Rio de Janeiro, 13 de Dezembro de 2025

Chile pode eleger governo mais à direita desde Pinochet

As eleições no Chile podem levar José Antonio Kast à presidência, marcando uma virada à direita. Entenda o cenário político e as implicações dessa escolha.

Sábado, 13 de Dezembro de 2025 às 11:54, por: CdB

Pesquisas e especialistas preveem vitória do candidato da ultradireita, José Antonio Kast. No entanto, erros de última hora e participação ruim em debate podem dar novo impulso à esquerdista Jeannette Jara.

Por Redação, com DW – de Santiago

A um dia do segundo turno das eleições presidenciais no Chile, as pesquisas – cuja divulgação é proibida na véspera do pleito, mas que são comentadas nos bastidores – indicavam uma clara vantagem para o candidato da ultradireita José Kast sobre a comunista e ex-ministra Jeannette Jara, apoiada pelo atual presidente, Gabriel Boric.

Chile pode eleger governo mais à direita desde Pinochet | Ultradireitista José Kast (esq,) e esquerdista Jeannette Jara disputam segundo turno no Chile
Ultradireitista José Kast (esq,) e esquerdista Jeannette Jara disputam segundo turno no Chile

Se confirmado o favoritismo, Kast, de 59 anos, deverá se tornar o líder mais à direita do país desde o fim do regime de Augusto Pinochet (1973-1990), após uma campanha fortemente marcada pelos temas da segurança pública e imigração.

Sua vitória marcaria a maior mudança política do país em décadas e se somaria à crescente onda de governos de direita na América Latina, à medida que a indignação gerada por temas como criminalidade e imigração substituiu as demandas por maior igualdade e se tornaram temas centrais para muitos eleitores.

No primeiro turno, em 16 de novembro, Jara e Kast obtiveram cerca de um quarto dos votos cada, com ligeira vantagem para a esquerdista. Mas, como o terceiro, o quarto e o quinto colocados também eram de direita, espera-se que votos migrem para Kast, o que lhe daria os 50% necessários para garantir a vitória.

“Janela de oportunidade” para a esquerda?

Analistas concordam que sua vitória é quase certa, embora erros recentes em sua campanha e seu fraco desempenho no debate de 3 de dezembro tenham adicionado alguma tensão – entre os erros estão uma declaração de um membro de seu partido a favor do indulto para estupradores de crianças e a incapacidade do Kast de explicar seu plano para expulsar estrangeiros.

Alguns observadores não descartam que, em uma disputa que parece praticamente decidida, uma pequena janela de oportunidade para surpresas de última hora ainda pode se abrir.

Ao contrário do que se poderia pensar – dado que o segundo turno apresenta uma mulher filiada ao Partido Comunista e um homem fundador do Partido Republicano, de extrema direita – o segundo turno, em 14 de dezembro, não será uma batalha entre posições extremistas. Embora os candidatos de centro tenham sido derrotados de forma contundente nas primárias e no primeiro turno, os centristas ainda detêm ainda algum poder e certamente têm muito a dizer.

– A percepção é de que ambos os candidatos tendem a se mover para o centro – disse à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW)  Olaf Jacob, representante chileno da Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido conservador alemão União Democrata Cristã (CDU), ao qual pertence o chanceler federal, Friedrich Merz . “Acho que não haverá alternativa. Quem quer que vença terá que moderar sua posição, porque a composição do Parlamento não permite posições muito radicais”, afirmou o especialista. Para ele, a questão que se impõe é se esse movimento em direção ao centro é genuíno ou se está mais relacionado a necessidades eleitorais circunstanciais.

“Vitória de Kast seria disruptiva”

– A tensão polarizadora está voltada para a extrema direita – explicou à DW Jorge Saavedra, professor da Universidade Diego Portales e doutor em Comunicação e Mídia pela Universidade de Londres. Segundo o especialista, uma vitória de Jara significaria, na prática, a continuidade do atual governo social-democrata liderado pelo presidente Gabriel Boric . “Uma vitória de Kast seria de fato disruptiva, representa um caminho muito extremo porque em diversas áreas.”

Saavedra cita como exemplo a ideia que Kast vem promovendo em sua campanha, de um “governo de emergência”. Em suas declarações, o candidato frequentemente se refere a uma crise que o país sul-americano vivenciaria, a qual ele atribui diretamente ao atual governo de centro-esquerda.

Esse cenário exigiria a formação de um poder executivo que possa responder a essa “emergência”, com foco na normalização do funcionamento do Estado e no combate à criminalidade e à falta de crescimento. “Essa é a oferta deles. Eles não têm uma proposta para a fase pós-emergência. Isso não surpreende, considerando suas referências: [presidente da Hungria] Viktor Orbán, [presidente dos EUA] Donald Trump , [presidente de El Salvador] Nayib Bukele e [ex-presidente do Brasil] Jair Bolsonaro “.

Segurança e imigração

De qualquer forma, para Saavedra, a possibilidade de polarização total se esvai diante do muro de contenção oferecido por um Parlamento fragmentado, porém moderado. “O novo Parlamento não será tão diferente daquele que o presidente Boric teve, e certamente em suas decisões finais não agirá a partir de uma postura de estridência midiática, mas sim como uma espécie de moderador do debate. Ninguém poderá implementar medidas muito extremas, por mais que deseje”, afirmou o acadêmico.

Dois temas que praticamente monopolizaram as conversas durante a campanha presidencial foram a imigração e a insegurança. Apesar de ser um dos países com os menores índices de criminalidade das Américas, a percepção pública no Chile aponta para uma espécie de crise que, no primeiro turno, forneceu terreno fértil para propostas como a militarização de cidades ou a construção de prisões no deserto, e para frases como “criminosos terão que escolher entre a cadeia e o cemitério”, proferida pela candidata Evelyn Matthei na primeira rodada das eleições.

– Existe uma percepção de que a insegurança está associada à imigração – afirma Jacob, para quem o candidato vencedor terá que agir rapidamente. “Se conseguirmos controlar ou reduzir a percepção de insegurança entre a população em curto prazo, acredito que muitos problemas serão resolvidos”, diz o representante da Fundação Konrad Adenauer.

“Algo extraordinário teria que acontecer”

Jacob utiliza uma calculadora para responder se a vitória do Kast no segundo turno estaria realmente garantida, como previsto por pesquisas, especialistas e até mesmo conversas do dia a dia. “Se contarmos apenas os votos da direita no primeiro turno, já temos mais de 50%”, argumenta. Segundo o especialista, o objetivo de Jara seria perder por menos de 20 pontos percentuais.

– As chances são pequenas. Muito pequenas, na verdade – acrescenta Saavedra. “O que Jara fará é diminuir a diferença em alguns pontos, mas não vai ganhar. Talvez com mais duas semanas de campanha ela conseguisse, porque Kast cometeu erros significativos e não forçados nos últimos dias, mas algo extraordinário teria que acontecer para o republicano não vencer”, completa.

O acadêmico aponta para outro fator que desempenhou um papel muito relevante: o fato de Jara ser membro do Partido Comunista. “Isso desperta percepções relacionadas à formação neoliberal do chileno comum, essa ideia de que eu trabalho, ganho meu dinheiro e não quero dá-lo a ninguém. As pessoas confundem a possibilidade de um presidente comunista com redistribuição e não a enxergam sob a perspectiva dos direitos sociais”, observou. Ele prevê que Kast terá problemas se vencer.

– Acho que ele terá um primeiro semestre muito difícil enfrentando oposição – afirmou. “O que ele fez até agora foi não se mostrar o apoiador linha-dura de Pinochet que é, e quando vencer isso ficará evidente; haverá medidas regressivas em muitas áreas, e isso gerará uma reação muito rápida em diferentes setores.”

Trajetória de Kast

O advogado de 59 anos e candidato à Presidência pela terceira vez perdeu o segundo turno das eleições de 2021 para Boric. Fundador do Partido Republicano, de ultradireita, Kast colocou a imigração e a segurança no topo de sua agenda, com propostas para deportar em massa imigrantes irregulares e construir prisões de segurança máxima.

Filho de um tenente do Exército alemão que foi para a América do Sul após a Segunda Guerra Mundial, a filiação de seu pai ao Partido Nazista o prejudicou na última eleição, assim como o fato de seu irmão ter exercido um cargo de ministro durante a ditadura do general Augusto Pinochet

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