Em lugar de uma política de transparência na administração pública, durante a gestão Dilma, houve o aumento exponencial, desde a Era Lula, do número de 'notícias exclusivas' aos meios de comunicação conservadores. E nenhuma. Repito, para deixar claro. Nenhuma entrevista aos jornais independentes, ao longo de todos os cinco malditos anos em que permaneceu no comando do país.
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
Quando Dilma foi eleita para a Presidência da República pela primeira vez, em 2010, escrevi uma carta à presidenta, na qual relembrei a luta que foi - e é - manter um jornal diário independente, no qual praticamos o Jornalismo maiúsculo, equidistante no seu noticiário, mas de esquerda na Opinião. Este mesmo Jornalismo que denunciou a hipocrisia na campanha de seu então adversário, José Serra, e encerrou um dos capítulos mais sórdidos naquela campanha eleitoral. No texto, resumia a necessidade da revisão profunda na forma como o Estado brasileiro se relaciona com a mídia independente; e a imediata libertação do cartel liderado pelas Organizações Globo.
Quero crer que a missiva jamais lhe chegou às mãos, embora eu a tenha entregue, pessoalmente, à então ministra da Comunicação Social, Helena Chagas, em seu gabinete. Por mero senso de justiça, registro que a espera foi pouca, a água estava gelada e o cafezinho, uma delícia. Penso assim por não ter recebido, até agora, sequer um simples agradecimento pela gentileza da visita; além de reparar que nenhuma das sugestões foi aceita.
Trem bala
Em lugar de uma política de transparência na administração pública, durante a gestão Dilma, houve o aumento exponencial, desde a Era Lula, no número de 'notícias exclusivas' aos meios de comunicação conservadores. E nenhuma. Repito, para deixar claro. Nenhuma entrevista aos jornais independentes, ao longo de todos os cinco malditos anos em que permaneceu no comando do país.
Foi assim até que o risco de ser apeada do poder se agigantasse ao ponto de convocar uma tímida coletiva a uns poucos blogs aliados. Para se ter ideia do nível, enquanto o mundo caía sobre a cabeça da mandatária, uma das perguntas versava sobre a premente necessidade de se instalar um trem-bala, entre Rio e São Paulo. Os pais do Jornalismo, esse que se pratica aqui, no CdB, contorceram-se nos mausoléus.
Pedra sobre pedra
Percebe-se, agora, que a presidenta deposta tem esse traço: o da descortesia, em seu comportamento; naquele seu jeitão desatencioso de ser, no qual a delicadeza passa ao largo. Talvez, tenha sido este um dos fatores que colocaram para correr os eleitores mineiros, nas eleições recém-encerradas, quando não contou com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja amabilidade compensou, enquanto pode, a pisada mais dura de sua sucessora. Esta, agora, afasta-se do ambiente político-eleitoral – parece que de uma vez por todas. E o faz sob o desvio angular que fez perseguir o Correio do Brasil, de forma sistemática, ao longo de seus quase seis anos à frente do Palácio do Planalto; enquanto quebrava ovos para a Rede Globo bater, desde o seu primeiro dia no governo.
Que Deus a perdoe. Sim, porque jamais poderei deixar adormecer a certeza de ter essa senhora jogado o Brasil no colo do fascismo que ora se instala, seja ou não eleito o seu pior representante; após a desconstrução da trilha aberta por Lula para um país mais justo e democrático. Não restou pedra sobre pedra. Dilma destinou mais de R$ 3 bilhões somente à Globo; a mesma emissora que apoia o golpe de Estado, ainda em curso. Cada centavo foi usado, com certeza, para aumentar a renda da família mais rica e influente destas plagas, desde o último século; e oprimir os jornalistas brasileiros que, a exemplo deste que vos escreve, insiste em construir este diário, respeitado internacionalmente pela independência do noticiário que leva, há 18 anos, aos nossos leitores.
Nervos de aço
Em países ainda em fase de desenvolvimento, compreendo, é difícil aceitar a existência de um veículo de comunicação fundado na tese de que os fatos devam ser levados aos leitores em sua essência. Dispostos, de forma clara, diante da visão crítica de um público que não precisa – e não gosta – de ser subestimado. Jamais embrulhados nos papéis celofanes do embuste, a exemplo do que faz a mídia conservadora e subserviente aos capitalistas de aluvião. Ou delineados de forma a caber no modelito que a esquerda bem comportada tanto gosta de usar. Fazer Jornalismo independente, no Brasil, é uma tarefa para quem tem nervos de aço.
Assim, depois de tanto alertarmos à presidenta, empurrada de palácio em palácio até o olho da rua por aqueles mesmos golpistas que alimentou a pão de ló, quanto ao erro crasso que cometia com os destinos da nação, resta-nos esta singela despedida, perante a derrota fragorosa que a soterra. Não são, obviamente, palavras de conforto ou de carinho, mas tão frias quanto as pedras que atirou contra a trincheira da liberdade, ora em alto risco. Tão geladas quanto o tratamento que dispensou àqueles que seguem na luta contra a horda fascista que se avizinha. Sem um pingo de ódio sequer ou nenhuma gota de solidariedade. Tão somente, o merecido registro no rodapé da História.
Que o arrependimento lhe seja eterno.
Gilberto de Souzaé jornalista, editor-chefe do jornalCorreio do Brasil.