As ilusões jurídicas camuflam a impotência política e mais uma vez estamos diante de um espetáculo ruidoso, pirotécnico, mas possivelmente infrutífero. A esquerda, ou o que restou dela, não possuí qualquer tipo de força para derrotar socialmente a extrema-direita, daí precisar da ação canhestra das instituições burguesas, sempre propícias a agir de acordo com os interesses momentâneos e na salvaguarda maior da propriedade privada.
Por David Coelho
Ora, é mais que clara a existência de um movimento golpista junto às hostes bolsonaristas pois o próprio bolsonarismo nasceu da corrente mais extremada da ditadura militar, corrente que nunca deixou de se lamuriar pela redemocratização através de análises, discussões e circulares do clubesco militar, espécie de grêmio recreativo dos milicos de pijama. No entanto, o golpismo aqui e agora nunca fez parte da estratégia atual dos militares em sua volta ao poder, pois há muito se articularam em torno de um processo de tomada do Estado via eleições, paulatinamente. Assim, a tramoia desvendada não conseguiu o apoio necessário justamente porque não estava nos planos um golpe militar clássico.
Não que as Forças Armadas sejam legalistas. A propaganda da mídia nos faz crer que a resistência de um punhado de generais legalistas teria impedido o golpe em planejamento. Fosse assim, tais generais deveriam ter vindo à público denunciar a orquestração e, no mínimo, desbaratado eles mesmos a conspirata. Nada disso foi feito, ao contrário, os ditos golpistas foram protegidos e os acampamentos bolsonaristas tolerados país afora. Isso porque um golpe sempre estará nos planos militares, mas apenas caso a situação se mostre incontrolável, leia-se, caso haja um contexto revolucionário em que o capitalismo brasileiro esteja à beira da morte.
Para os militares, a democracia brasileira é apenas tolerada dentro de certos limites. Lula respeita plenamente tais limites e é tão submisso aos milicos quanto um cãozinho ao seu dono. Ele também é o mais humilde servo dos capitalistas e do imperialismo, cumprindo fielmente o programa neoliberal de ferrar o povo para salvar os bilionários. Então, qual o sentido de dar um custoso golpe contra quem não é nem de longe ameaça a nada?
Mais ainda que Lula tinha, e tem, o apoio de fatia de peso dos capitalistas brasileiros, a mesma que o colocou em cana em 2018, mas o retirou da cadeia posteriormente quando o plano Alckmin fracassou rotundamente nas urnas. Sua saída foi possível mediante um grande acordo nacional - nas imortais palavras de Romero Jucá -, cujo teor ainda nos escapa, envolvendo STF, mídia, bancos, EUA e uniu o resto do antigo PSDB ao lulismo. O perigo era Bolsonaro e sua fúria disruptiva que, aceita, colocaria o país em um turbilhão incontrolável. Quem sabe o que poderia acontecer caso o ímpeto revolucionário do bolsonarismo fosse executado? A burguesia brasileira, por sua origem comercial e mercantilista, sempre foi avessa ao risco e prefere sempre dar o passo de forma absolutamente segura.
No entanto, estamos assistindo a um filme sem qualquer originalidade, igual aqueles enlatados de Hollywood. Os personagens são diferentes, o enredo também, o tema é outro, mas a dinâmica é a mesma. Se trata do padrão lava jato reaplicado, mas agora pela democracia. A lava jato terminou com os corruptos e corruptores de volta ao mesmo lugar em que estavam. A operação pela democracia terá o mesmo destino? O tempo dirá.
Na verdade, não podemos nunca nos esquecer que Bolsonaro, Lula e cia limitada são personagens da história, mas não seus autores. O autor da história, ao menos até aqui, é fundamentalmente a luta de classes e é em seu interior que se decidirá o futuro das nações e dos povos. Os relegados de hoje podem ser os exaltados de amanhã e vice-versa, tudo depende da dinâmica concreta da sociedade. Nunca, até hoje, a extrema direita foi derrotada juridicamente e nem mesmo a prisão anulou a ascendência de seus líderes sobre as massas. Ela só pode ser derrotada se as estruturas sociais que as alimentam forem destruídas.
Nesse sentido, é desalentador as tendências atuais. Longe do militarismo, um dos pilares do bolsonarismo, ser enfraquecido, ele tem sido reforçado, com uma nova lei orgânica das Polícias Militares, aprovada por Lula, que amplia a inserção e o escopo dos militares na vida brasileira. As igrejas evangélicas, segundo pilar do bolsonarismo, seguem a todo vapor e acabam de conseguir mais isenções fiscais junto a Lula. Por fim, o coração econômico do bolsonarismo, o agronegócio, tem ampliado seu poder no país, a ponto de ter sua própria propaganda doutrinária na TV Globo.
No verdadeiro campo de batalha, estamos perdendo a guerra, enquanto acreditamos que os barulhos de fogos de artifício se igualam a sons de canhões. (por David Coelho, editor do blog Náufrago da Utopia)
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.