Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 2024

A luta contra o fascismo de todos os dias

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Segunda, 26 de Agosto de 2024 às 09:46, por: CdB

Um relato visceral de resistência, indignação e confronto com o fascismo cotidiano, onde a luta pela democracia se torna um dever constante e inadiável.

Por Urariano Mota – de São Paulo

Foi nestes dias. Depois da vitória de Lula para a presidência, recebi um surpreendente choque em minha vida; na tarde 7 de agosto, caminhava com a minha esposa pela calçada em Olinda, quando ouvi barulho, músicas infernais. Era uma carreata de Bolsonaro! O quê?! Era o próprio seguido por “patriotas” de camisa da seleção brasileira, aos gritos, aos gritos, aos gritos.

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A luta contra o fascismo é contínua. sem trégua, porque a peste do fascismo não morreu

Eu não tive escolha. Não poderia ter tido escolha. O mais zen, o mais ponderado socialista, não pode caminhar imune, de surpresa, diante de uma carreta do fascista ou fascistas em passeata. Vocês me perdoem, mas perdi a gentileza, a maldita boa educação. E respondi aos sons da tarde que estrondavam;

– Filho da puta! (E mais alto) Filho da puta!

Isso foi o começo da conversa. A emoção foi tomando conta de mim, uma indignação sem tamanho, diante daquela invasão do terreno da pátria da humanidade. E continuei. E bradei mais alto, quando passei por um pelotão de soldados da PM:

– Aqui é terra de Lula! Fascista não se cria!

Eles me ameaçaram com os olhos, com as caras de ataque, puseram a mão nas armas, mas estudantes me salvaram de uma bárbara agressão. Mocinhas e rapazes, adolescentes, em um colégio em frente ao pelotão, me aplaudiram. Deles vinha uma solidariedade de irmãos, fraternos até onde pode ir à fraternidade. Aquilo amenizou, mas não me dei conta de que eu era também uma agressão até sem palavras à carreta, eu não me dava conta de que estava com uma camisa do Sport, vermelha. Daquelas que na frente possuem estrelas, e atrás o nome do Sport. As estrelas são do Sport na série A. Mas os ignorantes, quando a veem, interpretam logo; é do PT.

Então passei a ser perseguido aos gritos:

– Ladrão! (Eu me virei) Luladrão! Lulaladrão!

Sabe-se que os bolsonaristas não têm argumentos. Têm só intestinos. Eles não refletem:

– Luladrão!

Não lembro ao certo o que respondi, quem sabe ao certo como agiu num ato de paixão?, mas devo ter respondido:

– Bolsonaro é assassino! Matou o povo na pandemia. Genocida!

Então os bolsonaristas, na maioria idosos, não donos de idade respeitável, mas da idade que gera uma odiosa demência, responderam à sua maneira. Esclarecedora, mas nunca esclarecida:

– Lula é terrorista!

Essa é uma palavra que para mim é uma pedra de toque, é clara e um chamamento. Tenho escrito romances sobre a memória da ditadura, uma denúncia dos crimes da ditadura, do seu terror sobre jovens do Brasil.

E me virei para os que me perseguiam:

– O quê?!

E continuaram:

– Lula é terrorista!

E preparei o bote:

– Lula é terrorista?

– Sim!

A minha resposta foi levantar os braços:

– Então viva o terrorismo!

A minha esposa tentava me acalmar, numa tarefa impossível. Até porque ela própria estava agitada. E tomava a minha frente contra a turba:

– Viva Lula!

E fazia sinais do L de Lua, um L que eu transformava em um dedo só, do médio, para Bolsonaro.

Ela gritava;

– Lula é meu presidente!

E vinham pra cima dela. Então foi a minha vez de acalmá-la, pedir-lhe calma, ponderação, serenidade, eu, o calmo, sereno e ponderado. Mas para ser calmo, zen, a gente tem que respirar fundo primeiro, não perder o fôlego. E eu só queria uma cachaça ou um pouco d’água, na pior das hipóteses. Era incrível. Me sentia ferido nos domínios do que julgava sagrado. Olinda, que é isso?! Eu precisava ter uma inspiração profunda. Mas só depois de acabar com aquele pesadelo.

Agora, em 23 de agosto, a respirar melhor tento refletir. A primeira coisa sensata é: todo militante democrata, todo socialista, tem um caso pessoal contra os fascistas.    

Na volta para casa, enquanto via os grupos de senhores e senhoras de amarelo, o que era aquilo, estavam todos cobertos de fezes de bebê?, pude sentir que eram todos bons pais, avós, aposentados cidadãos de bem, do bem da classe média. Agora os compreendo. Eles não são todos fascistas. Nem todos adoram a suástica. Embora existam entre eles ardorosos assassinos de direita. Mas não todos. O problema é que essa boa gente, todos boa gente, apoiam um código moral atrasado. Todos dizem defender a família. Aquela tradicional, pai, mãe, filhos, modelo da sagrada família que está no céu.

A própria experiência

Neles, entre eles, há uma sobrevivência fóssil de valores morais que vão contra a própria experiência. Muitos deles têm parentes homossexuais, mas nisso não veem uma luz para a diversidade, para tudo que é humano. Muitos deles são descendentes de negros, são mestiços, mas acham natural o racismo contra as pessoas de pele mais escura. Cospem na memória da sua origem.   

Percebo que o moralismo deles é uma rigorosa e severa perversão. Se pudessem, trepariam com a Santíssima Virgem Maria. Mas como tal coisa é impossível, pelo menos em seres de carne, buscam satisfazer o desejo frustrado em corpos mais puros, mais inocentes. Eles vão até à pedofilia, que só entendem uma perversão quando o sexo é feito em corpinhos de bebê. Mas crianças a partir de 7 anos, não. “Já conhecem a safadeza”, falam. E discursam a favor da família, da moral e da pátria.

Em tudo fedem a hipocrisia. Uma rígida hipocrisia, que fala mais alto que falo sem força. Mas são perigosos, porque matam e promovem a destruição de vidas, quando a gente vê o caso de professoras no grande Recife, que obrigaram uma criança, adotada por duas mães, ser obrigada a uma cerimônia do Dia dos Pais, e se comprazerem em ver a menina aos prantos, isso revolta, isso mostra a urgência da civilização. Quando a gente vê a tal da pastora Collins apresentar projeto de lei contra atletas trans, sabemos que nossa luta hoje é sem quartel e sem trégua. Esse horror da direita não pode nem deve prosperar. Temos que sair dos nossos guetos humanizados.  

Daí que a nossa resistência deve ser um dever e prazer ao mesmo tempo. Temos todos a obrigação de espalhar a civilização de todas as formas, de todas as maneiras, Na arte, com arte, na ciência, com ciência, na política partidária e com política, e fora dos partidos também.. Escritores, artistas, professores, cientistas, sindicalistas militantes organizados, jornalistas, músicos e compositores: estamos todos convocados. A luta contra o fascismo é contínua. sem trégua, porque a peste do fascismo não morreu. Se não pudermos todos escrever romances, reportagens, vídeos, músicas, posts, escrevamos panfletos. Vamos distribuir nosso pensamento impresso em bandeiras, papel, imagens e alma. A guerra não nos dá um minuto de paz.

 

Urariano Mota, é Jornalista do Recife. Autor dos romances Soledad no Recife, O filho renegado de Deus e A mais longa duração da juventude.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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