Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Justiça questiona Aécio Neves sobre milhões em paraíso fiscal

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Quinta, 11 de Fevereiro de 2021 às 13:16, por: CdB

O Le Monde obteve acesso ao banco de dados oficiais do governo de Luxemburgo com documentos sobre empresas registradas naquele país, conhecido paraíso fiscal europeu; além dos nomes de quem se declarou beneficiário delas. O OCCRP organizou o material, analisado de modo colaborativo por jornalistas de 17 veículos.

Por Redação - de Brasília

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) precisará responder, em juízo, sobre a descoberta de uma conta milionária, em nome da mãe dele, Inês Maria Neves Faria, em um paraíso fiscal de Luxemburgo. A denúncia, publicada nesta quinta-feira no diário francês de centro-direita Le Monde, integra uma série de reportagens do projeto Open Lux, realizado pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), consórcio internacional de jornalismo investigativo.

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O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) encontra-se, mais uma vez, diante de sinais de corrupção milionária

O Le Monde obteve acesso ao banco de dados oficiais do governo de Luxemburgo com documentos sobre empresas registradas naquele país, conhecido paraíso fiscal europeu; além dos nomes de quem se declarou beneficiário delas. O OCCRP organizou o material, analisado de modo colaborativo por jornalistas de 17 veículos. No Brasil, a revista mensal Piauí, do mesmo grupo editorial que o diário conservador paulistano Folha de S. Paulo, é o único veículo brasileiro a integrar o grupo.

Somadas às duas offshores já conhecidas pelos investigadores da Lava Jato, a mãe de Aécio Neves é beneficiária, também no exterior, de uma terceira empresa cujos ativos chegam perto de R$ 4 milhões.

“Ao contrário das outras duas offshores, sediadas em Liechtenstein e no Panamá, a empresa em Luxemburgo nunca apareceu nas apurações do Ministério Público Federal (MPF) sobre Aécio, que vem sendo investigado por corrupção em um inquérito e responde a uma ação penal, também por corrupção”, adiantou a Piauí. As denúncias, conforme apurou a reportagem do Correio do Brasil, já foram indexadas ao inquérito, em curso, no MPF.

Furnas

Ainda segundo a apuração jornalística, “a Domomedia tampouco havia sido reconhecida por ele e seus familiares em um primeiro contato com a (revista) Piauí, realizado na última sexta-feira, dia 5 de fevereiro, ocasião em que não responderam perguntas sobre a empresa e emitiram uma nota genérica. Mas, num vaivém de notas e manifestações até o dia 9, as versões da família mudaram”.

Segundo apurou o consórcio de mídia investigativa, a mãe de Aécio Neves é um dos 64 mil beneficiários de 140 mil empresas instaladas em Luxemburgo, reveladas pelo Le Monde e pelo OCCRP. “Ao ter acesso a esse material, a Piauí e o OCCRP descobriram que, entre os beneficiários, há pelo menos 358 brasileiros ou residentes no Brasil cujos ativos totalizam 112,6 bilhões de euros – ou R$ 722,6 bilhões, em valores corrigidos até fevereiro de 2020”, acrescenta.

Inês Maria Neves Faria, que completará 82 anos no próximo dia 27 de fevereiro, é sócia dos filhos Aécio e Andrea Neves em empresas no Brasil. Ela foi citada, lateralmente, em um inquérito e uma ação penal sobre Aécio em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). No inquérito, sobre a estatal de energia Furnas, a mãe aparece como beneficiária final de uma offshore em Liechtenstein e de uma conta bancária ligada à offshore do Panamá.

Domomedia

“A suspeita do MPF é que as duas empresas tenham sido usadas para transferir dinheiro originário do esquema de propinas de Furnas, e, segundo documento  anexado aos autos do inquérito, ‘é forte a possibilidade’ de que, por meio delas, Inês Faria tenha colaborado com o pagamento de vantagem indevida ao filho”, relata a OCCRP.

Fora do radar das investigações em curso, a Domomedia é mais recente do que os fatos investigados no inquérito e na ação penal. A empresa foi criada em 2017 por um escritório especializado nesse tipo de negócio, como acontece com a maioria das companhias em paraísos fiscais. Seu capital inicial era de 3,2 mil euros, ou R$ 21 mil, segundo os balanços financeiros disponíveis no sistema do governo de Luxemburgo. Inês Faria só passou a ser sócia da Domomedia a partir de 2018. No dia 31 de dezembro daquele ano, os ativos da empresa somavam 56 mil euros, o equivalente a R$ 363 mil.

“Registro do Registro de Beneficiários Efetivos – RBE, do Luxembourg Business Registers, o site oficial das empresas no país, com o nome de  Inês Maria Neves Faria como beneficiária da Domomedia; abaixo, balanço anual de ativos da Domomedia para o ano de 2019, indicando que a empresa tinha, como total de ativos, 56 mil euros em 2018 (exercício anterior, ou exercice précédent) e 616.961,63 euros no balanço de 2019”, registra.

Joesley Batista

Inês Maria Neves Faria era filha de Risoleta e Tancredo Neves, presidente eleito que morreu antes de assumir o cargo, em 1985. O seu primeiro marido, Aécio Cunha, pai de seus três filhos, foi deputado estadual e federal, membro de uma tradicional família do Norte do Estado. O segundo, o banqueiro Gilberto Faria, também assumiu uma cadeira na Câmara. Ambos exerceram seus mandatos durante a ditadura militar pela Arena, o partido de sustentação do regime.

O casamento com Faria, em 1984, estreitou os laços com o Rio de Janeiro. A matriarca e os filhos, ao longo dos anos, adquiriram imóveis em bairros da Zona Sul carioca como Ipanema e São Conrado. Mas nunca tiraram um dos pés de Minas. Ao longo dos dois mandatos de Aécio como governador, Andrea foi o braço direito do irmão, enquanto a mãe comparecia a solenidades filantrópicas e artísticas, sempre com discrição.

Aécio é réu por corrupção e obstrução de Justiça por causa da delação da JBS na Lava Jato. Em 18 de fevereiro de 2017, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, Andrea Neves encontrou-se com Joesley Batista e pediu R$ 2 milhões para pagar “honorários advocatícios” da defesa de Aécio na Operação Lava Jato. Propôs ainda que o dono da JBS comprasse a cobertura duplex de sua mãe em São Conrado, bairro de classe média alta no Rio de Janeiro, por R$ 40 milhões – o dobro do que valia no mercado, conforme revelou na época o programa dominical Fantástico, da TV Globo. No dia 24 de março, o próprio Aécio reforçou o apelo por dinheiro.

Corrupção

O dono da JBS recusou a oferta de compra do apartamento, mas decidiu atender o pedido dos R$ 2 milhões – e gravou a conversa por orientação dos procuradores da Lava Jato, no âmbito de um acordo de delação premiada que havia fechado. O áudio mostra a reação do então senador Aécio Neves:

— Você vai me dar uma ajuda do c...

A investigação do Ministério Público diz que a propina de R$ 2 milhões integrava um esquema de dezenas de milhões de reais repassados desde 2014 ao então senador, que, em contrapartida, “usou o seu mandato para beneficiar diretamente interesses do grupo”. Só na liberação de créditos de ICMS, Aécio conseguiu R$ 24 milhões para a J&F, dona da JBS, apontaram os procuradores na denúncia.

Aécio também é investigado no inquérito que apura corrupção em Furnas Centrais Elétricas – apuração que esbarrou em negócios dos Neves no exterior. O primeiro elo entre uma offshore e os Neves veio em 2007, quando uma investigação da Polícia Federal descobriu uma “central bancária clandestina” operada no Rio de Janeiro por um doleiro octogenário chamado Norbert Muller.

Inquéritos

“A investida do Ministério Público Federal em torno de Aécio caminha a passos lentos. A delação da JBS subsidiou uma denúncia por corrupção e obstrução de Justiça contra o deputado – o processo foi aberto, mas continua pendente de julgamento”.

Enquanto isso, continua a revista, “o futuro do inquérito de Furnas segue indefinido: em maio de 2019, o STF chegou a pautar um julgamento para decidir se a investigação seria arquivada ou teria prosseguimento, mas o exame do caso foi adiado sem nova data para ocorrer”.

“Todos os investigados respondem aos inquéritos e ações penais em liberdade”, resumem os jornalistas Allan de Abreu, Thais Bilenky, José Roberto de Toledo, Fernanda da Escóssia, da Piauí, e Luiz Fernando Toledo, da OCCRP.

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