentativas de reerguer o portal.
Golpe de Estado
“Fizemos várias tentativas de reativá-lo, mas a falta de recursos impediu que tivéssemos sucesso. Outra dificuldade aliou-se a esse quadro já de difícil solução: estou muito doente e incapacitado para, entre outras tantas coisas, escrever. Estas são as razões pelas quais ainda não havia informado, a nenhum de nossos doadores, os motivos que levaram nosso site a sair do ar. Peço licença para fazê-lo agora”, escreve o jornalista.
O golpe de Estado perpetrado contra a democracia, relata o editor, foi decisivo para o declínio do veículo.
“Nossas agruras financeiras começaram com o golpe de 2016, que marcou o fim de um período de relativa estabilidade. Sem qualquer respeito às leis, o governo Temer rompeu, unilateralmente, os contratos de publicidade que se achavam em plena vigência e eram imprescindíveis à nossa sobrevivência. Estivemos, ali, na iminência de encerrar nossas atividades”, resume Palhares.
Leia adiante, na íntegra,
a despedida de Carta Maior
Peço mil perdões por não ter me comunicado com você há mais tempo. Sou Joaquim Palhares, diretor da Carta Maior. Nosso site saiu do ar em 8 de fevereiro. Fizemos várias tentativas de reativá-lo, mas a falta de recursos impediu que tivéssemos sucesso.Outra dificuldade aliou-se a esse quadro já de difícil solução: estou muito doente e incapacitado para, entre outras tantas coisas, escrever. Estas são as razões pelas quais ainda não havia informado, a nenhum de nossos doadores, os motivos que levaram nosso site a sair do ar. Peço licença para fazê-lo agora.Nossas agruras financeiras começaram com o golpe de 2016, que marcou o fim de um período de relativa estabilidade. Sem qualquer respeito às leis, o governo Temer rompeu, unilateralmente, os contratos de publicidade que se achavam em plena vigência e eram imprescindíveis à nossa sobrevivência. Estivemos, ali, na iminência de encerrar nossas atividades.Fomos salvos por nossas leitoras e leitores, que prontamente doaram os recursos que impediram que o pior tivesse ocorrido.Contávamos com 3,2 mil doadores, no início de 2020, o que possibilitava o andamento normal da Carta. Aos poucos, porém, fomos perdendo doadores, por várias razões, dentre elas o desemprego, a covid-19, a crise em geral, mas também a concorrência de outros veículos, principalmente os que se utilizam do YouTube.Em novembro de 2020, ainda contávamos com 1.820 doadores. Os recursos escassos ainda permitiam que realizássemos nosso trabalho com um número, contudo, bem menor de colaboradores do que gostaríamos. Mesmo com uma equipe acanhada, conseguíamos cobrir as pautas satisfatoriamente.Porém, outro evento grave, nos primeiros dias de dezembro de 2020, veio a dificultar ainda mais a sustentação do nosso canal de comunicação que estava prestes a completar 20 anos. Fui contaminado pelo coronavírus e internado. Um ataque, quase fulminante, colocou-me sob intensos cuidados médico-hospitalares, com extremo risco de morte.Foram quase de 2 meses hospitalizado e 12 dias em UTI. A alta, contudo, não me livrou da chamada “covid longa”. Passei o ano todo de 2021 tratando de sequelas nos rins, fígado, coração e pulmões. A estas somaram-se sequelas neurológicas e psicológicas que me impedem de trabalhar, de desenvolver temas e escrever.Ora, formou-se o desastre perfeito. A confluência de uma crise financeira com um líder profundamente abalado, física, mental e psicologicamente, foi o que nos levou a deixar de atualizar a Carta Maior. Os poucos colaboradores que ainda nos supriam de matérias, artigos e traduções, mesmo tendo capacidade e vontade de continuar, foram obrigados a desistir.A crise financeira atingiu o site como um tsunami, retirando a página do ar, por falta de atualização dos componentes do sistema hospedado nos Estados Unidos. Não há recursos financeiros disponíveis para recolocá-lo adequadamente no ar, tampouco para pagar as pessoas com as quais precisaríamos contar para uma retomada.A semana que passou foi decisiva para concluirmos que a única alternativa era reconhecer a impossibilidade e comunicar aos doadores e leitores a decisão de não mais retornar ao ar.Foram mais de 20 anos de muito trabalho para manter o site. É lastimável que a esquerda perca um gigantesco arquivo que conta a história dos últimos 20 anos do nosso país, da América Latina e de parte do mundo.Contudo, é preciso reconhecer que não há mais condições de manter a Carta Maior no ar. Falta-me a “garra “ que antes sobrava. Não encontro motivação que supere uma depressão interminável.Tenho 75 anos de idade e sei que será difícil viver os anos que me restam, sem a convivência com os mais de 1 milhão de leitores/mês, nível que alcançamos e sustentamos por quase dez anos, durante os anos de 2004 a 2014, quando a Carta Maior chegou a ser o maior veículo da imprensa alternativa.Lamentavelmente chegamos ao fim.Assim, é com grande sofrimento que peço que você cancele sua doação e aguarde notícias, pois há um grupo de companheiras e companheiros examinando a hipótese de dar continuidade a Carta Maior sem minha presença.Para cancelar a sua doação basta responder a esta mensagem, manifestando a sua decisão de suspender a doação. Tão logo isso ocorra, tomaremos as providências junto à VINDI, empresa que faz a arrecadação das doações, e lhe informaremos.Agradeço a ajuda do companheiro César Locatelli, na redação desta mensagem.Agradeço muito sua colaboração que nos permitiu trazer Carta Maior até aqui.Atenciosamente,Joaquim Palhares
Diretor da Carta Maior