As manifestações são um indício de que o bolsonarismo "ainda goza de uma fatia importante da opinião pública", segundo André Kaysal, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Por Redação, com BdF - de São Paulo
As manifestações bolsonaristas nas últimas semanas do ano revelaram que a extrema direita ainda está atuante em todo o país, mesmo após os escândalos de corrupção envolvendo Jair Bolsonaro (PL) e a frustrada tentativa de um golpe de Estado no dia 8 de Janeiro do ano passado. Os bolsonaristas se manifestaram contra a indicação de Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF) e em relação à morte de Cleriston Pereira da Cunha no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. O suspeito estava preso por participar dos atos golpistas do 8 de Janeiro que culminaram na invasão e quebradeira nas sedes dos Três Poderes.
As manifestações são um indício de que o bolsonarismo "ainda goza de uma fatia importante da opinião pública", segundo André Kaysal, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A análise é que, ao longo do governo do ex-presidente, o bolsonarismo foi capaz de consolidar uma base de apoio muito forte.
— Nós estamos falando mais ou menos de um quarto do eleitorado que continua se referenciando em Bolsonaro. Se pegarmos o primeiro turno (das eleições presidenciais de 2022), estamos falando de 43% que decidiram votar nele. Agora já provavelmente não é mais isso, mas ainda assim existe uma base de massas que se referencia na direita e, em particular, na extrema direita, e tem no Bolsonaro a sua principal referência — afirmou Kaysal.
Congresso
Ainda segundo o cientista político, ”o fato é que, apesar de ter queimado muito o capital político desde então, seja por não ter encabeçado, como seus apoiadores mais radicais esperavam, um golpe, seja pelos casos de corrupção, seja pelo seu próprio sumiço no atribulado período de transição, o Bolsonaro queimou o capital político, mas é impressionante que ainda tenha muito".
Outro fator desgastante foi a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, que jogou holofotes sobre as articulações da extrema direita para um golpe, envolvendo o próprio Bolsonaro, seus apoiadores, nomes do antigo governo e militares de alta patente. Sobre isso, Marina Slhessarenko Barreto, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia (NDD) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutoranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP), afirmou ao site de notícias Brasil de Fato (BdF) que a CPMI foi "extremamente desgastante politicamente" para o bolsonarismo, ainda que tenha conseguido emplacar vários nomes no Congresso Nacional.
— Teve uma radicalização do Congresso em favor de Bolsonaro. Embora o PT tenha levado a Presidência, o bolsonarismo conseguiu emplacar nomes de peso no Congresso — acrescentou.
Protestos
Outro ponto de destaque foi a inelegibilidade de Jair Bolsonaro por dois ciclos eleitorais decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Ele foi acusado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) de utilizar o aparato público para favorecer a si mesmo no processo eleitoral do ano passado. O que motivou a ação foi a reunião de Bolsonaro com embaixadores de países estrangeiros no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho do ano passado, bem como sua ampla divulgação, pela TV Brasil e suas redes sociais.
— A gente teve várias iniciativas de lados diferentes, mas que ainda não foram possíveis, porque, se a gente olhar para a sociedade, o movimento bolsonarista continua aí presente, é só olhar para os últimos protestos — afirmou Barreto.
Nova direita
Ainda de acordo com a pesquisadora, "ao mesmo tempo a gente percebe que as instituições de alguma maneira se encontram amarradas, tanto que Bolsonaro não foi preso, só foi declarado inelegível. Mas em termos de justiça comum, as investigações continuam de alguma maneira travadas".
A cientista política afirma que, embora tenham sido feitas iniciativas relevantes, não foram suficientes.
— A gente teve quatro anos de autoritarismo, todo dia, desde a Presidência da República, escalonando e capilarizando-se pelas instituições. E o Bolsonaro surfou um movimento civil que já estava sendo gestado antes dele. Ele conseguiu ser o nome de uma nova direita que estava sem líder e que estava procurando cabeças. Então, é um movimento que não dá para desconstruir do dia para o outro, muito pelo contrário. Isso exige muita cultura democrática, muita responsabilização institucional — resume Barreto.