A ex-parlamentar comunista atribui o fato, em parte, ao sucesso da direita nas redes sociais, “fruto de diversos fatores, e da incompreensão de que o mundo digital, hoje, não pode mais ser desassociado do mundo real”.
Por Redação – de São Paulo
Musa das eleições presidenciais de 2016, candidata a vice ao lado do então presidenciável Fernando Haddad, a ex-deputada Manuela d’Ávila, 43, em um momento de pausa na lide partidária, aproveita o momento de reflexão para apontar os pontos fracos dos movimentos de esquerda, no país, em uma entrevista ao diário conservador paulistano Folha de S. Paulo (FSP), um dos bastiões da direita ultraliberal em ação junto à sociedade brasileira. D’Ávila, ao jornal da extrema direita, diz enxergar “o próprio campo político com dificuldades de mobilização nas ruas”.

A ex-parlamentar comunista atribui o fato, em parte, ao sucesso da direita nas redes sociais, “fruto de diversos fatores, e da incompreensão de que o mundo digital, hoje, não pode mais ser desassociado do mundo real”. Há alguns meses, d’Ávila deixou o PCdoB, ao qual foi filiada por 25 anos, desencantada com os rumos da legenda.
Realidade
Convidada a ingressar em outra agremiação partidária, no campo da esquerda, a política gaúcha ainda não se definiu por qualquer uma delas, mas concordou com o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, provável presidente do PT após as eleições do meio deste ano, sobre a necessidade de reconhecer que a esquerda tem apresentado dificuldade de mobilização.
– Isso é um dado da realidade. Quem não enxerga a base social e a maneira como a extrema direita tem aglutinado setores sociais? Em contrapartida, as nossas instituições estão tentando maquiar um dado da realidade, que é duríssima. A gente precisa tirar as maiores lições disso. Essa afirmação do Edinho é, para mim, bastante evidente e óbvia, vinda de quem não está tentando negar a realidade, mas sim olhando para ela com atenção – afirmou.
Comunicação
Quanto ao fato de os movimentos sociais de esquerda terem mais dificuldades na mobilização da sociedade, segundo d’Ávila, “isso se relaciona com dilemas que a gente enfrenta no Brasil e no mundo, entre eles a transferência da esfera pública para o ambiente digital”.
— As redes são o principal espaço de debate social e não são intermediadas de forma transparente e neutra, mas sim por algoritmos que reproduzem conceitos mais próximos à extrema direita, que apresenta soluções mentirosas, mas simples. Não há uma resposta única para um problema tão complexo e que se confunde não só com a capacidade de mobilização da esquerda, mas com a própria defesa da democracia. Esse é um outro buraco, porque a esquerda está isolada, com poucos setores sociais defendendo a existência de um ambiente democrático — acrescentou.
Políticas
Manuela d’Ávila também acredita que há um descompasso na comunicação do governo, o que prejudica a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal expoente do campo da centro-esquerda.
– Dizer que não tem problema nenhum na comunicação seria superficial e exagerado, mas na minha interpretação, atribuir todos os problemas à comunicação também é. Quando as pessoas dizem que o problema está na comunicação, elas se referem às redes sociais e usam como sinônimos coisas que não são equivalentes. Sabendo que a extrema direita opera no mundo da desinformação, tudo o que pode ser mal interpretado é previsível na elaboração de políticas. Eu, por exemplo, em tudo o que faço já penso qual é a ‘fake news’ que pode gerar – adverte.
Bolsonaro
“As redes não são só comunicação, elas são mobilização, organização e disputa intensa em torno de ideias”, observa, ainda, a líder socialista.
– A incompreensão das redes é um dos problemas políticos mais comuns dentro e fora do governo. Mas não é exclusividade do governo. Não gosto da dicotomia falsa do real e do virtual, como falam às vezes. Parece que estamos nos anos 1980 jogando Atari quando eu escuto isso! A vida real das pessoas é atravessada pelo que circula no virtual. A série ‘Adolescência’ não está só na Netflix, ela virou assunto nas escolas, na minha família, entre os meus amigos, na minha terapia. Como tratar o real e o virtual de forma diferente? – questiona.
Quanto ao destino do ex-mandatário neofascista Jair Bolsonaro (PL), no entanto, d’Ávila não tem dúvidas.
– Acho evidente que ele preso atrapalha a extrema direita, porque ele é ex-presidente e conta com prestígio popular. Mas isso não tira a competitividade da extrema direita, que mantém uma ofensiva política em torno de ideias que seguirão girando – concluiu.