Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 2025

Sanções à Rússia fazem ricochete, Biden admite escassez de alimentos

Arquivado em:
Quinta, 07 de Abril de 2022 às 06:41, por: CdB

Essa resistência é apenas um vislumbre do que está por vir, à medida que o desmoronamento econômico da Europa, devido às sanções dos EUA e da União Europeia, recai sobre os países que atenderam às exigências dos EUA.

Por Sara Flounders – de Washington

“A escassez de alimentos será uma realidade”, disse o presidente Joe Biden em Bruxelas em 25 de março. “O preço das sanções não é apenas imposto à Rússia. É imposto a muitos outros países, incluindo países europeus e ao nosso país também”. Este aviso ameaçador, relatado em todo o mundo, foi feito numa entrevista coletiva da Otan.
alimentos.jpeg
Sanções: os países menos desenvolvidos e dependentes são ameaçados pela fome pura e simples
Enquanto Biden falava, protestos de trabalhadores em Espanha, Grécia, Itália, França e Alemanha contestavam os preços crescentes dos combustíveis e dos alimentos. Caminhoneiros, agricultores e pescadores bloquearam estradas e barcos. O preço dos combustíveis já se tornou insuportável. Essa resistência é apenas um vislumbre do que está por vir, à medida que o desmoronamento econômico da Europa, devido às sanções dos EUA e da União Europeia, recai sobre os países que atenderam às exigências dos EUA.

“O preço vale a pena”

Para a brutal classe dominante dos EUA, o preço da vida humana “vale a pena” sempre. O comentário insensível da ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright, recentemente falecida, sobre a morte de meio milhão de crianças iraquianas, reflete esse cálculo imperialista cínico. A diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, prevê fome e motins nos países pobres. Ela explicou que muitas nações africanas dependem do abastecimento de alimentos da região do Mar Negro e a segurança alimentar depende das importações. As importações de alimentos da região do Mar Negro são cruciais para a sobrevivência de 35 países africanos. (The Guardian, 24 março) Essa catástrofe econômica para milhões de trabalhadores na Rússia, Ucrânia e em toda a Europa, África e EUA foi bem compreendida muito antes de os EUA anunciarem as piores sanções agora impostas. É para isso que as sanções económicas são projetadas,  criar sofrimento e fomentar a dissidência contra governos visados pelos EUA ​​para “mudança de regime”. A crescente integração econômica da Rússia e da China com a Europa é a maior ameaça à dominação das empresas dos EUA. A UE é o maior investidor na Rússia. O comércio da UE com a Rússia é de US$ 260 bilhões por ano, 10 vezes o comércio com os EUA. Forçar a UE a cortar seu comércio com a Rússia está a criar ondas de choque e não apenas para a classe trabalhadora. A classe dominante, os oligarcas na Alemanha e em toda a UE estão a ser duramente atingidos, à medida que os mercados lucrativos com a Rússia vão sendo encerrados. Tudo isso é bastante aceitável para o poder empresarial dos EUA se os EUA com isso se beneficiarem. E por um certo tempo assim será. Mas, a longo prazo, o desmoronamento econômico minará também o capitalismo dos EUA.

O capitalismo tem vistas curtas

Como o capitalismo é baseado no impulso para maximizar o lucro implacavelmente e competir impiedosamente, o planejamento de longo prazo, mesmo com os melhores estrategistas e grupos de reflexão, não evita o que Karl Marx chamou “anarquia da produção”. Por mais de 100 anos, com base na sua poderosa posição econômica, o imperialismo dos EUA esteve em posição de dar ordens com arrogância. Qualquer país que resistisse ao controle dos EUA enfrentaria um corte completo no acesso à tecnologia, desenvolvimento industrial, investimento e comércio. As sanções econômicas dos EUA, combinadas com assassinatos, ameaças militares e desestabilização política foram aplicadas desde a Revolução Haitiana de 1804. A Revolução Russa de 1917 enfrentou 70 anos de sanções e isolamento. Durante décadas, a República Popular Democrática da Coreia tem enfrentado as mais duras sanções, e Cuba tem resistido a um bloqueio completo. As sanções estendem-se hoje a mais de 40 países, cobrindo um terço da população mundial. A exigência dos EUA de que todos os demais países devem acatar as suas imposições provoca o caos econômico também nos países vizinhos. Mas à medida que o número de países que lutam para sobreviver às sanções vai crescendo, a vontade e a capacidade de contornar as sanções e continuar o comércio também crescem. Este mês, depois de Washington ter expandido as sanções contra a Rússia, o imperialismo dos EUA esperava arrogantemente que todo o mundo cumprisse. Os parceiros imperialistas dos EUA na UE, Canadá, Japão e Austrália concordaram. Para choque dos estrategistas dos EUA, no entanto, a maioria dos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina recusou. Este é um bloco comercial substancial. Os investimentos chineses da Nova Rota da Seda abriram novas possibilidades globalmente.

Sanções saem pela culatra, paguem em rublos

As sanções confiscaram US$ 300 bilhões em ouro e ativos cambiais que a Rússia mantinha em bancos ocidentais e removeram os bancos russos do acordo internacional de transferência de fundos entre bancos (SWIFT). Isso bloqueou todas as transferências de dólares para a Rússia no comércio internacional. Em resposta, a Rússia anunciou que todos os países que participam nas sanções dos EUA/UE continuarão a receber gás natural e petróleo russos, em volumes e preços acordados em contratos anteriores, mas agora serão obrigados a pagar na moeda nacional da Rússia, em rublos. A maior parte da Europa e do Japão dependem do gás e do petróleo da Rússia. Na UE, 40% das necessidades de gás são supridas pela Rússia. Japão, Coreia do Sul e Taiwan importam gás natural liquefeito (GNL) dos projetos russos Sakhalin-2 e Yamal LNG. O Japão é o maior importador de GNL russo na Ásia. Os banqueiros dos EUA e da UE reagiram com indignação e frustração. Os países que colaboraram na apreensão dos ativos da Rússia e na imposição de um estrangulamento econômico podem ficar sem combustível se se recusarem a pagar na moeda da Rússia. Desde esse anúncio pela Rússia, o rublo atingiu o valor mais alto das três semanas anteriores em relação ao dólar. Diante das ameaças da UE e dos EUA de fechar todas as empresas que operam na Rússia, a Rússia respondeu ameaçando confiscar e nacionalizar todos os ativos dos países ocidentais que saíssem. Grandes empresas, como McDonald’s, Burger King e Starbucks, Shell e BP, enfrentam enormes perdas.

Um movimento desesperado

O imperialismo dos EUA está a fazer um esforço desesperado para restabelecer o seu domínio econômico. O cerco da Rússia, expandindo a Otan, comandada pelos EUA, juntamente com o armamento de unidades militares fascistas na Ucrânia, é uma ameaça contra a Rússia. Esse cerco foi concebido para sabotar o crescente comércio da UE com a Rússia e a China. Mas isso não pode restaurar o imperialismo dos EUA no seu status anterior. Até 2001, 80% do mundo negociava mais com os EUA do que com a China. No entanto, hoje, 128 dos 190 países negociam mais com a China do que com os EUA, com 90 países negociando duas vezes mais com a China do que com os EUA (tinyurl.com/3eckcjry) São estes os países que se recusam a cumprir as sanções dos EUA à Rússia. Eles agora têm outras opções. Em casa, os EUA reduziram drasticamente o investimento em infraestruturas civis, fábricas e maquinaria durante mais de 50 anos. Apesar do projeto de lei de Biden Build Back Better (Voltar a Construir Melhor), que não tem apoio do Senado, o financiamento continua a fluir para o orçamento do Pentágono. Os gastos militares são mais imediatamente lucrativos para a classe dominante, mas os trabalhadores e oprimidos pagam o preço. A ameaça muito real de uma guerra mais ampla permanece. Como Lênin explicou na sua obra clássica, “Imperialismo, estágio superior do capitalismo”, escrita durante a Primeira Guerra Mundial, as guerras na era imperialista são travadas pelo controle dos mercados. Até onde irá o Pentágono para manter a dominação global dos EUA? A crise exige uma resposta da classe trabalhadora, em massa e global, para repelir os objetivos do império.  

Sara Flounders, é escritora e ativista estadunidense. Colaboradora do jornal Workers World.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

Edições digital e impressa
 
 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo