Rio de Janeiro, 23 de Dezembro de 2024

Impeachment já!

Arquivado em:
Terça, 26 de Janeiro de 2021 às 06:59, por: CdB

 

Truco é um jogo muito popular nas regiões de migração italiana no sul do Brasil. Em italiano, trucco significa truque, ou seja, o jogo é acima de tudo a arte do blefe, de enganar o adversário. Cada jogador recebe três cartas para uma mão de um ponto.

Por Jorge Gregory- de Brasília

Truco é um jogo muito popular nas regiões de migração italiana no sul do Brasil. Em italiano, trucco significa truque, ou seja, o jogo é acima de tudo a arte do blefe, de enganar o adversário. Cada jogador recebe três cartas para uma mão de um ponto. Vence a mão quem tiver a carta maior em duas das três rodadas e vence o jogo quem somar primeiro 12 pontos. Mas se um jogador trucar, a mão passa a valer três pontos. Trucado, o adversário corre, dando um ponto ao trucador, pede para mostrar a carta, arriscando três pontos, ou retruca, chamando para seis pontos. O truque, ou blefe, ocorre quando o jogador tem cartas baixas mas consegue pelo menos empatar as duas primeiras rodadas, faz o adversário acreditar que tem uma carta alta para a última e truca para intimidá-lo,  induzindo-o a desistir e entregar a ele um ponto.
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Chegou a hora das mais amplas forças políticas e sociais darem um basta
A afirmação de Bolsonaro de que “quem decide se um povo vive sob uma democracia ou uma ditadura são as Forças Armadas do país” não é mais um de seus devaneios que costuma soltar no cercadinho do Alvorada para agradar a meia dúzia de gatos pingados que lá fazem plantão para apoiá-lo. Trata-se de uma carta que ele insinua ter na mão toda vez que se sente encurralado. Algo como se dissesse “não mexam comigo que coloco a milicada para cima de vocês”. Bolsonaro apostou todas as suas fichas na hipótese que a pandemia da covid-19 passaria rápido. Querendo se mostrar machão, começou a vociferar que se precisava enfrentar o vírus como homem e não como moleque, em clara crítica aos prefeitos e governadores que tomavam medidas de restrição de mobilidade e aos que estavam adotando isolamento social. Tentou, por todos os meios, impedir que estados e municípios implementassem políticas de contenção da epidemia. Em claros atos provocativos, começou a fazer rolezinhos à noite ou finais de semana estimulando aglomerações, o não uso de máscaras e a subestimação da contaminação. Tentou, de todas as formas, impor a orientação de que a economia não poderia parar, não interessando quantas vidas isto custaria.

Mandetta

Mandetta, que incialmente tentou cumprir o papel de ministro da Saúde, coordenando as ações sanitárias, foi demitido depois de muito enfrentamento com Bolsonaro. Seu substituto, Nelson Teich, durou menos de um mês. Diante das pressões do Capitão para que assinasse um protocolo recomendando a cloroquina para tratamento precoce, decidiu pôr a viola no saco e cair fora do manicômio. Assumiu então Pazuello, o general que Bolsonaro havia colocado na Secretaria Executiva do Ministério sob a justificativa de que era “especialista” em logística. O primeiro ato do general subordinado e obediente ao capitão foi exatamente assinar o tal protocolo. Além da mais absoluta omissão quanto a qualquer ação que contribuísse para o enfrentamento da crise sanitária, o general tratou de dispensar toda a equipe técnica do Ministério, substituindo os profissionais da saúde pelos seus coleguinhas de farda. Até mesmo os dados de evolução da epidemia Pazuello tentou adulterar a mando de seu chefe, iniciativa que se viu frustrada diante da formação de um consórcio de veículos de imprensa que passou a coletar os dados diretamente junto às secretarias estaduais. Em cadeia nacional, Bolsonaro já havia tentado desestimular a população a adotar medidas de prevenção, afirmando que se ele fosse contaminado, por seu passado de atleta, não teria mais que uma gripezinha. O papel de genocida não se restringiu somente ao chefe do Executivo. Com a saída de Mandetta e Teich, os generais de pijama, especialmente Ramos e Braga Neto, passaram a dar coletivas. Longe de orientar a população, cumpriam o papel de responsabilizar a imprensa por promover alarmismo, tratando com desdém as milhares de mortes que se avolumavam a cada dia. Para conter a propagação do vírus, governadores e prefeitos passaram, por conta própria, a estabelecer medidas de isolamento social, fechamento de comércio e outras restrições. Estas ações passaram a sofrer permanentes ataques de Bolsonaro que queria impor o retorno a todas as atividades. Insistentemente repetia que alguns iriam morrer e que ele lamentava muito, mas que o país não poderia parar. Diante do conflito de competências, o PDT entrou com ação no Supremo e os ministros decidiram que estados e municípios poderiam regulamentar medidas de enfrentamento ao vírus.

Isolamento social

Não bastasse toda a campanha contra o isolamento social e as restrições de abertura do comércio, as vacinas também passaram a ser alvo do negacionismo de Bolsonaro. Não foram poucas as afirmações de que se devia investir na cura da doença e não na vacina, que ele próprio não se vacinaria e de que ninguém era obrigado a se vacinar. Tendo como alvo o governador de São Paulo, passou a politizar a vacina em decorrência de Doria, por meio do Instituto Butantan, ter firmado convênio com a Sinovac Biotech chinesa. Ou melhor, a família Bolsonaro, assim como o próprio ministro das Relações Exteriores, seguindo o exemplo de Trump, passaram a ideologizar a vacina, promovendo ataques não só a Dória como também à China, esgaçando ainda mais nossas relações com o gigante asiático. Com a aproximação do final do ano, em decorrência de seus próprios atos, a tempestade perfeita começou a se formar para o capitão. Trump foi derrotado, colocando-o em completa situação de isolamento político mundial. Para piorar sua situação, ao contrário de buscar um reposicionamento, reconhecendo a vitória de Biden, fez coro com o troglodita norte-americano, afirmando que houve fraude na eleição. Diga-se de passagem, com as rusgas criadas com o novo governo estadunidense, a crise ambiental com a Europa e os ataques ideológicos à China, o Brasil nunca em sua história esteve em situação tão vexaminosa no cenário internacional. O Brasil se transformou em pária mundial. Ao tempo em que uma segunda onda de transmissão do coronavírus ganha força na Europa e Estados Unidos, com a conclusão de todo o experimental as primeiras vacinas  começam a ser aplicadas. Pressionado pela reaceleração da contaminação e do número de mortos, Bolsonaro e Pazuello começaram o ano sendo cobrados quanto ao plano de vacinação. Pazuello enrolou o quanto pode. “Pra que tanta ansiedade, tanta angústia?”, questionou. Afirmou que a vacinação iniciaria no dia D e hora H. Tentou dar ordem unida a jornalistas no melhor estilo dos ditadores de farda, querendo determinar o que se podia ou não publicar. Tanto foi escancarada a sua incompetência enquanto gestor e especialista em logística que resolveu apresentar um plano nacional de vacinação. No papel, tudo bonitinho. O general descreveu quanto de vacina seria produzida, quanto comprada daqui, quanto dali, quando iniciaria, quando terminaria. Ao estilo Mané Garrincha, faltou alguém perguntar ao ministro: “mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”

Doses da AstraZeneca

Pazuello contava com a entrega de 2 milhões de doses da AstraZeneca imediatamente, o que não ocorreu. Bolsonaro teve que engolir sapo e começar a imunização com a vacina chinesa do Dória. Também aconteceu o atraso na entrega dos insumos farmacêuticos ativos, tanto para a produção pela Fiocruz quanto pelo Butantan,  produzidos por laboratórios da China, país tantas vezes achincalhado, tanto por Bolsonaro quanto por Ernesto Araújo. Os brasileiros e brasileiras descobriram que o governo demorou tanto para se mobilizar que não há vacinas para serem adquiridas a curto prazo. O país terá que contar basicamente com a produção da Fiocruz e do Butantan e o que se tem disponível no momento não é suficiente para imunizar sequer os profissionais de saúde. A incompetência de Pazuello também provocou o desastre da falta de oxigênio em Manaus e hoje o colapso hospitalar ameaça se estender por todo o país. Bolsonaro, diante da tragédia que cresce e da pouca margem de manobra para reeditar um auxílio emergencial, percebe que está cada vez mais encurralado. Seu governo caminha a passos largos para o total descrédito. Acuado, mais uma vez blefa, insinuando que tem na mão a carta do golpe militar, intimidando a sociedade para continuar na sua trajetória de genocídio e de destruição do país. Chegou a hora das mais amplas forças políticas e sociais darem um basta, aceitando a trucada de Bolsonaro e chamando para seis. Chegou a hora, e boa parte da sociedade já percebeu isso, de mostrarmos a carta do “Impeachment Já!”.  

Jorge Gregory, é jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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