Mais conhecido pelo festival folclórico dos bois bumbás, que está suspenso por causa da pandemia do novo coronavírus, o município amazonense de Parintins entrou no mapa das facções criminosas.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
Mais conhecido pelo festival folclórico dos bois bumbás, que está suspenso por causa da pandemia do novo coronavírus, o município amazonense de Parintins entrou no mapa das facções criminosas. Nos dias 6 e 7 de junho, a violência e a atuação do Comando Vermelho mostraram que está se expandindo para o interior do Estado. Localizado no baixo rio Amazonas, em Parintins os ataques dos traficantes de drogas aconteceram nas zonas urbana e rural, atemorizando os mais de 115 mil habitantes.
De acordo com informações do 11º Batalhão da Polícia Militar, em Parintins houve ataques na Gleba de Vila Amazônia, zona rural do município, e uma tentativa de incêndio na Unidade Básica de Saúde (UBS) Padre Francisco Lupino e em um ônibus da unidade.
Segundo depoimento de testemunha entrevistada pela Amazônia Real, um vigia da UBS, que não quis se identificar, ouviu barulhos na parte de trás da unidade, foi até a janela e viu o foco de incêndio em um depósito de lixo.
– Fui para outra sala ver se estavam querendo furtar e me deparei com o fogo atrás da UBS, em uma sala onde fica o lixo. Eu me desesperei e fui chamar outro vigia para ajudar a apagar o fogo. Quando chegamos, a roda do ônibus estava começando a pegar fogo também e foi aquele desespero – relatou.
De acordo com o vigia, dois homens usaram garrafas com gasolina para atear fogo no local e fugiram pulando o muro da unidade. A Polícia Militar conseguiu deter os suspeitos, no entanto um deles escapou da viatura. Edilson Afonso da Silva, 28 anos, é acusado de ser um dos autores do atentado Ele tem ficha criminal e supostamente seria membro da facção criminosa.
A 3ª Delegacia Interativa de Polícia de Parintins, situada no bairro Itaúna 1 da zona urbana, também foi alvo dos criminosos. Uma granada foi arremessada contra o prédio da delegacia. O artefato não explodiu.
No Amazonas, os ataques aconteceram em Manaus e mais nove municípios a partir da noite de 5 de junho, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), com incêndios em veículos, incluindo do transporte urbano, depredação de prédios públicos e até postos de saúde e ambulâncias. O motivo seria uma retaliação à morte do traficante e líder do Comando Vermelho, Erick Batista Costa, o “Dadinho”. Ele morreu em uma troca de tiros com militares da Rocam (Rondas Ostensivas Cândido Mariano) da Polícia Militar, na mesma noite do início dos revide.
O secretário da Segurança, coronel da PM Louismar de Matos Bonates, chegou a declarar que a ordem dos ataques partiu de um presídio e minimizou os eventos como “brincadeira” e coisa “de vagabundinho que se reúnem, aproveitando o momento aí para fazer balbúrdia na cidade”. Os ataques cessaram após a chegada ao Estado de militares da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), no dia 8 de junho.
Após investigações, a SSP anunciou na última sexta-feira que a ordem dos ataques no Amazonas partiu de criminosos do Rio de Janeiro. A Operação “Coalizão pelo Bem” resultou nas prisões de 15 pessoas, entre elas um dos mandantes: Marcelo Nunes da Silva, conhecido como “Marcelo Jogador”, líder do Comando Vermelho no Amazonas. Outro mandante dos ataques é Kaio Wuellington Cardoso dos Santos, o “Mano Kaio”, que segue foragido da polícia.
Na ação do Complexo da Penha, na zona norte carioca, um adolescente de 16 anos, identificado como Thiago Santos Conceição, foi baleado na cabeça e morreu no Morro da Fé. A Polícia Civil afirmou que vai apurar as circunstâncias da morte do jovem, mais uma vítima dos conflitos no Rio. A operação “Coalizão pelo Bem” contou com as participações de policiais do Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo e Pará.
Insegurança ao lado da delegacia
Por medo de represálias, uma moradora de Parintins relatou à reportagem, sem se identificar, a movimentação no primeiro dia dos ataques, em 6 de junho. “A única coisa que eu ouvi foi algo parecido com um tiro, estava deitada e me assustei. Logo fui perguntar para as minhas filhas, mas elas também não souberam responder.”
Segundo a moradora, houve ação de policiais com arma em punho. Apesar de ser vizinha da delegacia, ela afirma não sentir segurança devido a um possível ataque. “Ficamos perto do alvo”.
Houve também registros de tentativas de incêndio e depredação na Escola Santa Luzia, na comunidade Macurany. Além disso, uma viatura da Polícia Militar estacionada em uma oficina mecânica, na rua 7 de setembro, no bairro de Palmares, teve a dianteira incendiada e foi parcialmente depredada pelos criminosos.
No dia 7 de junho, ônibus escolares estacionados no pátio da Escola Estadual Tomaszinho Meirelles (GM3), bairro de Palmares, também foram alvos de ataques.
Os criminosos tentaram incendiar os veículos atirando um coquetel molotov, arma química incendiária feita com garrafas pet e gasolina. O fogo atingiu apenas a vegetação ao redor e não causou danos. As chamas foram controladas pelo Corpo de Bombeiros.
Uma testemunha relatou que viu toda a ação da dupla que chegou em uma motocicleta no local.
– A gente viu tudo que aconteceu e fomos ameaçados por eles com arma, nós e o guardinha. Jogaram até gasolina no ‘guardinha’. E o guardinha nem voltou mais pra vigiar a praça. A moto dele ficou lá. Sei nem se eles fizeram alguma coisa com ele no caminho – relatou a testemunha, também sem se identificar.
Nesse mesmo dia, houve uma tentativa de incêndio a uma viatura da Polícia Civil em frente ao 3º DIP em Parintins, mas agentes de plantão evitaram a ação dos criminosos.
Ainda no final da noite do último dia 7, foi incendiado um ônibus sucateado em uma usina de asfalto, na estrada do Macurany, próximo ao prédio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Naquele mesmo dia, policiais do Batalhão da PM retiraram uma suposta bandeira do Comando Vermelho hasteada em uma caixa d’água, no Residencial Parintins, situado na estrada do Macurany. A ação ocorreu durante patrulhamento no município.
Omissão da prefeitura
Sobre os ataques no município, a prefeitura de Parintins não fez levantamentos sobre os espaços públicos e demais patrimônios destruídos por integrantes da facção criminosa.
Conforme fonte da administração municipal, o prefeito Frank Bi Garcia (DEM) deu ordem expressa para não haver qualquer manifestação sobre os atentados. Dessa forma, não foi emitida nota a respeito da onda de violência que atingiu a cidade.
Por meio da assessoria, o comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar de Parintins, tenente-coronel José Francisco Bonates Corrêa Junior, informou que desde os primeiros atentados no município a Polícia Militar deflagrou a Operação Saturação, que ocorre diariamente a partir das 19h.
A ação tem como foco realizar incursões em becos, vielas e áreas de mata fechada, bem como blitz, abordagens e revistas em veículos no município.
De acordo com nota do Batalhão da PM de Parintins nas redes sociais, até o dia 11 de junho foram presas na operação cinco pessoas envolvidas com o tráfico de drogas.
A estrutura administrativa e policial
Para as ações policiais, atualmente a PM de Parintins conta com um efetivo de 60 policiais, divididos em dois turnos diários. A distribuição é feita para reforço de segurança em prédios públicos, guarda, unidade prisional, zona rural e operações.
Conforme a assessoria, no primeiro turno são três viaturas e duas motocicletas e no segundo turno seis viaturas”. No total, o Batalhão de Parintins conta com 11 viaturas, no entanto três estão indisponíveis para serviço.
Há também 27 motocicletas, com 14 disponíveis. Com jurisdição do município, os distritos Mocambo, Caburi e Gleba de Vila Amazônia contam com duas motocicletas para atendimento de ocorrência policial. O restante fica em Parintins para patrulhamento ostensivo.
Reforços devem ser enviados pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM). Presente em Manaus, o tenente-coronel Corrêa Junior articula junto ao secretário Louismar Bonates o envio de uma tropa da Força Nacional, com número a definir, ao município.
Defasagem do efetivo policial
A assessoria da Polícia Militar de Parintins informou que a dificuldade administrativa operacional ocorre pelo déficit de efetivo.
– Isso dificulta até na montagem do número de viaturas, porque, como o efetivo é reduzido, não dá pra montar tudo diariamente.
O baixo número de policiais atuando em Parintins é reflexo da não realização do concurso da Polícia Militar do Amazonas desde 2011 pelo Governo do Estado.
Em maio deste ano, o governador Wilson Lima anunciou o planejamento de concurso da PM, com oferta de 681 vagas aos cargos de Oficial Combatente, Oficial de Saúde, Cabo Especialista e Soldado Combatente. No entanto, não houve até agora detalhamento sobre esse processo.
O delegado titular da 3ª DIP, Adilson Cunha, declarou que a situação está estabilizada no município de Parintins.
– Nossa equipe foi a campo para verificar todos os pontos que foram atacados. Os atos começaram na Vila Amazônia e um dos detidos naquela localidade é investigado para que a gente possa a partir dele chegar a outros autores – disse.
Com relação aos ataques na delegacia, Adilson Cunha revelou que o veículo que sofreu danos está sendo recuperado e o artefato explosivo será entregue a uma equipe especializada que fará a detonação.
– A gente aumentou nosso efetivo na parte da noite para que dê mais segurança ao pessoal que trabalha de plantão. E, dessa forma, a gente garante segurança a nossa estrutura, nosso prédio e as nossas viaturas – completou.
Outro fator apresentado pelo delegado é em relação à entrada de armamentos e drogas no município.
– A gente sabe que é uma ilha e a fiscalização é muito difícil, mas a gente vem fazendo e apresentando diariamente as ocorrências quanto apreensão de drogas e de armas.
Sem nenhuma organização de defesa dos direitos humanos, Parintins conta com o suporte da Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) para assistência jurídica aos detidos em flagrante sem condição financeira para contratar advogados.
– Sob esse tema específico, como é uma atuação mais de órgãos persecutórios, não há muito o que a defensoria possa dizer nesse momento. Algo que está acontecendo agora. Nós atuamos no criminal, mas é um momento posterior – explicou a defensora pública Enale Coutinho.