Rio de Janeiro, 30 de Abril de 2025

O preço de não jogar o jogo

A possível cassação de Glauber Braga expõe a hipocrisia do sistema político. A luta pela coerência e ética parlamentar em meio à corrupção e impunidade.

Quinta, 24 de Abril de 2025 às 09:33, por: CdB

Quem entrou de sola no sistema agora está prestes a ser chutado para fora da Câmara.

Por Amarílis Costa – de São Paulo

A possível cassação de Glauber Braga (PSOL-RJ) não é um erro de avaliação isolado. É parte de uma engrenagem institucional que pune seletivamente quem decide não jogar o jogo. Enquanto parlamentares investigados por corrupção, milicianos ou cúmplices de assassinato seguem impunes, ou blindados, Glauber estava há dias sem comer, isolado num plenário. A desproporcionalidade do processo é evidente, e mesmo quem o critica, o faz com ressalvas: “mas ele não se ajuda”.

O preço de não jogar o jogo | Alvo na testa. O psolista Glauber Braga paga um preço alto pelo destemor de enfrentar o ex-presidente da Câmara. Seu destino estará selado?
Alvo na testa. O psolista Glauber Braga paga um preço alto pelo destemor de enfrentar o ex-presidente da Câmara. Seu destino estará selado?

Glauber entrou de sola. Foi um dos primeiros a dar o pontapé inicial nos debates sobre ética parlamentar, uso indevido de emendas e o pacto de silêncio que garante estabilidade aos acordos por baixo dos panos. Não agradou aos donos do jogo, e isso tem um custo. Agora, tentam chutá-lo para fora da Câmara. Não por um escândalo de corrupção ou por abuso de poder, mas por ter esticado a corda num sistema que aceita tudo, menos coerência.

Não se trata de um julgamento apenas sobre um episódio, mas sobre uma postura política. Glauber, diferentemente da maioria, nunca se curvou. Foi oposição firme a todos os presidentes da Casa. Chamou Arthur Lira de bandido em público, denunciou o orçamento secreto, expôs esquemas e não buscou proteção em gabinetes. Sua coerência, por mais incômoda que seja, cobra um preço alto: o isolamento.

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A cassação de Glauber acontece no mesmo Congresso que avalia, com toda a cautela, o caso de Chiquinho Brazão, acusado de envolvimento direto no assassinato de Marielle Franco. Glauber está sendo punido por um ato isolado, enquanto figuras que atentaram contra a vida e a democracia seguem protegidas. A comparação é inevitável. Em um caso, milícias. No outro, confronto político. E é Glauber quem está prestes a perder o mandato.

Ele esteve em greve de fome por uma semana. Um ato extremo, que escancara o grau de desesperança e a sensação de abandono. A greve é mais do que protesto, é denúncia. Um grito silencioso diante de uma institucionalidade que parece disposta a sacrificar até seus aliados em nome da estabilidade. Qual é o grau de desarticulação da esquerda para que um deputado precise passar fome para tentar manter o próprio mandato?

O governo assiste de longe. Ministros visitam Glauber, falam em solidariedade, mas tratam o tema como um incômodo administrativo, não como um ataque político em curso. O Planalto prefere não se envolver. A cassação de um deputado da base, nesse cenário, é tratada como um dano colateral aceitável. A base do governo atua de forma morna, pautada pela lógica do toma-lá-dá-cá. Não se mobiliza por convicção, mas por cálculo.

E é justamente essa lógica que sustenta o processo. Glauber não está sendo cassado só por esticar a corda. Está sendo cassado porque não aceitou o pacto silencioso de governabilidade. A articulação contra ele é parte do mesmo jogo que mantém no tabuleiro figuras que deveriam ter sido expulsas há muito tempo. A perda de seu mandato é parte do preço a se pagar para manter o “acordo” de paz entre partidos que se enfrentam só nas câmeras, mas se entendem no café.

Perseguição política

Wagner Moura chamou de perseguição política. E é. Glauber não responde por corrupção, não atacou instituições, não conspirou contra a democracia. Seu crime foi gritar quando todos preferiam o silêncio. Enquanto muitos se adaptam para sobreviver, ele preferiu confrontar, e agora é punido por ter mantido a dignidade.

A Câmara julga a possibilidade de alguém manter coerência sem pagar um preço por isso. Julga o incômodo que representa alguém que não topa o jogo. Glauber virou problema porque, diante do pacto da conveniência, escolheu não se calar.

Que o campo progressista entenda: coerência não pode ser punida com cassação. E discordância não pode ser tratada como ameaça. Porque se a punição para quem não se adapta ao jogo é o exílio político, o que sobra da democracia é um teatro de composições, onde só sobrevive quem aprende a sorrir em silêncio.

 

Amarílis Costa, é advogada, doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito USP, mestra em Ciências Humanas, pesquisadora do GEPPIS-EACH-USP, diretora executiva da Rede Liberdade.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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