Atualmente, na Série A do Campeonato Brasileiro de futebol masculino, 19 dos 20 clubes têm alguma operadora de apostas como patrocinadora, o Cuiabá é a exceção. A estimativa é que este investimento, no ano passado, tenha chegado a R$ 3 bilhões.
Por Redação, com ABr - de Brasília
A regulamentação das apostas esportivas no Brasil, por meio de uma Medida Provisória (MP) que será editada Governo Federal, é vista com bons olhos por dois segmentos importantes do setor: as empresas do ramo e os clubes de futebol. A percepção é que além de desenvolver o mercado no país, o processo auxiliará no enfrentamento a casos de manipulação de resultados.
A Lei 13.756, de 12 de dezembro de 2018, liberou as apostas de quota fixa (as chamadas bets) no país. O prazo para regulamentação era de dois anos, prorrogável por mais dois, mas nada ocorreu. Segundo o assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, durante audiência pública realizada em Brasília no último dia 12 de abril, a estimativa é que R$ 6 bilhões deixaram de ser arrecadados, por ano, desde 2018.
– A cada 10 placas de publicidade [em uma partida de futebol], enxergamos sete ou oito de empresas de apostas. Essas apostas movimentam alguns bilhões de reais no Brasil, mas o governo, a sociedade, não arrecada um real há praticamente cinco anos, porque não está regulamentado – disse Manssur.
Atualmente, na Série A do Campeonato Brasileiro de futebol masculino, 19 dos 20 clubes têm alguma operadora de apostas como patrocinadora, o Cuiabá é a exceção. A estimativa é que este investimento, no ano passado, tenha chegado a R$ 3 bilhões. Para atuarem no mercado nacional e continuarem expondo suas marcas, as empresas deverão ser credenciadas e pagar uma outorga de R$ 30 milhões.
– Os clubes anseiam muito pela regulamentação do setor de apostas. Quando faço, por exemplo, um contrato de patrocínio entre o clube que represento e uma empresa (do setor), acaba tendo um foro fora do cenário nacional, então, se tenho um problema relacionado a isso, é difícil que o clube busque os seus direitos em uma legislação estrangeira – pontuou Danielle Maiolini, advogada do Palmeiras e especialista em Direito Desportivo e Beting do escritório CSMV Advogados.
Quem também vê como benéfica a a regulação do setor é André Gelfi, presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR),
– Os brasileiros estão apostando fora do Brasil e (com a regularização) passarão a apostar no Brasil. Os investimentos serão necessários, em estrutura, operações, finanças, de atendimento e por aí vai. Toda a cadeia se beneficia da formalização do mercado. E temos também o benefício para o brasileiro, de estar sendo basicamente servido por operadores que seguem uma série de regras, previamente estabelecidas e acordadas, entre poder público e poder privado – analisou Gelfi.
Manipulação
A expectativa de empresas e instituições esportivas é que a regulamentação aumente o cerco sobre os casos de manipulação de resultados. Recentemente, o Ministério Público de Goiás (MP/GO) denunciou 16 pessoas à Justiça, entre elas, atletas, por fraudarem partidas de futebol e favorecerem apostas em jogos das Séries A e B do Brasileiro de 2022 e campeonatos estaduais deste ano.
– As empresas (regularizadas) geralmente têm experiência e interesse de trabalhar de forma coordenada para combater a manipulação de resultados. As próprias casas de apostas são, junto dos apostadores, as principais prejudicadas (pelas fraudes), que são lesadas financeiramente quando se tem manipulação de um resultado esportivo – destacou Gelfi. "Para monetizar, os clubes dependem da aleatoriedade do resultado. O consumidor não quer ver um jogo que ele já sabe como vai terminar. Então, quanto mais aleatório o resultado, portanto, quanto menor a possibilidade de o consumidor sentir que o resultado está sendo manipulado, mais vale meu produto. Isso é um objetivo comum entre clubes, CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e operadoras. Por isso, uma regulamentação que trate dessa atividade econômica no Brasil precisa endereçar esse tema de maneira muito rigorosa", complementou Maiolini.
A repercussão fez com que o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinasse à Polícia Federal (PF) a instauração de inquérito para investigar os casos de manipulação. O coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP/GO, Rodney da Silva, porém, ressaltou que o assunto deve ir além da esfera pública.
– Esquemas de cooptação de jogadores, de vários esportes, existem há muito tempo, nos Estados Unidos, na Europa, em todos os países, mas algumas medidas de compliance (conformidade em relação à lei e às regras) restritivas a esse tipo de comportamento, têm sido tomadas. Acho que seria o momento de discutirmos, em âmbito nacional, a necessidade de se investir, clubes e federações, por exemplo, na atividade de compliance – declarou, em entrevista coletiva no último dia 18 de abril.
Tributação
A Medida Provisória prevê a tributação de 30% sobre os ganhos dos apostadores, respeitando a faixa de isenção do imposto de renda. As empresas, por sua vez, serão taxadas em 16% do GGR (sigla, em inglês, para Gross Gaming Revenue), que é a receita obtida após o pagamento dos prêmios. Deste montante, 2,55% serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para ações de combate à manipulação e demais fraudes no âmbito das apostas. As entidades esportivas, por sua vez, terão direito a 1,63% do repasse. Este último percentual foi alvo de debate nas últimas semanas.
– A grande discussão é se esse percentual (1,63%) remunera o suficiente pela autorização de uso de marca ou se, para os clubes, e aí é uma discussão que eles estão tendo internamente, vale mais optar por não autorizar esse uso da marca, portanto, não receber o percentual pré-determinado, e fazer a negociação independente, diretamente com as operadoras – explicou a advogada do Palmeiras.
O percentual também gerou manifestação da CBF. Em nota, a entidade avaliou que o repasse deveria ser maior e sugeriu 4% da arrecadação total, com 80% do montante destinado aos clubes e 20% à própria confederação. A proposta encontrou resistência das operadoras.
– A gente chegou próximo à 30% de carga no faturamento das empresas. Na nossa cabeça, chegamos muito próximos desse ponto ótimo com relação à questão tributária, para que o mercado se desenvolva da melhor forma possível. A gente reitera que o Governo tem que ter essa consciência, de que passar desse ponto pode ser maléfico para o mercado e viabilizaria o mercado paralelo – justificou o presidente do IBJR.