A tentativa de apropriação por bolsonaristas da narrativa sobre a história do policial militar que tentou atirar em colegas da corporação e acabou morto, na Bahia, revela que, para além do desrespeito aos fatos, os parlamentares disseminaram notícias falsas e apoiaram um motim armado.
Por Redação - de Brasília
A deputada Bia Kicis (PSL-DF) e o filho ’03’ do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tornaram-se alvos de duas representações no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por quebra decoro parlamentar, sob a acusação de incitar motim armado de policiais militares na Bahia, conforme adiantou o Correio do Brasil. Na véspera, Kicis e Bolsonaro usaram as redes sociais para divulgar a notícia falsa de que um policial fora morto por defender os direitos do trabalhador.
De acordo com a corporação baiana, o PM estava em um “surto psicótico” e foi morto pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) depois atirar contra os colegas que participavam da negociação. O PSOL e integrantes do Movimento Acredito protocolaram o pedido nesta terça-feira. A legenda também acionará o Supremo Tribunal Federal (STF) para que os parlamentares sejam investigados.
A tentativa de apropriação por bolsonaristas da narrativa sobre a história do policial militar que tentou atirar em colegas da corporação e acabou morto, na Bahia, revela que, para além do “desrespeito, da desumanidade e do mau caratismo”, os aliados do governo de Jair Bolsonaro têm “total desprezo pela segurança pública, a instituição policial e a vida dos policiais”. A crítica é da cientista política, antropóloga e especialista em Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense, Jacqueline Muniz, em entrevista à agência brasileira de notícias Rede Brasil Atual (RBA), nesta manhã.
Levante
A antropóloga alertou, ainda, que os bolsonaristas prestam um “desserviço” às instituições. A prova disso, de acordo com Jacqueline, são as notícias falsas disparadas logo após a morte do soldado Wesley Soares Góes, no domingo. A ofensiva bolsonarista contou ainda com o estímulo da presidenta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a deputada Bia Kicis e do deputado Bolsonaro.
Sem evidência, a parlamentar associou a morte do policial a um ato de “resistência” do que chamou de “ordens ilegais” do governador Rui Costa (PT) em relação às medidas de contenção da pandemia. Eduardo Bolsonaro, em seguida, saiu em apoio à parlamentar.
Na publicação, apagada na segunda-feira, após amplas críticas, a presidenta da CCJ ainda incitava os policiais a se amotinaram contra seu chefe, o governador. Um uso “oportunista”, nas palavras da especialista, de alguém que morreu em sofrimento psíquico. À frente de pesquisas sobre a vitimização policial desde 1997, Jacqueline observa que, historicamente, a experimentação do trabalho de polícia leva a doenças principalmente de fundo nervoso, cardíacas e problemas psíquicos derivadas do esgotamento do ofício.
Blefe
Para Muniz, a estética e a escolha do local de protesto do PM, o Farol da Barra, um dos principais pontos turísticos de Salvador, indicavam que, no momento de seu ato, Wesley estava “pedindo socorro a todos nós”.
— Ele estava suplicando. Então, fazer uso dele como mobilização para o motim, além de desrespeitoso, é indigno e desumano. Mostra mais que o mau caratismo dessas pessoas. Mostra má fé e o total desprezo que elas têm pela segurança pública, pela instituição policial e pela vida dos policiais — alerta.
Jacqueline ainda adverte que a aparente proximidade do bolsonarismo em relação às forças policiais e mesmo das Forças Armadas nada mais é do que uma tentativa de “apropriação para aparelhar e manipular seus agentes”. Segundo a cientista política, Bolsonaro e seus aliados “criam falsos reconhecimentos por meio de medalhas colocadas no peito do policial. Mas em relação ao que é fundamental, como uma política de saúde e segurança ocupacional, uma reestruturação de carreira, valorização e especialização do trabalho de polícia, eles blefam”.
‘Pau mandado’
Atuante em todas as reformas na área de segurança pública e justiça desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), ela garante que apenas os governos progressistas, desde então, adotaram políticas de melhoria com reformas em relação aos agentes das forças de segurança. No atual governo, desde a gestão do ex-ministro da Segurança Pública e Justiça, Sergio Moro, nenhum programa sério de fato foi desenhado.
— Governos conservadores e reacionários sempre pensaram que policial é ‘pau mandado’. Não precisa estudar, ter nível superior, nem mestrado e doutorado ou ter os melhores equipamentos. Tem que ser tratado como indigente para que siga ‘pau mandado’ deles. Portanto, todas as políticas de melhoria, reforma das condições, qualidade e institucionalidade das polícias foram feitas por governos progressistas. Fica todo mundo (bolsonaristas) ‘cantando de galo’. Mas desenhar políticas de defesa e segurança pública nunca vi — resume Jacqueline Muniz.