Rio de Janeiro, 23 de Abril de 2025

Moro era o ‘chefe’ da Lava Jato, aponta ministro do STF

Ao comentar a incorporação dos membros da força-tarefa ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Paraná, o ministro afirmou que a Procuradoria-Geral da República "detectou uma desinstitucionalização (…)".

Sexta, 05 de Fevereiro de 2021 às 12:11, por: CdB

Ao comentar a incorporação dos membros da força-tarefa ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Paraná, o ministro afirmou que a Procuradoria-Geral da República "detectou uma desinstitucionalização (…)".

Por Redação - de Brasília

Um dos magistrados mais antigos do Supremo Tribunal Federal (STF) e crítico atroz do ex-juiz Sérgio Moro, o ministro Gilmar Mendes enumerou em uma entrevista, nesta sexta-feira, as leis aviltadas por Moro e o procurador Deltan Dallagnol, durante a Operação Lava Jato. O ministro foi direto ao afirmar que o ex-juiz era “o chefe da operação”, com atos cometidos "de um total descolamento institucional”, comparando-o a um bandido de toga.

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Gilmar Mendes e Sérgio Moro se estranharam durante debate no Senado

Ao comentar a incorporação dos membros da força-tarefa ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Paraná, o ministro afirmou que a Procuradoria-Geral da República "detectou uma desinstitucionalização (…)".

— Veja, nós já não tínhamos mais agentes públicos atuando dentro da esfera de suas competências, tínhamos transgressores da lei e isso é extremamente grave e lamentável — disse o ministro à rede norte-americana de TV CNN Brasil.

Sintomático

Segundo Gilmar, os diálogos revelados sobre as conversas de Moro com procuradores do Ministério Público Federal indicaram que a Lava Jato "estava em outra estratosfera”.

— Sequer pertencia ao Ministério Público, você não vê ninguém da Procuradoria Geral da República (PGR), nenhum corregedor. Quem é o chefe/coordenador da Lava Jato segundo esses vazamentos, esses diálogos? É o (Sérgio) Moro, que eles (procuradores) chamavam de russo — acrescentou.

O ministro destaca, ainda, que os membros da operação "diziam até seguir o Código de Processo Penal (CPP) da Rússia”.

— Isso é sintomático de um total descolamento institucional. Daí talvez a importância desse regresso ao Brasil. Eles talvez tenham que estabelecer relações via Gaeco — complementou.

O ex-juiz era chamado não apenas de "Russo" e de "Putin", referência ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. Procuradores também afirmavam ter um código de processo penal exclusivo para eles e, portanto, fora da lei brasileira, um "Código de Processo Penal da Rússia".

Na pressão

Os procedimentos ilegais de Moro e do MPF-PR foram divulgados pela agência norte-americana de notícias The Intercept Brasil, a partir de junho de 2019 até agora. A defesa do ex-presidente Lula, após liberação do STF, vem ratificando uma após outra. Nas conversas vazadas, Dallagnol deixou a clara a sua parcialidade quanto ao líder petista.

"O material que o Moro nos contou é ótimo. Se for verdade, é a pá de cal no 9 e o Márcio merece uma medalha", escreveu no Telegram. Em outra mensagem, Moro chega a perguntar se os procuradores têm uma "denúncia sólida o suficiente" contra Lula.

Muito além dos diálogos entre o juiz e os promotores, a conversa entre procuradores da força-tarefa da operação também mostra como eles usavam a assessoria de imprensa para ampliar os vazamentos e elevar a pressão contra os investigados. Em 5 de março de 2016, um dia após o ex-presidente Lula ter sido conduzido, coercitivamente, para depor na PF por ordem do então juiz Moro, procuradores discutem em grupo de mensagens a redação de uma nota da força-tarefa.

Coercitiva

Na explicação pública, na qual tentam justificar que a medida era necessária, eles alegam que o petista fora intimado, mas se recusou a comparecer a um posto da PF, o que também não era verdade. No debate, o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, sugere argumentar que, se a ordem não foi executada, Lula foi voluntariamente depor, e não houve condução coercitiva.

“Vcs sabem se a condução ontem foi executada ou se ele foi voluntariamente? Não consegui falar com Luciano (Flores, delegado da PF). Se foi voluntariamente, não tem do que reclamar. Se não foi, ele mentiu que sempre está à disposição pra depor. Poderia fazer o raciocínio: se ele disse ontem que sempre se dispôs a depor, então sequer houve condução coercitiva... mas tenho receio de suscitar novas críticas quanto ao ambiente de coação. Acho vou colocar nas entrelinhas”, diz Dallagnol, na mensagem.

No diálogo seguinte, o procurador Andrey Borges de Mendonça entra em desacordo com Dallagnol. "Não gosto do raciocínio. 15:38:46 Acho que parece entender que ele (Lula) tinha opção. E ele não tinha. Cuidado”, alerta.

Ordenamento

"Deltan Dallagnol enviou rascunho da nota para análise de Vladimir Netto, repórter da TV Globo que, em junho de 2016, lançaria o livro Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil (Primeira Pessoa). O jornalista diz a Dallagnol, segundo o relato deste, que não valeria a pena liberar a nota, a não ser que fosse "para não deixar Moro sozinho". "A nota é pra acalmar e não comprar briga" foi o conselho de Netto, conforme o procurador.

"Mas ele (Netto) acha que teria que ser muuuuito serena pq estamos mais expostos do que o Moro na avaliação dele", conta Dallagnol. Mendonça apoia o ponto de vista: "Por mim, soltamos pq não deixo amigo apanhando sozinho rs. Independentemente de resultado, soltaria por solidariedade ao Moro"

Após chegarem a um acordo sobre a redação da nota a ser encaminhada à mídia, o procurador Athayde Ribeiro Costa avisa aos colegas que o Jornal Nacional, da TV Globo, noticiou “o posicionamento da força-tarefa da Lava Jato".

Diante tamanhos desvios do ordenamento jurídico, o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida, o Kakay, afirmou em artigo publicado nesta sexta-feira, em um site de notícias da centro-direita, que a atuação parcial do ex-juiz Sergio Moro com procuradores da Lava Jato lhe causa “ânsia de vômito”. E que grupo provocou um “estrago” no processo penal e na Constituição.

“Instrumentalizaram o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal”, afirmou o advogado. “Causa ânsia de vômito ver a falta de limites do grupo para fraudar os processos”, completou.

‘Escárnio’

Dados da Operação Spoofing obtidos pela defesa do ex-presidente Lula, com a decisão judicial do ministro Ricardo Lewandowski, trouxeram mais uma mostra da atuação parcial do ex-juiz na condução do julgamento do ex-presidente.

Trechos do material vazados na véspera pela Revista Veja mostram Moro orientando Dallagnol, questionando se o Ministério Público já teria uma “denúncia sólida o suficiente” para apresentar contra Lula sob o “risco” de serem “atropelados” e tratando de outros assuntos que não deveria estar a par.

Para Kakay, a articulação de Moro com procuradores mostra que o grupo “criou um Código de Processo Penal de Curitiba e uma Constituição para chamarem de sua”. 

— Um escárnio. Um ultraje. Um acinte — conclui.

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