Documento encontrado após a morte de Ruy Ferraz Fontes mencionava servidores e suspeitas sobre 11 licitações, mas promotores afirmam que execução foi ordenada pelo PCC.
Por Redação, com Agenda do Poder – de São Paulo
O rascunho de um dossiê que o ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, pretendia apresentar ao Ministério Público Estadual lançou novas luzes sobre suspeitas de fraude em licitações na Prefeitura da Praia Grande. O material, encontrado em seu notebook após o assassinato ocorrido em 15 de setembro, citado no inquérito ao qual a reportagem teve acesso, lista pelo menos 11 licitações supostamente “fraudadas” entre 2021 e 2025, todas relacionadas à empresa de monitoramento Peltier.

No texto que elaborava, Ferraz mencionava servidores municipais que, segundo ele, teriam se beneficiado das irregularidades. “Estão ricos, vivendo em apartamento de luxo, carros importados e viagens para o exterior”, teria escrito o ex-delegado, conforme o inquérito.
Apesar da gravidade das acusações, o Ministério Público afirma que a elaboração do dossiê não está ligada ao homicídio, tese que os promotores dizem ter caído quando se descobriu que o crime começou a ser planejado meses antes.
Servidores citados e investigações paralelas
Entre os nomes apontados no documento aparece o de Sandro Rogério Pardini, subsecretário de Gestão e Tecnologia. Também constam uma servidora do Departamento de Integração da Informação e um engenheiro de telecomunicações que atuou na desclassificação de empresas durante uma licitação recente.
As suspeitas são apuradas em um inquérito conduzido pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Praia Grande. O caso levou, em 3 de outubro, à deflagração de uma operação contra cinco servidores, alvos de mandados de busca e apreensão. O dossiê, porém, não foi anexado integralmente ao inquérito policial.
Reuniões tensas antes da morte
Os servidores relataram ter participado de duas reuniões com Ferraz dias antes do crime. Segundo eles, o ex-delegado demonstrou irritação e teria pedido que uma servidora deixasse a sala após ela solicitar que ele “abaixasse o tom”.
A primeira reunião aconteceu horas depois da desclassificação das três empresas mais bem colocadas no pregão eletrônico para o primeiro lote de um certame iniciado em 1º de setembro. A Avenue, primeira colocada, foi descartada sob alegação de que sua câmera não tinha lente verifocal. A Alerta, segunda colocada, teria ofertado equipamento em aço carbono, e não em inox. Já a New Line, terceira, teria apresentado documentação incompleta, o que impediria a verificação das especificações técnicas. A Peltier acabou vencedora do lote.
Segundo depoimento de Pardini, após essas desclassificações Ferraz o convocou para uma reunião com supostos representantes das empresas. Ele afirmou à polícia ter alertado o ex-delegado de que o encontro seria inadequado no curso de uma licitação.
Uma semana depois, houve uma segunda reunião, desta vez com mais servidores do Planejamento. Nela, Ferraz teria pedido documentos referentes a licitações anteriores vencidas pela Peltier.
Crime foi planejado antes das descobertas, diz promotor
Em entrevista à reportagem, um dos promotores que assinam a denúncia contra os oito suspeitos da execução negou que o homicídio tenha relação com a atuação de Ferraz na prefeitura. Segundo ele, a equipe concluiu que o assassinato começou a ser articulado em março deste ano, antes de o ex-delegado tomar conhecimento das supostas irregularidades.
– Não existe essa prova hoje de que as ilegalidades que o Dr. Ruy estava investigando tenham relação com o crime. Isso já inclusive foi constatado e está sendo investigado. Só que se isso surge posteriormente, em nada muda o panorama de que o PCC tinha a ordem para matar o Dr. Ruy e que os seus agentes executaram – disse o promotor.
Segundo a Promotoria, a ordem teria partido da cúpula do Primeiro Comando da Capital. A conclusão se baseia em um “salve” de 2019 contra Ferraz e no suposto envolvimento de executores ligados à facção. Entre eles, Marcos Augusto Rodrigues Cardoso, apontado como “recrutador”, que confessou ser “disciplina” do PCC em um depoimento — embora tenha negado a informação oito dias depois.
Denúncia aponta participação, mas não individualiza mandante
Apesar de afirmar que a morte foi encomendada pelo PCC, a denúncia não detalha quem teria ordenado o crime. Os acusados são apontados por diferentes formas de colaboração, como fornecimento de imóveis usados pelos executores ou presença em veículos ligados ao assassinato.
Felipe Avelino da Silva, o Masquerano, e Flávio Henrique Ferreira de Souza tiveram digitais identificadas no Jeep Renegade usado no crime, mas a polícia não conseguiu determinar o momento exato em que estiveram no automóvel.
Outro investigado, Umberto Alberto Gomes, suspeito de atuar como atirador, foi identificado a partir de material genético encontrado nas casas usadas pelo grupo. Ele morreu em confronto com policiais em Curitiba, em 30 de setembro.
A polícia também aponta Luiz Antônio Rodrigues de Miranda, o Gão, como motorista do carro e responsável por pedir que o fuzil fosse levado de volta a São Paulo.
Outros denunciados, como Paulo Henrique Caetano de Sales, William Silva Marques e Cristiano Alves da Silva, são acusados de ceder imóveis ao grupo criminoso. Sales, segundo a investigação, teria características físicas semelhantes às de um dos atiradores.
Conexão com trabalho na prefeitura foi descartada
Embora a hipótese de relação com suspeitas de fraude tenha sido mencionada no relatório da polícia, essa linha não avançou. Duas semanas antes de ser morto, Ferraz suspendeu uma licitação de R$ 14 milhões que beneficiaria a Peltier, após identificar indícios de desclassificação irregular de empresas rivais. Ainda assim, o MP concluiu que o homicídio foi motivado por vingança da facção criminosa.
Em nota enviada ao Metrópoles, a Prefeitura de Praia Grande afirmou que “o Ministério Público de São Paulo (MPSP) confirmou que o ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes foi assassinado a mando do alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC) como vingança”. A gestão também disse que “descartou a hipótese de uma relação da morte dele com a sua gestão como secretário de Administração municipal”.
A prefeitura não respondeu sobre eventuais medidas adotadas em relação aos servidores citados no documento. A reportagem não conseguiu contato com Sandro Rogério Pardini.