Com as deportações, perdem os norte-americanos: privam-se da nossa cultura, das nossas trocas generosas e do nosso humanismo.
Por Milton Rondó – de Brasília
“Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” – Profeta Isaías
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Donald Trump está claramente entre aqueles. Os latifundiários brasileiros, também, assim como a oligarquia nacional e seus dois braços, o armado e o midiático.
Não nos rendamos, porém.
Resistência é o que desde sempre exercemos todos os povos do Sul, da América Latina e do Caribe, em particular, sempre.
Não poderia ser diferente. Nunca foi fácil e nunca será.
Imigrantes irregulares
Com as deportações de imigrantes irregulares, empreendidas por Trump, perdem os Estados Unidos da América: privam-se da nossa cultura, das nossas trocas generosas e do nosso humanismo.
Como simples cidadãos e cidadãs podemos apenas responder de forma humilde, mas eficaz, nos moldes do que fizera Mahatma Ghandi: evitando consumir todo e qualquer produto dos EUA, carros, filmes, jeans e até aviões (demos preferência às companhias que não os utilizem, até porque são aeronaves ruins e inseguras).
Em Doutrina Social da Igreja, outro mundo possível (editora Paulus), de Altierez dos Santos e Luiz Alexandre Solano Rossi, lemos: “A comunidade política não se restringe a apenas uma nação, mas tem sua continuidade natural na relação entre as nações, apoiando-se nos mesmos valores que orientam a convivência entre as pessoas: a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade. Nessas relações, o direito é um instrumento de garantia de sua ordem”.
Deportar imigrantes irregulares, algemados e acorrentados, está totalmente contra o direito internacional e o respeito aos direitos humanos.
Convém notar que são imigrantes irregulares, mas que não cometeram qualquer tipo de crime, a não ser tentar fugir do inferno gerado em seus países pelos próprios EUA e seus comparsas locais, as oligarquias.
Na obra antes mencionada, os autores citam a encíclica Laudato Sí, na qual o papa Francisco enfatiza: “É preciso sair do individualismo e do antropocentrismo que colocam o ser humano no centro de tudo, e caminhar para o encontro da relação de integridade que ressignifica a existência humana a partir de um ‘ser com o outro”.
Observam, com propriedade: “Portanto, cultivar a criação pressupõe, primeiramente, um resgate do cultivo das relações humanas, familiares e sociais. O ser humano precisa resgatar em si essa dimensão, ou seja, sair do egoísmo antropocêntrico que leva ao individualismo e ao isolamento social e abrir-se à presença, ao protagonismo e à dignidade do outro”.
Como seria bom se Trump pudesse entender essas palavras!
Seres humanos
Assim como deveria conhecer a obra de Paulo Freire, que não cansou de nos recordar que todos dependemos uns dos outros, pois somos seres moldados para dialogar, trocar, ensinar e aprender uns com os outros, tanto seres humanos, quanto países e nações.
Sim, estamos falando de cosmovisões diversas, que englobam até mesmo o divino.
Nesse sentido, aqueles autores diagnosticaram:
“O próprio Deus passa a ser representado a partir da lógica daquele que detém o domínio socioeconômico e político. A partir dessa leitura fundamental, todas as outras leituras passam a ser consideradas inoportunas e heréticas. Nessa representação, Deus sempre é estereotipado como representante do rico, do dominador e do vitorioso. Agora, tanto o céu quanto a terra passam para o controle dos ricos e dominadores. Suas portas são severamente vigiadas e não é possível a entrada de qualquer um. A vítima deixa de ter direitos tanto no céu como na terra. E a diminuição de seus direitos na terra é o mais justo reflexo da realidade celestial. Consequentemente, Deus não está mais ao lado dos pobres e excluídos. Ao contrário, está contra eles!…Estamos, portanto, diante de uma sociedade de mercado que produz uma religião de mercado. Uma sociedade e uma religião excludentes de ampla maioria de pessoas que se veem derrotadas e excluídas na sociedade de consumo…As leis do mercado são vistas como leis que devem ser seguidas a qualquer custo, por isso podem ser vistas como leis religiosas, leis de Deus. Assim, qualquer realização da vida passa necessariamente pelo mercado. A vida passa a ser legitimada como verdadeira a partir do mercado. Fora do mercado, não há possibilidade de vida e, portanto, de salvação. Por isso, quem não se ajusta é naturalmente excluído”.
Confundir o humano com o divino é erro sério, que levou Ícaro à ruína, com suas asas de cera derretendo-se, na tentativa dele de alcançar o próprio sol.
Só uma defesa conjunta, com base em nossas cosmovisões comuns, será capaz de contrapor os desígnios de um sacerdote de Manon, o deus do dinheiro e dos plutocratas.
Dessa maneira, bem-vinda a iniciativa do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de convocar reunião da Comunidade de Países da América Latina e Caribe para apreciar conjuntamente como reagir às deportações em massa determinadas por Trump.
Em Um Rio, Um Pássaro (editora Dantes), Ailton Krenak reflete: “Todavia, quando trabalhava arduamente, percebi as minhas limitações e o quanto sou pequeno para trabalhar sozinho. Foi então que sonhei. Passei a receber ensinamento dos sonhos, como é o costume da nossa tradição.”
Sonhemos, pois, de olhos fechados e também abertos, mas sempre juntos: uma América Latina e Caribe, como teriam desejado Marcus Garvey, Aimé Césaire e Franz Fanon; é das pequenas Jamaica e Martinica que virá a força da luta não-violenta, contra os violentos que nada aprenderam nem sequer dos arquétipos cristãos de David e Golias, que dizem professar, mas sem entendê-los. Façamos como a bispa anglicana de Washington, que disse a Trump que misericórdia não exercida com imigrantes e gays não é divina, apenas simulacro de fé e religião.
Milton Rondó, é diplomata aposentado.
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil