Neste momento, portanto, não existiria divisão interna no governo entre alas militar e ideológica. Na verdade, de acordo com Leirner, este é o “rótulo que os militares precisam para criar sua camuflagem e imputar toda insanidade que toma conta desse país a seu testa de ferro: Bolsonaro".
Por Redação, com BdF - de São Paulo
A gestão do mandatário neofascista Jair Bolsonaro (sem partido), embora pareça errática em seu desempenho populista, segue um plano definido pela estrutura militar que ocupa o poder, desde a sua posse, em 2019. Para o antropólogo Piero Leirner, os arroubos militares do ex-capitão, expulso do Exército, não passam de um jogo de cena, frequentemente visto em filmes policiais típicos da Sessão da Tarde, com a interpretação dos papeis de "policial bom x policial mau": uma estratégia militar chamada de "guerra híbrida", que tem a inversão e a dissimulação como características basilares.
— O bad cop (policial mau) é exatamente o próprio Bolsonaro. Eles esticam a corda do problema para apresentarem a própria solução. Por exemplo, as queimadas na Amazônia e a missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que usou militares para combatê-las. Santos Cruz (good cop, ou policial bom) foi de caso pensado essa opção de ‘válvula de escape’, o ‘candidato de oposição’ que será o único que tem a força de conter o caos quando a corda arrebentar de fato — explica.
Autor do livro O Brasil no espectro de uma guerra híbrida - Militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica, Leimer aponta que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, não foi o primeiro militar a descumprir o regimento interno. A partir de 2008, quando o então comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, contestou publicamente a política indigenista do governo federal, com referência implícita à atuação na terra indígena Raposa Serra do Sol, uma série de declarações de militares cruzaram a fronteira da política.
Rótulo
Neste momento, portanto, não existiria divisão interna no governo entre alas militar e ideológica. Na verdade, de acordo com Leirner, este é o “rótulo que os militares precisam para criar sua camuflagem e imputar toda insanidade que toma conta desse país a seu testa de ferro: Bolsonaro".
Leirner concedeu uma entrevista ao site de notícias Brasil de Fato (BdF), na qual se aprofunda sobre estas questões. Segundo antropólogo no mundo a realizar uma pesquisa etnográfica em unidades militares, Leimer foi perguntado sobre quais das categorias analíticas identificadas ainda se mantêm.
— Todas — respondeu.
Segundo o Piero Leirner, “se falarmos estritamente em ‘categorias analíticas’, minha pesquisa tratou de hierarquia e disciplina”.
— Podemos até dizer que elas estão fragilizadas, ou sendo sabotadas, mas enquanto categorias, (ainda) estão lá. Não se sabota o que não existe. Agora, em termos daquilo que orbitava a pesquisa enquanto temas que eram elencados, há ainda algumas persistências notáveis — acrescentou.
Propósito político
Ainda segundo o antropólogo, “há também uma série de amarrações ideológicas que foram atreladas a isso: uma revisão da memória e história militares, produzindo o fenômeno de reinterpretação da fundação do Exército e da Nação a partir de Guararapes (batalhas ocorridas nos anos de 1648 e 1649 entre a coroa portuguesa e ocupantes holandeses da costa nordestina da então colônia brasileira)”.
— Isso porque, supostamente, incide sobre uma ideia de "cobiça internacional", que se confundiria com a situação atual; uma adequação à noção de que o Exército seria uma espécie de "força de resistência" e que, por isso, teria que lidar com ameaças no escopo de uma "guerra assimétrica”. Note-se, entretanto, que os supostos inimigos que nos ameaçam, encabeçados pela maior das potências – os EUA –, são aliados preferenciais dos militares. E veja também que este processo foi tão profundo que se estendeu para a Marinha, com a ideia de “Amazônia Azul”. Agora, na primeira oportunidade de defendê-la de fato, com os recursos do Pré-Sal e dos outros campos de petróleo no mar, o que se fez? — questionou.
E responde, em seguida:
— Todo mundo sabe a resposta. Por isso mesmo, trata-se, antes de tudo, de uma “ideologia” da Amazônia, pois tem um propósito político e não necessariamente militar ou de defesa. Dentro disso, a outra persistência notável é a ideia de que os militares se enxergam enquanto uma espécie de ‘vanguarda política’ para gerenciar o Brasil, pois os ‘paisanos’ não têm competência para produzir um projeto nacional — avançou.
Leirnar explica que “daí se entende o porquê deles insistirem nas fórmulas que se acoplam às noções de que as ameaças são agentes internos que trabalham como forças terceirizadas desses interesses exógenos, como se coloca para a Amazônia.
— Ou seja, sintetizando tudo isso, trata-se de gestão do território e da população, combinadas numa linguagem militar — resumiu o autor.