Um modelo que fragiliza a formação integral, priorizando o mercado e isolando os jovens, enquanto negligencia a verdadeira função pedagógica da escola.
Por Alexandre Lucas – de Brasília
O modelo cearense de Escola de Tempo Integral se tomou produto de “importação” nacional. O país instituiu o Programa de Escola em Tempo Integral para Educação Básica, a partir da Lei 14.640/2023. É recorrente a defesa da ampliação da jornada escolar nos últimos anos, principalmente em períodos eleitorais, no entanto, existe um esvaziamento do debate pedagógico sobre essa questão. A Escola de Tempo Integral está meramente a serviço do mercado e vem se caracterizando pela fragilidade pedagógica e no isolamento preventivo da nossa juventude nos moldes apresentados.
Outro aspecto que tem sido relacionada a Escola de Tempo Integral é a redução da violência e do envolvimento dos jovens na criminalidade.
O empreendedorismo enquanto discurso dominante do neoliberalismo esconde a face cruel da precarização do trabalho e adentra nas escolas juntamente com disciplinas ligadas ao chamado socioemocional com potência e em escala crescente. Isso não é por acaso e faz parte de uma onda de “coachiguinização” da sociedade contemporânea.
Muito se tem falado em adequação arquitetônica, preparação e manutenção do espaço escolar para atender as demandas para o seu funcionamento. Alimentação, ventiladores, refeitórios, vestiários, espaços para repouso, laboratórios e salas de leitura são algumas das reivindicações mais recorrentes.
Uma das questões em disputa e distante é a relação entre Escola em Tempo Integral e a Escola de Formação Integral, não existe contradição em unificar a ampliação da jornada escolar associada a uma formação contextualizada, crítica, baseada na historicidade e na ciência, ou seja, na formação omnilateral, integral.
Ampliar a jornada escolar não é garantia de apropriação de conhecimento produzido historicamente pela humanidade, talvez possa se transformar em cárceres escolares caracterizado pelo faz de conta do ensino e o professor/professora num faz de conta que sabe. Isso que discursivamente parece ser um exagero se comprova quando se pega como exemplo dois aspectos: Complementação da carga horária dos professores/professoras e a as “disciplinas eletivas”.
No primeiro caso, professores e professoras são obrigados ( não tem outra escolha) a complementar a sua carga horária com disciplinas nas quais não são objetos de seu concurso e ou de suas seleções. Por exemplo professores/professoras formados em ciências biológicas ministrando disciplinas como “empreendedorismo” ou “educação financeira”, ou profissionais da Educação Física dando aulas de “Arte e Cultura”. Isso demonstra uma contradição no processo de ensino-aprendizagem e uma desvalorização dos profissionais da educação.
No segundo caso o que são as chamada disciplinas “eletivas”? Quem elege? Quais os critérios para suas escolhas? Como são contextualizadas? Qual o perfil dos profissionais e essas disciplinas? A qual projeto de sociedade essas disciplinam se vinculam? Se não existe uma neutralidade na ciência, enquanto projeto de sociedade, as chamadas disciplinas eletivas atendem a um determinado interesse de classe, que certamente não é de ruptura social e emancipação humana.
A educação escolar é um campo de disputa política hegemonicamente controlado pela força do capital e o modelo de Escola de Tempo Integral perpassa essa lógica. As políticas educacionais no País se vinculam aos interesses das elites econômicas, inclusive nas gestões da educação. Fundações bancárias, Institutos ligados ao setor empresarial têm comandado as diretrizes da política educacional no país. A desvinculação das gestões da educação nos âmbitos municipais e estaduais das universidades brasileiras e aproximação com o setor empresarial de educação é uma demonstração inconteste do distanciamento de uma perspectiva de formação integral, privilegiando a fragmentação pedagógica e a manutenção de apertadores de parafusos.
Opressão e exploração
O modelo de escola está intimamente ligado ao projeto de sociedade que se quer construir. Romper com a lógica dominante de conservação das relações de opressão e exploração, ampliar a apropriação contextualizada do conhecimento historicamente produzido pelo humanidade e compreender a impossibilidade de imparcialidade da escola, enquanto parte da estrutura dos aparelhos Ideológicos do estado e ao mesmo tempo como espaço de disputa político-pedagógica, em outras palavras, campo das lutas de classes sociais, é um caminho emergente.
A contradição e a ausência de uma unidade pedagógica e a desvinculação da produção da ciência, tecnologia e inovação das universidades brasileiras projeta uma escola desintegral marcada pela competitividade e a maquiagem do ranking dos indicadores educacionais, como cárcere semiaberto e fábrica de viseiras para redução da visão social de mundo.
A junção da Escola de Tempo Integral e a formação integral é central no debate sobre a ampliação da jornada escolar e o projeto de sociedade que se quer construir. A estrutura para funcionamento das Escolas de Tempo Integral é apenas parte da questão.
Alexandre Lucas, é pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/Ceará.
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