No cumprimento de seu mandato específico, na ausência do chefe de Estado, recairá sobre o general Mourão a responsabilidade pela divulgação de um vídeo ilegal.
Por Redação - de Brasília
Enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), cumpria os primeiros compromissos oficiais na viagem de três dias a Israel, seu substituto legal, o vice-presidente Hamilton Mourão, responsabilizaria-se por um ato de ilegalidade. O processo se arrastará agora, no Judiciário brasileiro, com a questão espinhosa da ditadura militar a tiracolo.
No cumprimento de seu mandato específico, na ausência do chefe de Estado, recairá sobre o general Mourão a denúncia pela divulgação de um vídeo, na véspera, de apoio ao regime que, ao longo de 21 anos, deixou um rastro de tortura, desaparecimentos, prisões ilegais e 434 mortos, segundo apurou a Comissão Nacional da Verdade.
Presidente em pleno exercício, Mourão tentou se esquivar do possível crime cometido, uma vez que, segundo a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, "festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos”. A jornalistas, Mourão alegou que a responsabilidade pela divulgação da peça de propaganda seria de Bolsonaro:
— Decisão do presidente. Foi divulgado pelo Planalto, é decisão do presidente.
A ação contra o ato flagrante de ilegalidade chegará ao Judiciário, nas próximas horas. Líder do PT, na Câmara, o deputado Paulo Pimenta (RS) avisou que a legenda tomará "todas as medidas cabíveis contra a divulgação, por meios oficiais da Presidência da República, de um vídeo apócrifo exaltando um golpe que rasgou a Constituição, fechou o Parlamento e causou a morte e prisões ilegais de milhares de brasileiros", disse Pimenta, em uma rede social.
Comunismo
"Ao divulgar tal vídeo, usando meios institucionais da Presidência, @jairbolsonaro violou o juramento de respeito à Constituição. Os responsáveis por tal medida terão que se explicar perante o Judiciário", acrescentou o líder petista.
Na tarde deste domingo, o Palácio do Planalto distribuiu, através de um dos canais oficiais de WhatsApp da Presidência da República, um vídeo sem assinatura em defesa do golpe de Estado de 1964 e da ditadura militar.
O texto, sem assinatura, usa a mesma justificativa empregada pelo presidente Jair Bolsonaro para defender o golpe, a de que o Brasil "caminhava para o comunismo". No vídeo, com narrativa truncada, o narrador diz aos jovens para pesquisar o que realmente aconteceu e que 1964 era um tempo de "medo e ameaças" vindas do risco de comunismo.
Ação oficial
"Foi aí, conclamado por jornais, rádios, TVs e principalmente pelo povo na rua —povo de verdade, pais, mães, igreja— que o Brasil lembrou que possuía o Exército nacional e apelou a ele. Foi só aí que a escuridão graças a Deus foi passando e fez-se a luz", diz o narrador, não identificado, que acrescenta:
— O Exército nos salvou, o Exército. Não há como negar.
A Secretaria de Comunicação da Previdência (Secom) confirmou à agência inglesa de notícias Reuters que o canal usado, um contato de WhatsApp criado ainda no governo do ex-presidente Michel Temer para distribuir notícias à população, é um número oficial do Planalto. No entanto, afirmou que o vídeo não é uma criação da Secom e a distribuição não foi uma ação oficial.
Perguntada sobre quem controlava atualmente o canal, a Secom não soube informar.
Recuo
O mesmo vídeo foi publicado na manhã deste domingo pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, junto a uma sequência de outros vídeos em defesa da ditadura militar.
Na semana passada, Bolsonaro instruiu os comandos militares a voltarem a comemorar o 31 de março, dia em que os militares iniciaram o golpe de 1964 que derrubou o presidente João Goulart, iniciando os 21 anos de ditadura no país.
A posição do presidente, um defensor ardoroso do período militar, foi criticada por diversas entidades nacionais e internacionais, incluindo o Ministério Público e o relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição das Nações Unidas, Fabián Salvioli.
Diante das reações negativas, Bolsonaro recuou e afirmou que não se trataria de comemorar, mas de rememorar o 31 de março.