Queda do titular das Finanças ocorre após 19 mortes em atos contra aumento de impostos. Presidente Iván Duque desiste de proposta que afetaria classes baixa e média e propõe mais tributos sobre empresas e famílias ricas.
Por Redação, com DW - de Bogotá
O ministro das Finanças da Colômbia, Alberto Carrasquilla, renunciou ao cargo na segunda-feira, após cinco dias de protestos contra uma proposta de reforma tributária apresentada por sua pasta que deixaram 19 mortos e mais de 800 feridos.
O presidente Iván Duque, de centro-direita, anunciou no domingo a retirada de pauta da proposta de reforma, que aumentava o imposto sobre valor agregado de alguns produtos, alimentos e serviços e ampliava o número de pessoas que pagariam imposto de renda.
Críticos do texto afirmaram que ele puniria as classes baixa e média durante a crise econômica provocada pela pandemia. O PIB da Colômbia caiu 6,8% em 2020. Em março, a taxa de desemprego era de 16,8%, e 42,5% da população do país, que tem 50 milhões de habitantes, vive hoje na pobreza.
Em comunicado, o ex-ministro Carrasquilla afirmou que sua permanência no governo iria "tornar mais difícil a busca rápida e eficiente de um consenso necessário".
Duque nomeou para seu lugar José Manuel Restrepo, que era ministro do Comércio, e anunciou que apresentará uma nova proposta de reforma tributária, sem os pontos mais controversos e que cobrará mais impostos de empresas e das famílias ricas.
Apesar do anúncio, o Comitê Nacional de Greve, que reúne diversas organizações envolvidas nas manifestações, convocou um novo protesto para esta quarta-feira. "As pessoas nas ruas exigem muito mais do que a retirada de pauta da reforma tributária", afirmou o comitê em comunicado.
Violência e militares nas ruas
Os protestos começaram na quarta-feira passada de forma pacífica, mas evoluíram para conflitos violentos entre os manifestantes e as forças de segurança.
A ouvidoria para direitos humanos da Colômbia informou que 18 civis e um policial foram mortos durante os protestos e 846 pessoas, das quais 306 civis, se feriram. As autoridades prenderam 431 pessoas, e as Forças Armadas foram enviadas para as cidades mais afetadas.
Algumas organizações não governamentais acusaram a polícia de atirar em civis. A ONG Temblores informou ter registrado 940 casos de violência policial contra civis durante os protestos e que está investigando a morte de oito manifestantes que teriam sido atacados pela polícia.
Duque, cuja taxa de aprovação caiu para 33%, acusou os manifestantes de "vandalismo", e o ministro da Defesa, Diego Molano, afirmou que a violência era "premeditada, organizada e financiada por dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)" e membros do Exército de Libertação Nacional (ELN).
As Farc assinaram um tratado de paz com o governo em 2016, encerrando mais de meio século de conflito, e o ELN segue como último grupo guerrilheiro ativo no país.
A mobilização das Forças Armadas para atuar nas cidades causou alarme na Colômbia. Após décadas de conflitos com os rebeldes no interior, os militares têm hoje pouca experiência em lidar com ações urbanas.
Eduardo Bechara, professor de política pública da Universidade Externado, disse à agência AFP que o público não recebeu a mobilização das Forças Armadas de forma positiva e que muitos interpretaram a iniciativa como "repressão".
Conflito distributivo
A proposta de reforma tributária havia sido apresentada pelo governo em 15 de abril e tinha o objetivo de ampliar a arrecadação em US$ 6,3 bilhões (R$ 34,5 bilhões) de 2022 a 2031.
O governo alegava que a medida era necessária para estabilizar as contas do país, financiar programas sociais e assegurar que a Colômbia mantenha seu grau de investimento, uma avaliação positiva dada por agências internacionais de classificação de risco.
Na sexta-feira, o Banco Central colombiano afirmou que a não aprovação da reforma poderia ter impacto negativo na economia do país. A perda do grau de investimento também já é considerada provável por muitos investidores.
Após os protestos, Duque disse que não iria mais propor o aumento do imposto de valor agregado e a ampliação do número de pessoas que devem pagar imposto de renda. No lugar, ele afirmou haver consenso para criar novas taxas temporárias sobre empresas e a distribuição de dividendos, aumentar o imposto de renda dos mais ricos e aprofundar medidas de austeridade do Estado.
Parlamentares de oposição, centrais sindicais e outros grupos celebraram o anúncio do presidente como uma vitória. Panelaços de celebração puderam ser ouvidos em alguns bairros.
– Foram os jovens, as organizações sociais e os cidadãos mobilizados que viram as mortes e derrotaram o governo – disse o senador de esquerda Iván Cepeda, no Twitter. "Espero que o governo não apresente a mesma reforma com maquiagens. Os cidadãos não aceitarão truques."
Reação internacional
A União Europeia pediu nesta terça-feira que as forças de segurança da Colômbia evitem reagir com agressividade aos protestos de rua e condenou a violência que provocou mortes no país latino-americano.
"Condenamos as mortes de todas as pessoas que foram mortas durante esses protestos. (...) É realmente uma prioridade interromper a escalada da violência e evitar qualquer uso desproporcional da força pelas forças de segurança", disse um porta-voz do bloco europeu.
O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos também condenou nesta terça o "uso excessivo da força" por forças de segurança na Colômbia e demonstrou "profundo choque" com um caso ocorrido na cidade de Cali, dizendo que policiais "abriram fogo" contra manifestantes, deixando mortos e feridos.
A porta-voz do comissariado, Marta Hurtado, pediu que tanto as forças de segurança quanto os manifestantes mantenham a calma na próxima manifestação de quarta-feira. "O que podemos dizer claramente é que recebemos relatos, e temos testemunhas, de uso excessivo da força por oficiais de segurança, tiros, munições letais sendo utilizadas, espancamento de manifestantes e prisões", disse.