Para Putin, no entanto, a importância do Brasil está acima de Bolsonaro. Inclusive considerando que o Brasil está de volta ao Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas (onde vota), é um membro do Brics (junto com a própria Rússia, Índia, China e África do Sul) e também do G20, que reúne as 20 maiores economias do mundo.
Por Eduardo Maretti, RBA - de São Paulo
A viagem de Jair Bolsonaro à Rússia, iniciada nesta terça-feira – em visita oficial ao presidente Vladimir Putin – faz parte de um intrincado jogo de interesses envolvendo ambos os chefes de governo. O brasileiro, em ano eleitoral, com baixa popularidade e carente de aliados no mundo, vai tentar “vender” o episódio como reconhecimento a sua liderança. Até porque o líder russo, um dos mais importantes do mundo, em meio a uma crise com o Ocidente, vai abrir sua agenda para receber Bolsonaro.
Para Putin, no entanto, a importância do Brasil está acima de Bolsonaro. Inclusive considerando que o Brasil está de volta ao Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas (onde vota), é um membro do Brics (junto com a própria Rússia, Índia, China e África do Sul) e também do G20, que reúne as 20 maiores economias do mundo, lembra Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC). Além disso, Bolsonaro está em fim de mandato.
Obviamente, ressalva o professor, se o presidente brasileiro fosse Luiz Inácio Lula da Silva, o petista teria ido dentro de uma estratégia mais ampla, com propostas sobre o que fazer no CS da ONU, no Brics e no G20.
— E iria se colocar como protagonista, para ajudar e intermediar na tentativa de resolver o conflito entre Rússia, Ucrânia e Otan — destaca Giorgio, lembrando a diplomacia “ativa e altiva” por meio da qual o governo Lula se colocou como interlocutor na resolução de conflitos na Palestina e do Ocidente com o Irã.
Chancelaria
Mas, apesar das catastrófica gestão da diplomacia brasileira de seu governo, principalmente com período do “chanceler” Ernesto Araújo (até março de 2021), Bolsonaro vai tentar passar a ideia de que o Brasil tem “voz própria” e, com ele, assume posição independente, ao visitar a Rússia de Putin.
O comércio exterior não é muito forte entre os dois países. Em 2021, o Brasil exportou apenas US$ 1,7 bilhão em produtos para a Rússia, e importou dos russos US$ 5,6 bilhões, dos quais aproximadamente 60% em fertilizantes agrícolas, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Na Europa, líderes extremistas são “aliados” do presidente da Rússia. Na França, a extrema-direita classifica o presidente Emmanuel Macron de “lacaio” dos Estados Unidos e defende as posições de Putin. O premiê húngaro Viktor Orbán, o italiano Matteo Salvini, por exemplo, são pró-Putin.
“É melhor dividir”
Quanto ao presidente russo, não custa lembrar que ele foi diretor do Comité de Segurança do Estado (a temida KGB). Putin é sabidamente apoiador de líderes de extrema direita. Mas por uma lógica.
— É a lógica e a estratégia de dividir o Ocidente, pela qual é melhor incentivar a divisão — diz o analista da UFABC.
Por sua vez, Bolsonaro está isolado. A situação se agravou para ele após a vitória de Joe Biden nos EUA. O que é péssimo, já que precisa ter o que mostrar como interlocutor “respeitado” no mundo, considerando que são pouquíssimos os líderes que se dispõem a aparecer com ele em fotos.
Conflitos
Esse desequilíbrio na área de relações internacionais ficou escancarado em novembro, quando Lula foi à Europa e foi recepcionado por líderes como Macron, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e o então novo chanceler alemão Olaf Scholz.
Para Giorgtio Romano, uma guerra aberta pelo controle da Ucrânia entre potências e superpotências não vai acontecer, apesar do alarmismo ocidental e de Biden. O professor lembra, aliás, que desde 2014 já há guerra no leste da Ucrânia, na região de Donbass, onde já morreram 14 mil pessoas nos conflitos.
— Mas uma guerra mundial não vai acontecer. Putin não é aventureiro. Sabe exatamente o que está fazendo. Não está claro o que vai acontecer, mas os próprios países da Otan deixam claro que não haverá soldados do bloco. mas sim retaliação econômica — acrescentou.
Mas Putin já se vacinou e tem a retaguarda da China. A economia da Rússia é pequena, cerca de 40% da economia alemã, “mas muito resiliente, e não vai quebrar com sanções de EUA e Europa, graças à China”, concluiu.