Os estatísticos, por sua vez, argumentam que o objetivo das pesquisas é o de mostrar tendências retratadas em um certo momento, e não realizar prognósticos. A conjuntura eleitoral redesenhada com a expressiva votação recebida por Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de análise do mestre e doutor em Ciências Sociais Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva.
Por Redação - de São Paulo
Líder do governo na Câmara, o deputado federal Ricardo Barros (PP) declarou, na véspera, que quer limitar e até criminalizar pesquisas eleitorais que apresentarem resultados diferentes das urnas, um argumento geralmente usado pelas hostes do fascismo, em ascendente desempenho no país. Barros, um dos principais nomes que apareceram em denúncias de corrupção levantadas pela CPI da Covid no ano passado, alega aparente desconexão entre alguns resultados das urnas de domingo com os trabalhos dos principais institutos brasileiros de pesquisa.
Os estatísticos, por sua vez, argumentam que o objetivo das pesquisas é o de mostrar tendências retratadas em um certo momento, e não realizar prognósticos. A conjuntura eleitoral redesenhada com a expressiva votação recebida por Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de análise do mestre e doutor em Ciências Sociais Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva.
Ricci lembra que todas as pesquisas trabalham com margens de erro, que variam de dois a três pontos, a depender da metodologia aplicada pelo instituto. Ele avalia que, no geral, as pesquisas muito mais acertaram do que erraram em relação às votações do primeiro turno das eleições.
Compreensão
O CEO da Quaest Consultoria, Felipe Nunes, concorda com o argumento. Em entrevista a jornalistas, na véspera, ele afirma que “os levantamentos não são um prognóstico, e sim um diagnóstico da sociedade. As pesquisas têm um papel fundamental de nos ajudar a entender os movimentos que estão por vir.”
O que faltou para entender o cenário com maior precisão, ainda segundo Rudá Ricci, é uma melhor compreensão das diferenças do eleitorado dos sertões afastados das grandes cidades do país.
— A votação expressiva de Bolsonaro e do bolsonarismo se deu no ‘Brasil profundo’ do centro-sul, mas não ocorreu no Nordeste, onde Lula teve votação mais expressiva. Então, precisamos separar o joio do trigo: o ‘Brasil profundo’ não tem uma identidade de classe única. Ele se divide por macrorregiões — afirmou.
Preconceitos
O sociólogo lembra que a falta de percepção das pesquisas eleitorais tem relação com preconceitos e alterações hegemônicas na estrutura econômica do país. Durante os governos petistas de Lula e Dilma (2003-2016), o Nordeste ascendeu em importância econômica, sendo que sempre foi um centro cultural de excelência, que ampliou seu alcance.
— A luta por direitos também arrefeceu no Brasil. A luta agora é pelo sucesso individual e proteção das comunidades fechadas às quais a maioria pertence. A sociedade civil organizada (organizações populares, movimentos sociais, ONGs) perdeu sua pujança formuladora e mobilizadora neste século. Com isso, os partidos à esquerda perderam seus canais de comunicação com a base social — prossegue.
Soma-se a esses fatores as mudanças nas relações de trabalho, que estimularam a busca pelo bem individual, em vez das conquistas coletivas de direitos. O reflexo desse fenômeno característico do neoliberalismo econômico é o enfraquecimento da organização e do poder de mobilização das esquerdas.
Segundo turno
Em linha com todos os demais, dois dos maiores institutos de pesquisa do país, tanto o Datafolha quanto o Ipec apontaram Lula na liderança e Jair Bolsonaro (PL) em segundo lugar. Ambos muito à frente do segundo grupo, formado por Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT). Os institutos também indicaram, mesmo na véspera das eleições, uma probabilidade importante de haver segundo turno na corrida para o Planalto, o que, de fato, ocorreu.
Segundo o Datafolha, Lula tinha 50%; de acordo com o Ipec, alcançava 51%. A margem de erro era de dois pontos percentuais para mais ou menos. O ex-presidente passou para o segundo turno com 48,4%. A distância é maior, porém, quando considerados os votos em Bolsonaro. No Datafolha, o atual presidente registrou 36%; no Ipec, 37%, com mesma margem. Nas urnas, ele conquistou 43,2%.
— Pesquisa não é prognóstico. Cada pesquisa é a fotografia de um determinado momento. O resultado final é só na urna — resume Luciana Chong, diretora do Datafolha, que refuta a tese de ter acontecido algum tipo de erro metodológico.