Isso explica, de acordo com ela, o ataque da base bolsonarista a qualquer possibilidade de isolamento social. Nessa lógica de “inimigo variante”, ora prefeitos e governadores ou o STF, as medidas de prevenção ao novo coronavírus também se materializam como “inimigas do governo”.
Por Redação, com RBA - de São Paulo
O chamado “populismo digital” que contribuiu para a ascensão do então candidato Jair Bolsonaro (sem partido), em 2018, à Presidência da República, é também o que explica parte da manutenção da aprovação de seu governo. Para a antropóloga Letícia Cesarino, que pesquisa as redes de apoio ao presidente, a construção discursiva por meio das mídias digitais alude a uma suposta equivalência entre líder e o povo contra uma elite, vista como inimiga da nação, dicotomia muito empregada por representantes da direita radical. A narrativa se rearranjou neste segundo ano de governo, mas manteve alguns padrões que se tornaram mais evidentes durante a pandemia do novo coronavírus.
Entre eles, a estratégia de responsabilizar outros por eventuais problemas de atuação. “São os ‘inimigos’: é a China, os governadores, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso. Bolsonaro está sempre delegando a outros os efeitos negativos que poderiam ser atribuídos a ele. Acredito que isso explica em parte o apoio que ele ainda tem”, afirma a pesquisadora.
Crise sanitária
À agência brasileira de notícias Rede Brasil Atual (RBA), nesta terça-feira, Cesarino avalia que o mandatário consegue “muito bem navegar em um contexto de caos informacional”. Segundo afirmou, Bolsonaro “está sempre se alimentando da ambiguidade e da desinformação”.
— Um dia ele fala uma coisa, no outro ele fala outra — comentou.
Uma posição “errática” que vem sendo reforçada como forma de comunicação sobre a maior crise sanitária causada pela covid-19.
— Em um ambiente desse tipo é muito difícil estabelecer causalidades claras. Ao não conseguir estabelecê-las, a gente também não consegue atribuir a responsabilização a ele diretamente pelas mortes — advertiu.
Isolamento
A antropóloga destacou, ainda, que a eficácia desse tipo de comunicação política utilizada por Bolsonaro está no que o cientista político Ernesto Laclau, teórico do populismo, chamou de “caráter vago dessas ideias” que são propagadas. Isso explica, de acordo com ela, o ataque da base bolsonarista a qualquer possibilidade de isolamento social. Nessa lógica de “inimigo variante”, ora prefeitos e governadores ou o STF, as medidas de prevenção ao novo coronavírus também se materializam como “inimigas do governo”.
— Você lança ideias vagas e as pessoas vão preenchendo com aquilo que faz mais sentido para elas. Por exemplo, o isolamento social traz algum inconveniente, ou porque não pode trabalhar, está com saudade da família, quer ir na igreja e não pode. Ele (Bolsonaro) martela esse discurso de que as pessoas podiam estar ‘livres’ — observou a pesquisadora.
Ela acrescenta, em seguida, que o combate ao isolamento social “sustenta um dos grandes argumentos” do governo.
— De que o Estado atrapalha nossa vida, que ele está para atrapalhar, intervir. Bolsonaro às vezes coloca isso em termos de uma ditadura, em que as medidas sanitárias seriam uma agressão à liberdade individual das pessoas. Isso é algo que culturalmente observamos e que tem sido bastante caro às pessoas — conclui.