A manifestação pública programada para o domingo, dia 25, na avenida Paulista, em favor do ex-presidente Bolsonaro, vai ser política, partidária ou religiosa? Vai ser um ato laico ou será um culto religioso evangélico com cânticos e orações? Será mais uma provocação ao STF?
Por Rui Martins
A pergunta é justificável e oportuna. O ato, que deverá encher a avenida Paulista, em São Paulo, com as mesmas conhecidas personagens enroladas em bandeiras verdes-amarelas, já vistas durante meses diante de quartéis e, em janeiro, praticando o quebra-quebra dentro dos prédios da praça dos Três Poderes, foi convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, por sugestão e quase intimação do pastor evangélico Silas Malafaia.
E foi o mesmo Malafaia quem pagou e se encarregou dos alvarás necessários, junto à prefeitura de São Paulo, para a realização do ato público, inclusive a contratação de um Trio Elétrico, imagina-se de consonâncias cristãs. Tudo em nome da Vitória em Cristo, como se chama sua igreja de nome tão sugestivo, da seita evangélica Assembleia de Deus.
Apesar de suas numerosas profecias, distribuídas por suas redes sociais e replicadas por tantas outras especializadas no ramo das fake news, alertando quanto ao fechamento das igrejas, garagens e tendas evangélicas no caso da eleição de Lula, o temido pastor não se envergonha por terem sido falsas suas alarmantes previsões. Ao contrário, vai utilizar da liberdade política e religiosa existentes para tentar reativar as brasas do Golpe, mesmo se o presidente Lula cogita de permitir a presença e influência de evangélicos em algumas importantes instituições nacionais, numa tentativa de obter apoio desse grupo religioso, calculado em 30% do total de eleitores.
Essa iniciativa de mobilizar os frustrados bolsonaristas numa grande manifestação pública, tomada por um pastor em nome de sua igreja, deveria implicar num corte das isenções fiscais das quais goza o pastor provocador, famoso por seus gritos e berros como um capataz no comando de sua boiada. Comentários postados em diversas redes sociais lembram que existe, nos EUA, lei retirando as isenções fiscais de religioso que se mete em política.
A Constituição afirma ser o Brasil um Estado laico, mas sempre se encontrou um jeito de favorecer o clero dominante. No passado, quem dominou durante séculos foram os católicos, mas os evangélicos, mesmo não sendo a maioria na população, obtiveram exceções ou isenções às normas laicas do Brasil a partir de sua adesão ao golpe militar de 64. Ainda recentemente, pouco antes das eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro havia concedido novas isenções fiscais aos pastores de igrejas, medidas derrubadas há poucas semanas pelo presidente Lula, sob protestos da bancada evangélica.
Damares Alves considerou a medida como perseguição, mesmo porque já havia proposto isenção para o serviço streaming da igreja Universal e Record, ambas vendendo filmes, séries, novelas com temáticas religiosas e programas midiáticos produzidos pela equipe de Edir Macedo. Entretanto, como foi esta semana aos EUA para visitar igrejas, poderá constatar haver rigor na legislação norte americana para religiosos envolvidos na política.
Teria sido esse corte nas isenções uma das causas da “ira santa” de Malafaia, visível nos vídeos circulando nas redes sociais? Malafaia tem insistido em pesados ataques numa linguagem nada evangélica ao ministro Alexandre de Moraes, mostrando um evidente desejo de ser preso para se tornar uma espécie de “mártir” aos olhos de seus seguidores evangélicos, na expectativa de um ganho político no futuro. Tática até agora sem resultados. Matreiro, o ministro do STF talvez nunca processe e nem prenda Malafaia, deixando o pastor amargar essa frustração sacrificial.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.