Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

Ex-delegado alvo do PCC investigava colegas da prefeitura antes de morrer

Após a morte do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes, um dossiê revela suspeitas de fraudes em licitações na Prefeitura de Praia Grande, com ligações ao PCC.

Quinta, 04 de Dezembro de 2025 às 13:31, por: CdB

Documento encontrado após a morte de Ruy Ferraz Fontes mencionava servidores e suspeitas sobre 11 licitações, mas promotores afirmam que execução foi ordenada pelo PCC.

Por Redação, com Agenda do Poder – de São Paulo

O rascunho de um dossiê que o ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, pretendia apresentar ao Ministério Público Estadual lançou novas luzes sobre suspeitas de fraude em licitações na Prefeitura da Praia Grande. O material, encontrado em seu notebook após o assassinato ocorrido em 15 de setembro, citado no inquérito ao qual a reportagem teve acesso, lista pelo menos 11 licitações supostamente “fraudadas” entre 2021 e 2025, todas relacionadas à empresa de monitoramento Peltier.

Ex-delegado alvo do PCC investigava colegas da prefeitura antes de morrer | O ex-delegado-geral da Polícia Civil paulista Ruy Ferraz Fontes
O ex-delegado-geral da Polícia Civil paulista Ruy Ferraz Fontes

No texto que elaborava, Ferraz mencionava servidores municipais que, segundo ele, teriam se beneficiado das irregularidades. “Estão ricos, vivendo em apartamento de luxo, carros importados e viagens para o exterior”, teria escrito o ex-delegado, conforme o inquérito.

Apesar da gravidade das acusações, o Ministério Público afirma que a elaboração do dossiê não está ligada ao homicídio, tese que os promotores dizem ter caído quando se descobriu que o crime começou a ser planejado meses antes.

Servidores citados e investigações paralelas

Entre os nomes apontados no documento aparece o de Sandro Rogério Pardini, subsecretário de Gestão e Tecnologia. Também constam uma servidora do Departamento de Integração da Informação e um engenheiro de telecomunicações que atuou na desclassificação de empresas durante uma licitação recente.

As suspeitas são apuradas em um inquérito conduzido pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Praia Grande. O caso levou, em 3 de outubro, à deflagração de uma operação contra cinco servidores, alvos de mandados de busca e apreensão. O dossiê, porém, não foi anexado integralmente ao inquérito policial.

Reuniões tensas antes da morte

Os servidores relataram ter participado de duas reuniões com Ferraz dias antes do crime. Segundo eles, o ex-delegado demonstrou irritação e teria pedido que uma servidora deixasse a sala após ela solicitar que ele “abaixasse o tom”.

A primeira reunião aconteceu horas depois da desclassificação das três empresas mais bem colocadas no pregão eletrônico para o primeiro lote de um certame iniciado em 1º de setembro. A Avenue, primeira colocada, foi descartada sob alegação de que sua câmera não tinha lente verifocal. A Alerta, segunda colocada, teria ofertado equipamento em aço carbono, e não em inox. Já a New Line, terceira, teria apresentado documentação incompleta, o que impediria a verificação das especificações técnicas. A Peltier acabou vencedora do lote.

Segundo depoimento de Pardini, após essas desclassificações Ferraz o convocou para uma reunião com supostos representantes das empresas. Ele afirmou à polícia ter alertado o ex-delegado de que o encontro seria inadequado no curso de uma licitação.

Uma semana depois, houve uma segunda reunião, desta vez com mais servidores do Planejamento. Nela, Ferraz teria pedido documentos referentes a licitações anteriores vencidas pela Peltier.

Crime foi planejado antes das descobertas, diz promotor

Em entrevista à reportagem, um dos promotores que assinam a denúncia contra os oito suspeitos da execução negou que o homicídio tenha relação com a atuação de Ferraz na prefeitura. Segundo ele, a equipe concluiu que o assassinato começou a ser articulado em março deste ano, antes de o ex-delegado tomar conhecimento das supostas irregularidades.

– Não existe essa prova hoje de que as ilegalidades que o Dr. Ruy estava investigando tenham relação com o crime. Isso já inclusive foi constatado e está sendo investigado. Só que se isso surge posteriormente, em nada muda o panorama de que o PCC tinha a ordem para matar o Dr. Ruy e que os seus agentes executaram – disse o promotor.

Segundo a Promotoria, a ordem teria partido da cúpula do Primeiro Comando da Capital. A conclusão se baseia em um “salve” de 2019 contra Ferraz e no suposto envolvimento de executores ligados à facção. Entre eles, Marcos Augusto Rodrigues Cardoso, apontado como “recrutador”, que confessou ser “disciplina” do PCC em um depoimento — embora tenha negado a informação oito dias depois.

Denúncia aponta participação, mas não individualiza mandante

Apesar de afirmar que a morte foi encomendada pelo PCC, a denúncia não detalha quem teria ordenado o crime. Os acusados são apontados por diferentes formas de colaboração, como fornecimento de imóveis usados pelos executores ou presença em veículos ligados ao assassinato.

Felipe Avelino da Silva, o Masquerano, e Flávio Henrique Ferreira de Souza tiveram digitais identificadas no Jeep Renegade usado no crime, mas a polícia não conseguiu determinar o momento exato em que estiveram no automóvel.

Outro investigado, Umberto Alberto Gomes, suspeito de atuar como atirador, foi identificado a partir de material genético encontrado nas casas usadas pelo grupo. Ele morreu em confronto com policiais em Curitiba, em 30 de setembro.

A polícia também aponta Luiz Antônio Rodrigues de Miranda, o Gão, como motorista do carro e responsável por pedir que o fuzil fosse levado de volta a São Paulo.

Outros denunciados, como Paulo Henrique Caetano de Sales, William Silva Marques e Cristiano Alves da Silva, são acusados de ceder imóveis ao grupo criminoso. Sales, segundo a investigação, teria características físicas semelhantes às de um dos atiradores.

Conexão com trabalho na prefeitura foi descartada

Embora a hipótese de relação com suspeitas de fraude tenha sido mencionada no relatório da polícia, essa linha não avançou. Duas semanas antes de ser morto, Ferraz suspendeu uma licitação de R$ 14 milhões que beneficiaria a Peltier, após identificar indícios de desclassificação irregular de empresas rivais. Ainda assim, o MP concluiu que o homicídio foi motivado por vingança da facção criminosa.

Em nota enviada ao Metrópoles, a Prefeitura de Praia Grande afirmou que “o Ministério Público de São Paulo (MPSP) confirmou que o ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes foi assassinado a mando do alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC) como vingança”. A gestão também disse que “descartou a hipótese de uma relação da morte dele com a sua gestão como secretário de Administração municipal”.

A prefeitura não respondeu sobre eventuais medidas adotadas em relação aos servidores citados no documento. A reportagem não conseguiu contato com Sandro Rogério Pardini.

Edições digital e impressa