Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

Patrulhamento: o outro lado de uma luta justa

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Terça, 23 de Julho de 2024 às 09:43, por: CdB

Explorando as tensões entre uma sociedade patriarcal e a busca pela igualdade, destacando os desafios em equilibrar a liberdade de expressão com o politicamente correto.

Por Abraham B. Sicsú – de Brasília

Romper com estruturas arcaicas e discriminatórias é coisa séria. Uma sociedade patriarcalista e excludente traz profundas injustiças embutidas em seus alicerces. Não saberia tratar aprofundadamente de tema ao qual sou pouco afeto, que me é importante, mas não me atrevi a fazer seu estudo. Uma visão de quem, no decorrer do tempo, conviveu com diferentes demonstrações da indignação social com a situação da mulher é minha única motivação. Mais, como a polarização de posicionamento leva a uma sociedade em que o patrulhamento condena a espontaneidade e o livre dizer do que se pensa.

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Romper com estruturas arcaicas e discriminatórias é coisa séria

O antagonismo é o modo em que é exposto, na maioria das vezes. Uma sociedade em que mulheres e homens estariam em lados opostos, necessariamente. Em que não haveria conciliação. Em que qualquer declaração é vista como meio de tentar menosprezar o sexo historicamente oprimido, a maioria da população que é do sexo feminino.

Compreensível para mostrar as disparidades, para reivindicar, quase exigir, mudança de tratamento, de postura. O macho era o grande inimigo. Ele era o causador de todas as mazelas advindas de uma sociedade em que a mulher era submetida a tratamento, quase sempre, em situação de inferioridade. Inferioridade salarial, inferioridade na escala social, nos cargos políticos e administrativos, nas condições de trabalho. Não havia concessão.

Na década de 1980, lembro de uma situação que vivi e me marcou. Afeto confundido com dominação, vida comum pensada como submissão. Um terror.

Uma reunião política em minha casa, uma “ativista liderança do movimento feminista”. Tive a infeliz idéia de pedir a minha companheira que preparasse um café. Horas de reprimenda, que se estenderam por meses seguidos de críticas, dizendo da exploração familiar que a mulher sofria e de como essa situação se revelava no cotidiano. Tive paciência para não contra-argumentar o que poderia levar a uma reação muito pouco previsível. Mas, até hoje me incomoda, algo comum em minha relação familiar se transformou em bandeira de luta e eu no “porco chauvinista”.

Uma assembléia na Universidade. Acompanhava uma colega de mestrado. Eram as feministas que se reuniam para deliberar sua estratégia de atuação. Como estava com uma amiga, a acompanhei inocentemente. Quase fui linchado. Tive que sair às pressas. A ousadia de estar junto era sinônimo de infiltração, de o inimigo querer trazer idéias nada compatíveis com a luta pela “igualdade”.

Não há humor, não há nenhuma leveza nas atitudes e deliberações daqueles que lideram o processo, reitero, justo.

A que vem esse debate? Sem dúvida, o cuidado necessário passa a ser cada vez mais exigido.

Semana passada, o Presidente da República faz uma declaração. Nitidamente preocupado com a violência contra as mulheres. Repito suas palavras para não deturpar:

“Hoje eu fiquei sabendo de uma notícia muito triste, uma notícia que tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois do jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corintiano, tudo bem, como eu, mas não fico nervoso quando perco, eu lamento profundamente.”

Declaração

Foi visto e interpretado pela maioria da imprensa escrita e falada como uma declaração de que ele justificaria a agressão caso fosse torcedor de seu time do coração. Nada mais deturpado pode ser visto. Afirmava justamente o contrário, dizia que ele não agredia quando perdia. Mas, não teve jeito, indignação total, falta de sensibilidade, pechas lhe foram imputadas e não há como tirá-las.

A imprensa vibra querendo que o nosso máximo mandatário se pronuncie apenas por escrito, nos discursos amorfos feitos pela sua assessoria. Um desastre, uma pessoa intuitiva e clara que nos deixa saber exatamente o que pensa em suas declarações seria tolhida e amordaçada. Nada mais incongruente, nada menos democrático e mais escamoteador da realidade que temos o direito de saber.

Está havendo a batalha com o mercado financeiro que o quer resignado em desejos de exploração incompatíveis com os interesses da população. As críticas que faz são altamente pertinentes. Nos costumes, a briga com os conservadores faz com que peçam que se cale. Quanto às minorias, pedem que se negue a usar palavras de uso corrente, mas que se tornaram xingamentos para justificar perseguições que nem sempre ocorrem. Falar ficou um horror.

Agora, em prol do “politicamente correto”, pinçam frases para apontá-lo como contra as mulheres. Ficou difícil conviver neste mundo, o tolher a palavra levará à falsidade, a não revelação do que realmente se pensa. Ao evitar, por exemplo, que um líder espontâneo se manifeste livremente e nos deixe claro os caminhos que quer seguir. Nós, seres comuns, pior ainda, oprimidos, querem nos reeducar mudando nossas falas com interpretações que jamais imaginaríamos.

 

Abraham B. Sicsú, é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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