Rio de Janeiro, 10 de Junho de 2025

Caso Marina Silva escancara a misoginia em espaços de poder

A perpetuação do patriarcado nas instituições e os desafios da participação feminina na política e movimento sociais

Quinta, 29 de Maio de 2025 às 14:31, por: Vitoria Carvalho

Mulheres como Marina, Ravena Carmo e integrantes do Coletivo Mulherau mostram que resistem e persistem, denunciando as diversas formas de violência e lutando por justiça, igualdade e ocupação em esferas de atuação.

Por Vitoria Carvalho, da sucursal de Brasília

Na mesma semana em que deputadas do Distrito Federal reforçaram a urgência de aumentar a representatividade feminina nos espaços de poder, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi alvo de uma série de agressões verbais e ataques misóginos e violentos durante uma audiência no Senado. O contraste entre os discursos da Câmara Legislativa do DF e a humilhação pública sofrida por uma das mulheres mais respeitadas do país escancara uma dura realidade: o sistema político brasileiro ainda é, em grande parte, hostil à presença de mulheres, especialmente quando elas se recusam a ser subservientes.

A abertura da 6ª Semana Legislativa pela Mulher, promovida pela CLDF, foi marcada por falas contundentes de parlamentares que denunciaram a baixa participação feminina na política. Atualmente, apenas quatro das 24 cadeiras na Câmara Legislativa são ocupadas por mulheres, o que representa menos de 17% do total, apesar de as mulheres serem maioria na população do Distrito Federal. Deputadas como Jaqueline Silva, Dayse Amarilio e Doutora Jane foram unânimes em apontar: a democracia brasileira está incompleta sem a plena participação feminina.

Caso Marina Silva escancara a misoginia em espaços de poder | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Essa violência de gênero atravessa também os movimentos sociais. Ravena Carmo, mãe solo, militante e idealizadora do projeto Poesia nas Quebradas, denuncia o machismo estrutural que silencia e invisibiliza as mulheres nas periferias, mesmo aquelas que há anos atuam pela transformação social. Já o Coletivo Mulherau reforça como o patriarcado estrutura os espaços públicos, dificultando o avanço de mulheres e reproduzindo violências que vão do descrédito ao assédio institucional.

Machismo no Senado Federal

Mas enquanto essas falas ecoavam nas dependências da CLDF, no Senado Federal, Marina Silva era desrespeitada, silenciada e atacada por senadores que parecem não aceitar que uma mulher ocupe, com competência e firmeza, um dos principais ministérios do país. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) teve a audácia de afirmar que respeitava Marina — como mulher, mas não como ministra — como se fosse possível dissociar a mulher de sua atuação política e institucional. Mais do que uma grosseria, essa frase escancara o tipo de pensamento que ainda habita o Congresso Nacional: uma lógica patriarcal, que tolera mulheres no poder apenas se forem decorativas, dóceis ou submissas.

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A atitude da ministra, que se recusou a aceitar o insulto e se retirou da audiência, foi mais do que legítima: foi um ato de resistência. O episódio, contudo, não parou por aí. O presidente da comissão, senador Marcos Rogério (PL-RO), cortou o microfone de Marina e disse que ela deveria “se pôr no seu lugar”. A frase, disfarçada de crítica institucional, carrega o peso histórico de um machismo estrutural que insiste em empurrar as mulheres para a margem do debate público — especialmente quando se posicionam com autoridade.

É importante destacar que Marina Silva não é qualquer figura política. Trata-se de uma liderança reconhecida internacionalmente, com um histórico de luta pela preservação ambiental que a tornou uma referência mundial. Ainda assim, sua trajetória não a blinda dos ataques — pelo contrário, parece intensificá-los. O que ela enfrentou no Senado é exemplo claro de violência política de gênero, uma prática que tenta calar mulheres que ousam ocupar espaços historicamente dominados por homens.

As reações institucionais e sociais aos ataques também revelam a gravidade do ocorrido. A primeira-dama Janja da Silva, diversas ministras e senadoras se manifestaram em defesa da ministra, classificando o episódio como “absurdo”, “grave” e “misógino”. A ministra Anielle Franco foi direta ao afirmar que Marina foi vítima de violência de gênero e raça. E, de fato, não é possível ignorar que Marina Silva, mulher negra, de origem humilde e com posição de destaque, reúne todos os fatores que provocam a fúria de uma elite política acostumada a manter o controle.

Mulheres nos movimentos sociais

Ravena Carmo, representante da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, também reforça o peso da violência estrutural enfrentada por mulheres que atuam nos movimentos sociais e nas periferias:

— Tenho trinta e cinco anos, sou mãe solo, atípica, moro em Planaltina DF e há mais de quinze anos trabalho com movimento social. Estar dentro do movimento também é enfrentar outra barreira, porque a gente já tem esse machismo estrutural que nos cerca e ainda precisa lidar com isso dentro das nossas comunidades, nos nossos trabalhos. Muitas vezes nosso trabalho é apagado da história de forma cruel. Quando apontamos a necessidade de reconhecimento, somos chamadas de loucas, histéricas, como se quiséssemos aparecer. É uma violência constante, especialmente para quem se dedica à luta por justiça social. Estamos esgotadas.

Ravena também é uma das idealizadoras do projeto Poesia nas Quebradas, que há dez anos atua com foco na juventude negra, periférica e nas mulheres, promovendo ações de educação, arte e empreendedorismo:

— O nosso foco principal é a cultura hip-hop e a literatura marginal. Trabalhamos com públicos diversos: mulheres vítimas de violência, pessoas com deficiência, jovens do sistema socioeducativo. Levamos informação, oficinas de empreendedorismo, hip-hop, sempre com a perspectiva da emancipação do sujeito.

O patriarcado

Juliana Krause, do Coletivo Mulherau, destaca os impactos da cultura patriarcal sobre a atuação de mulheres em espaços de poder:

— Nós mulheres temos que enfrentar até hoje a cultura patriarcal, é um enfrentamento cotidiano e de muita resistência. Por esses espaços que são dominados por homens, dificultando para que nós consigamos avançar. Esse sistema patriarcal é o que resulta na limitação de mulheres em cargos públicos, essa cultura garante que ainda vivamos de forma discriminatória, já que nós mulheres somos julgadas como incompetentes. Que não temos condição e não podemos ascender em cargos de poder, e isso resulta em não termos a nossa representatividade.
E nestes ambientes, uma mulher líder como a Marina fica vulnerável a estes ataques misóginos — tanto na política, na cultura, nas áreas executivas e trabalhistas. É constante a cultura do patriarcado reproduzir as diversas violências que vivemos, e o assédio. Esse machismo estrutural é o que resulta neste estereótipo de que nós somos vistas como incapazes. Como incompetentes para tomar decisões importantes, e reforça a ideia de que o setor político é um setor de homens e não garante que tenhamos representatividade devida.

Marcela Lutosa, que também atua no Coletivo Mulherau, reforça a dimensão da violência de gênero enfrentada por mulheres militantes:

— Nossa maior dificuldade é o combate à violência de gênero, que nos coloca em constante estado de alerta. Sofremos violência política desde os processos internos até nossa exposição nas campanhas. E, quando conseguimos ultrapassar essa barreira, somos submetidas a mais violência, a exemplo do ocorrido com a Ministra Marina Silva, sempre com o objetivo de depreciar, anular, dificultar o gozo dos nossos direitos pelo fato de ser mulher, destacando, aqui, que o ‘Ser Mulher’ não está ligado ao conceito biológico.

Resistência feminina

Mesmo em ambientes hostis, a resistência feminina se manifesta em atos concretos e potentes. Exemplo disso são os eventos que se aproximam: o Festival Quebradas, que acontece no dia 30 de maio às 14h, no Bar do Carlinhos, Parque de Exposições de Planaltina com a participação de Ravena Carmo. O evento “O Retorno” do Coletivo Mulherau, marcado para o dia 31 de maio a partir das 16h30, na Casa de Cultura do Guará II. Ambos são espaços de afirmação, criação e luta por justiça social. Reunindo vozes periféricas, negras e femininas, essas iniciativas mostram que, apesar das tentativas de silenciamento, as mulheres seguem criando, ocupando e resistindo. Mais do que eventos culturais, são expressões vivas de um movimento que se recusa a recuar diante da opressão. São a prova de que, mesmo diante da violência, a construção de um futuro mais justo e igualitário é uma obra em curso — e ela é, cada vez mais, conduzida por mulheres.

Espaços seguros

O caso Marina Silva serve como um espelho da realidade que tantas outras mulheres enfrentam diariamente na política, nas universidades, nos sindicatos, nas redações e nas empresas. Mesmo em espaços onde são altamente qualificadas e legitimadas, muitas vezes são interrompidas, diminuídas, invisibilizadas. O que ocorre em plenários de Brasília reflete uma lógica que ainda permeia todas as instâncias de poder no país.

Não basta criar semanas temáticas em defesa da mulher. É necessário garantir que os espaços institucionais sejam seguros, respeitosos e igualitários. É preciso criar mecanismos reais de responsabilização contra quem perpetua a violência política. E, sobretudo, é urgente reconhecer que a democracia brasileira só será plena quando mulheres como Marina Silva puderem exercer seus cargos sem serem humilhadas por colegas de Parlamento.

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