Declarações públicas, a exemplo desta na qual Bolsonaro afirma, em uma entrevista coletiva com os principais veículos da mídia internacional, que não há fome no Brasil, representam um risco tão grande quanto a crise econômica, para o agravamento da miséria no país.
Por Redação - de Brasília
Diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), sucedido há 20 dias por um representante da China, o engenheiro agrônomo, professor e escritor brasileiro José Graziano da Silva desmente que o Brasil seja um país livre da fome, segundo afirmou o presidente Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista a correspondentes estrangeiros, na manhã desta sexta-feira.
O acadêmico, com uma coleção de obras sobre a questão agrária no Brasil, foi o responsável pela implantação do Programa Fome Zero, uma ações mais exitosas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que retirou o país do Mapa da Fome, desenhado pela ONU em nível global. Eleito diretor-geral da FAO, entre 2012 e 2015, Graziano da Silva foi reeleito a um segundo e último mandato de quatro anos, recém-encerrado. É dele a afirmação sobre o risco de retrocesso na questão alimentar do país.
“Embora a fome tenha se mantido em patamar relativamente baixo no Brasil desde o começo da década de 2010, a ameaça de crescimento do número de pessoas severamente subalimentadas é real”, escreveu Graziano, ainda à frente da FAO, em um artigo recente.
Crise econômica
Segundo Graziano, “muito por causa do desemprego e do subemprego elevados, com queda abrupta da renda das famílias, como também da estagnação econômica — após dois anos de recessão, o país voltou a crescer economicamente em 2017, mas apenas 1%”.
A crise econômica, segundo o especialista, poderá levar o Brasil de volta ao grupo de países que figuram no Mapa da Fome, do qual saiu em 2014.
"O principal fator que põe em risco a volta da fome no Brasil é o baixo crescimento econômico. O país não voltou ao Mapa da Fome em 2017, mas é incerto o que pode acontecer no futuro", afirmou Graziano.
Declarações públicas, a exemplo desta na qual Bolsonaro afirma, em uma entrevista coletiva com os principais veículos da mídia internacional, que não há fome no Brasil, representam um risco tão grande quanto a crise econômica, para o agravamento da miséria no país.
— (Sujeitos como Bolsonaro) não aceitam o direito à alimentação como um valor absoluto, reconhecido no mesmo nível do direito à vida e que está inscrito na Constituição brasileira — afirmou Graziano, a jornalistas.
Mapa da Fome
“Todos os anos, a FAO, em parceria com outras agências do sistema da ONU, publica o relatório do Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (SOFI, na sigla em inglês), com base, sobretudo, em dados e estatísticas fornecidos pelos países membros com referência ao ano anterior”, acrescentou.
Conforme escreveu Graziano, “tal relatório – como o próprio nome diz – tem como principal objetivo retratar e mapear a situação da segurança alimentar no mundo, a fim de orientar governos, organizações internacionais, instituições, ONGs e todos os outros atores relevantes na elaboração e implementação de políticas públicas e programas de combate à fome e a todas as outras formas de má nutrição”.
“Com base nos dados fornecidos à FAO pelo IBGE, o SOFI de 2014 indicou que no Brasil, em 2013, menos de 5% da população padecia de fome. O Brasil atingia níveis semelhantes aos de países desenvolvidos, no que se refere à porcentagem de pessoas desnutridas.
Mentira
“Há consenso entre as agências da ONU de que, quando a desnutrição crônica atinge menos de 5% da população de um país, o problema da fome deixa de ter características endêmicas e limita-se a determinados bolsões específicos. O Brasil, portanto, deixava o Mapa da Fome no Mundo”, acrescentou.
Trata-se, portanto, de uma mentira intencional de Bolsonaro, ao que indicam os pareceres das Nações Unidas, ao afirmar que não existe mais a incidência fome, no Brasil, ainda que sem o caráter endêmico.
— Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não. Você não vê gente mesmo pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo — afirmou o mandatário, sem citar nominalmente as nações mencionadas na afirmativa.
Desigualdade
Bolsonaro respondia ao diário conservador espanhol El País, sobre o comentário do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que estava preocupado com a desigualdade no Brasil.
Bolsonaro afirmou que o país é privilegiado e que os poderes Executivo e Legislativo podem "facilitar a vida do empreendedor, de quem quer produzir, e não fazer esse discurso voltado para a massa da população, porque o voto tem o mesmo peso", disse, criticando a política de apoio social dos governos petistas.
— É só as autoridades políticas não atrapalharem o nosso povo que essas franjas de miséria por si só acabam no Brasil, porque o nosso solo é muito rico para tudo o que se possa imaginar — concluiu o representante da ultradireita, atualmente no Palácio do Planalto.