Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

‘Inflação aleija, mas o câmbio mata’, constatam economistas sobre o real

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Sexta, 12 de Março de 2021 às 09:57, por: CdB

Os economistas Paulo Rabello e Marcel Caparoz acreditam que “todos esses fatores favoráveis a um câmbio estável passaram a pesar menos do que as incertezas fiscais e monetárias; além do extremo estado de desconfiança sobre a competência de gestão do governo federal diante da pandemia”.

Por Redação - do Rio de Janeiro

“No Brasil, nem o passado consegue ser previsível.”

A constatação abre o artigo sob o título ‘Inflação aleija, mas o câmbio mata’, que os economistas Paulo Rabello de Castro e Marcel Caparoz, da RC Consultores, destinaram aos investidores, nesta sexta-feira. Nele, constatam que o Brasil está “envolto num cenário de incertezas, com o descontrole da pandemia e das contas públicas”. Segundo os consultores, “o país se vê novamente numa posição de enorme fragilidade no ambiente internacional”.

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Paulo Guedes pediu paciência com a recuperação da economia, mas vem cometendo erros crassos um adiante outro Fonte: RC Consultores Fonte: RC Consultores

“A extrema desvalorização do câmbio (nem no pior momento inflacionário dos anos 1980 houve maxidesvalorizações cambiais tão agressivas quanto esta da atual Administração) apenas sintetiza o comportamento volátil e frenético das demais variáveis econômicas frente à irresponsabilidade da classe política”, apontam. 

Ainda segundo o texto, ao qual a reportagem do Correio do Brasil teve acesso prioritário, “a desvalorização do real frente ao dólar norte-americano já é de 23% nos últimos doze meses encerrados em 10 de março de 2021. Pior do que isso, perdemos feio na comparação com a maioria das moedas dos países emergentes, conforme é possível verificar no gráfico abaixo”. 

Desconfiança

“O cenário de intensa deterioração do real não deveria estar ocorrendo. Os modelos macroeconômicos disponíveis não captaram nada disso ao início da pandemia. Os consultores do painel Focus tampouco previram o fenômeno cambial. O Banco Central não enxergou o rol de consequências da moeda superdesvalorizada.

“Diversos aspectos da economia sustentariam um real menos depreciado neste momento: a redução acentuada do déficit das transações correntes, a manutenção do superávit da balança comercial, a valorização das cotações das commodities agrícolas e minerais, a manutenção em nível elevado das reservas internacionais, entre outros que dariam para o câmbio uma direção menos aviltante”, acrescentam os economistas, no relatório. 

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Rabello e Caparoz, no entanto, acreditam que “todos esses fatores favoráveis a um câmbio estável passaram a pesar menos do que as incertezas fiscais e monetárias; além do extremo estado de desconfiança sobre a competência de gestão do governo federal diante da pandemia”. 

PIB em dólar

O resultado deste desarranjo administrativo será sentido, segundo os economistas, “e cobrará a conta amarga, principalmente, pela próxima geração de brasileiros. A queda do poder de compra será expressiva ao longo de 2021, impactada pelo aumento acentuado dos preços dolarizados dos insumos e produtos importados. Já o insustentável ritmo de crescimento do endividamento público exigirá ainda mais carga tributária e juros a serem arcados pelo defraudado contribuinte”. 

“O ponto negativo desta virada negativa já pode ser notado na evolução do PIB nominal brasileiro, em reais, em cotejo com sua translação em dólar. A partir de 2011 registrou-se um recuo expressivo do Produto Interno Bruto medido em dólar. O país não só estagnou como, inclusive, recuou em moeda forte desperdiçando uma década inteira de esforços da sociedade. 

“Um pouco mais grave se apresenta a curva do PIB em dólares per capita. A queda esperada, conforme o gráfico, é da ordem de 13% em relação ao ano de 2013 (PPC)” pontuam. “Hoje, com a pandemia, estamos em dólares abaixo de US$ 1,5 trilhão, uma queda de 25% sobre o nível alcançado em 2017”, completam.

Juros em alta

Segundo o relatório, “a grave perturbação política vivida hoje no Brasil encerrará, em breve, o sonho da taxa Selic na sua mínima histórica, 2,0% ao ano (a.a.). Já na próxima semana, nos dias 16 e 17 de março, teremos o encontro dos membros do Conselho de Política Monetária (Copom), que deverá elevar os juros no Brasil para 2,50% a.a.. E não terminará aí”.

Os consultores esperam que a taxa alcance 4,5% até o fim de 2021. “Hoje, já deveria estar em 5,0% a.a. O Banco Central, agindo politicamente, permanece mantendo os juros ‘atrás da curva’ da inflação projetada, talvez por não dispor de explicação plausível para o erro de previsão do próprio Copom no ano passado inteiro”, observam. 

“A inflação ao consumidor (IPCA acumulado em 12 meses até fevereiro de 2021) apresenta alta acumulada de 5,20%, acima do centro da meta do Banco Central e muito acima da taxa Selic de 2,0% a.a. Ou seja, nossa inflação é simplesmente o dobro da taxa básica de juros da economia. Tamanho desequilíbrio não poderá ser sustentado por muito mais tempo. O Brasil não tem reservas fiscais capazes de bancar tal descompasso para conviver com uma taxa real de juros negativa da ordem de 3,2%, umas das mais desajustadas do mundo no momento. Quem diria!”, ressaltam os economistas.

No atacado

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Os economistas destacam, ainda, que as taxas de juros nominais mundo afora “nunca foram tão baixas. Ao mesmo tempo, nunca tantos países praticaram taxas reais tão negativas. A excessiva liquidez financeira proporcionada pelos bancos centrais, foi a responsável por acentuar o viés dos juros para baixo. Mas nem todos os países possuem a mesma capacidade fiscal e de setor externo para sustentar tal política de juros negativos. O Brasil, certamente, não está entre os países que podem brincar de juros negativos”. 

“A taxa de juros nominal do Brasil (2,0% a.a.) é a menor dentre os países do BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), assim como de outros países emergentes, como México e Turquia. Aliás, a Turquia, que sofreu uma grande desvalorização da sua moeda nacional (Lira turca) de 25% nos últimos 12 meses, se viu na necessidade de uma rápida elevação da taxa de juros para conter o movimento especulativo contra sua moeda. Atualmente a taxa de juros nominal na Turquia está em 17% a.a., enquanto que a inflação já atinge a marca de 15%. 

“Evidente que a situação brasileira ainda é mais confortável que a da Turquia, mas não podemos nos deixar enganar. O avanço brutal da inflação brasileira é realidade dura e atual e, ao contrário dos que ainda dizem alguns analistas, não se resume apenas a repercutir choques pontuais de oferta. O descontrole é gritante no atacado em geral, com a inflação girando na casa de 40% em termos do IPA-FGV em fevereiro de 2021! Os preços ao produtor (IPP-IBGE) da indústria da transformação já acumulam alta de 21,5%”, refletem.

Pretensões

Os consultores preveem que “essa pressão enorme nos custos de produção já chegou aos preços ao consumidor, que serão ainda mais impactados nos próximos meses, acentuando a fragilidade econômica do país. O ano de 2021 será, em termos práticos, bastante recessivo, se comparado ao final de 2020. A inflação oficial deverá encerrar o ano de 2021 bastante acima do centro da meta do Banco Central. A RC Consultores estima uma alta dos preços de 4,8% acumulada em dezembro de 2021”. 

“Essa é, não obstante, uma estimativa conservadora. Dependendo da realimentação do câmbio desvalorizado sobre os combustíveis e sobre o cenário político em geral, tal estimativa pode pular para uma variação bem superior aos 5% de inflação oficial em dezembro de 2021. O saudoso ministro Mário Henrique Simonsen costumava lembrar que ‘...o câmbio mata’. Mata uma estratégia econômica. Mata também popularidades políticas. Pode matar as pretensões eleitorais do atual presidente”, constatam. 

O governo Bolsonaro parecer ter finalmente compreendido o custo político deste cenário, e já sinaliza com medidas para tentar reduzir os efeitos colaterais indesejáveis que o desequilíbrio no câmbio impõe à sociedade brasileira. O episódio recente dos preços dos combustíveis em alta forçada sublinha esse prognóstico de perda de popularidade.

Lula de volta

As recentes atuações do Banco Central no mercado cambial, com operações para conter a alta do dólar, tentam com isso também conter o dano político às pretensões carreiristas dos atuais detentores do poder federal. Mas nada vai dar certo até o Banco Central voltar a ajustar a curva dos juros.

Diante do novo cenário político e eleitoral criado pela recuperação da elegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “é de se esperar um maior comprometimento do governo atual com a opinião pública e o bom senso em matéria econômica”, esperam os consultores.

“Mas os custos políticos já incorridos não irão desaparecer. A tragédia da pandemia da covid-19, com o recorde de mais de 2.300 mortes em apenas um dia - ainda subindo - escancarou a completa incapacidade do governo em liderar o país rumo a uma saída a curto prazo. O ano de 2021 está profundamente comprometido do ponto de vista de desempenho e recuperação.

“Sob a ótica política, com a reverberação da figura de Lula, saltamos para 2022 da noite para o dia. E isso é péssimo para a já cambaleante autoridade dos gestores atuais na área econômica. O país - é sempre bom lembrar - vai entrar em primeiro de abril (o dia da mentira) sem Orçamento Federal para o ano corrente. Um ainda maior desequilíbrio cambial e inflacionário, neste momento de extrema fragilidade para o governo, sepultaria de vez as chances de Bolsonaro nas eleições de 2022”, concluem Rabello e Caparoz.

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