Num país mergulhado em aguda crise socioeconômica, o radicalismo de comparar o peso a um “excremento”, de propor a adoção do dólar como moeda do dia a dia soou como um tango bem afinado para boa parte dos argentinos, habituada a conviver com inflação de 140% ao ano e um nível de pobreza que atinge 40% da população. E como um ruído desesperador para outra parte.
Por Redação, com BdF – de Buenos Aires
Javier Milei e Victoria Villarruel, personagens recém-chegados à política e que até pouco tempo viviam numa certa marginalidade ideológica por suas posições radicalizadas em matéria econômica e de memória histórica, foram eleitos presidente e vice da Argentina com a maior votação desde a redemocratização, em 1983.
Num país mergulhado em aguda crise socioeconômica, o radicalismo de comparar o peso a um “excremento”, de propor a adoção do dólar como moeda do dia a dia soou como um tango bem afinado para boa parte dos argentinos, habituada a conviver com inflação de 140% ao ano e um nível de pobreza que atinge 40% da população. E como um ruído desesperador para outra parte.
Concluída a primeira missão da dupla ultraliberal, que era derrotar os candidatos da chamada política tradicional e vencer a eleição, a melodia começou a mudar. Faltando oito dias para o novo governo assumir seus postos na Casa Rosada, um discurso mais suave em alguns aspectos e as indicações para o ministério, com destaque para Luis ‘Toto’ Caputo na Economia, dão sinais de que Milei deve fazer uma gestão mais convencional do que prometia.
Fiador
As privatizações de empresas públicas continuam no radar, assim como o corte de gastos públicos e a redução do tamanho do Estado, simbolizada, num primeiro momento, pelo arranjo ministerial. Mas a dolarização e o fechamento do Banco Central, propostas que desagradam o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), principal fiador da vitória de Milei, e boa parte da sociedade, da classe política e do mercado financeiro, não estão mais na ordem do dia, pelo menos não publicamente.
— O candidato desce do palanque e começa a se tornar presidente. A dolarização poderia trazer um efeito benéfico no curto prazo, que é acabar com o contexto de inflação elevada”, afirma Bruno De Conti, professor do Instituto de Economia da Unicamp. “Mas ao longo do tempo, as consequências negativas seriam muito ruins, porque a Argentina perderia a soberania monetária, a possibilidade de fazer política cambial — resume André Roncaglia, economista e professor da Unifesp, em entrevista ao site de notícias Brasil de Fato (BdF).
Para o economista, o governo eleito deve usufruir uma lua-de-mel com o mercado no início do mandato e, dependendo de quanto durar e de que efeitos propiciar aos indicadores socioeconômicos, pode propiciar tempo suficiente para que as medidas mais radicais sejam empurradas “com a barriga” com o argumento de que não são mais necessárias.