O Cultura Viva não deve ser tratado como mercadoria, não se constitui para gerar produtos como aponta os instrumentais do governo.
Por Alexandre Lucas – de Brasília
O Cultura Viva tomou uma dimensão latino-americana de movimento político alinhado a uma perspectiva de projeto de sociedade baseado em principios de solidariedade, igualdade, emancipação econômica e humana e de movimento focado na transversalidade da cultura. No Brasil, essa experiência, que nasce como programa de governo em 2004 e que depois se torna política de estado em 2014, representa uma das políticas mais ousadas e transgressoras no campo cultural, o seu surgimento impacta na relação estado e sociedade civil, descentralização de recursos públicos, autonomia organizativa e política na gestão do fomento e nas formas de controle e participação social. É a experiência brasileira que se torna chama continental para que o movimento se constitua.
O Cultura Viva, enquanto movimento e política pública tem suas diferenças e limites. O movimento é para o enfrentamento, construção de sonhos e a defesa de uma modelo de sociedade que se contrapõe as estruturas de exploração e opressão. O movimento Cultura Viva é coisa de comunista mesmo! Já o estado tem as suas restrições burocráticas e seus trâmites legais e uma constante disputa de interesses de classes sociais. Entretanto é preciso apontar o horizonte político para que a política pública do Cultura Viva tenha como base as vozes e as necessidades do Movimento Político Cultura Viva, caso essa não seja a lógica o processo de degeneração é previsível.
Política Cultura Viva
A Política Cultura Viva teve seus momentos de ascensão, no momento que as vozes populares orquestraram a política pública. Nos governos do campo democrático (Lula, Dima e Lula) tivemos avanços e retrocesso e nos governos de direita tivemos o desmonte das públicas para cultura no país, não somente do Cultura Viva.
Com o novo governo Lula, a Política Nacional do Cultura Viva é retornada e impulsionada pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB). Essa retomada representa uma celebração para os movimentos sociais no sentido de reoxigenarem a esperança financeira para manutenção dos espaços e suas ações. A PNAB prevê a percentualização para o Cultura Viva que é resultado da compreensão política da importância do Cultura Viva para a promoção da cidadania e capilaridade social e cultural dos Pontos de Cultura com toda a sua dimensão transversal e a sua potência para diversidade e pluralidade de lugares, territórios e contextos estéticos, artísticos e culturais.
Ao mesmo tempo essa retomada se apresenta como uma ameaça para movimento, em especial para a Política Nacional do Cultura Viva. Quais as evidências? Desde que foi iniciada essa retomada, o Cultura Viva vem sendo tratado pelo Ministério da Cultura, como mais uma política pública para a cultura, sem perceber as suas peculiaridades e o seu objetivo estratégico para o país e o protagonismo social, fato que se comprava pela passagem das caravanas do MinC nos diversos estados brasileiros divulgando os primeiros editais destinados ao Cultura Viva, o que se percebeu foi um apagamento do conceito político do Cultura Viva e das forças políticas que compõe as comissões de representações legais dos Pontos de Cultura. O Ministério passou vendendo o peixe do edital, tratando como igual o que é para ser diferente.
Com a primeira leva de editais da PNAB direcionados ao Cultura Viva, o Movimento Político Cultura Viva se deparar com um processo degenerativo apresentado pelo Ministério da Cultura que merece o repúdio e a defesa dos mais diversos Pontos de Cultura espalhados pelo país.
Ministério da Cultura
O norte político adotado pelo Ministério da Cultura para a política de editais do Cultura Viva está fora contexto e da realidade da Política Nacional do Cultura Viva e dos Pontos de Cultura. O seu caráter burocratizante, academicista dar a dimensão elitista e excludente destes editais. O viés direcional retira a autonomia política, organizativa e as características singulares de reinvenção da realidade e das formas de organização social. Não considerar os aspectos da diversidade e a pluralidade dos Pontos de Cultura, como instrumento de redescoberta, hibridismo, transversalidade e ruptura das normas de exclusão, elitização e concentração política e econômica que marcaram a história das políticas públicas do país antes do primeiro governo Lula (2003).
Já estamos na metade deste governo e o Ministério da Cultura ainda não percebeu que o Cultura Viva é o caminho para radicalidade da democracia cultural. A pedagogia de baixo para cima são os comitês populares de luta e de cultura já existentes, perto do povo e dos seus anseios. O Cultura Viva não deve ser tratado como mercadoria, não se constitui para gerar produtos como aponta os instrumentais do governo. Geramos sonhos, processos, pequenas revoluções e um imenso desejo de transformar o mundo.
O Movimento Político Cultura Viva precisa desempregar essa noção atrasada, excludente e elitista que vem operando no Governo Lula a Política Nacional do Cultura Viva.
Alexandre Lucas, é pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/Ceará.
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