Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Episódio racista no futebol é um problema também na Alemanha

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Segunda, 03 de Julho de 2023 às 14:07, por: CdB

Caso mais recente atinge dois jovens jogadores da seleção alemã sub-21. Apesar de postura enérgica da Federação Alemã de Futebol, episódios racistas no futebol se acumulam no país europeu.


Por Redação, com DW - de Berlim


– Quando ganhamos somos todos alemães. Mas se perdemos, somos os negros e, então, aparecem os comentários de macaco – relata o atacante Youssoufa Moukoko, da seleção alemã sub-21. O jogador, que nasceu no Camarões, e seu colega de time Jessic Ngankam, descendente de camaroneses, perderam pênaltis no empate de 1a1 contra Israel, na partida de 22 de junho da fase de grupos do Campeonato Europeu de Futebol Sub-21.




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Youssoufa Moukoko foi vítima de racismo após perder pênalti

Segundo Moukoko, de 18 anos, depois do jogo, suas redes sociais foram inundadas com comentários racistas, incluindo emojis de macaco. "Coisas como essa simplesmente não pertencem ao futebol. É repugnante. Desta vez doeu. Nenhum jogador perde um pênalti de propósito", afirma o jovem jogador do Borussia Dortmund.


Os dois também receberam muito apoio nas redes sociais. No sábado, Ngankam agradeceu no Instagram os comentários encorajadores. "É triste que em 2023 ainda haja ‘pessoas' se escondendo atrás de contas anônimas para fazer xingamentos racistas", acrescentou.


A Federação Alemã de Futebol (DFB) foi rápida em responder aos ataques. "Para aqueles que fizeram comentários discriminatórios, insultuosos e desumanos contra nossos jogadores após a partida da sub-21 de ontem: vocês nos enojam", diz a mensagem publicada em alemão e inglês.


O técnico da seleção sub-21, Antonio di Salvo, afirmou estar "chocado e desapontado" com o racismo contra os jovens, "que adoram jogar pela Alemanha, que são alemães e que dão tudo por seu país".



Praga endêmica do racismo


As palavras de apoiam contrastam com as ações do clube e do técnico de Ngankam em 2019, depois de uma partida da equipe sub-23 do Hertha, quando o jogador foi atacado com gritos de macaco por torcedores do time adversário. Na ocasião, o time de Berlim levou dias para divulgar uma declaração, enquanto o treinador Andreas Neuendorf parecia tentar minimizar o episódio.


– Alguns dizem idiotas, outros dizem burro e outros macaco. Talvez não tenha havido intenção racista – afirmou Neuendorf depois da partida.


O especialista em racismo Lorenz Narku Laing disse estar "muito feliz" em ver o técnico di Salvi e a DFB se manifestando em relação ao abuso e "tornando visível que é errado". "Isso tem faltado nos últimos anos. E, eu espero que continue", destaca o professor da Universidade Protestante de Ciências Aplicadas em Bochum e integrante da Comissão Federal Antirracismo da Alemanha.


Embora a Bundesliga e outros clubes e associações possam reagir com mais força e rapidez, não há sinais que os incidentes racistas estejam diminuindo. Na mesma semana dos ataques a Moukoko e Ngankam, o zagueiro Yann-Aurel Bisseck, que tem dupla nacionalidade alemã e camaronesa, foi insultado no Facebook após ter sido nomeado capitão da seleção sub-21.


A seleção alemã sub-17, que venceu o Campeonato Europeu, também enfrentou casos de racismo no início do mês, com a DFB relatando "um forte acúmulo de comentários racistas nas redes sociais". Em abril, o jogador da seleção alemã Benjamin Henrichs, cuja mãe é de Gana, compartilhou insultos racistas e depreciativos que recebeu nas redes sociais. "Vivemos numa sociedade onde qualquer um pode espalhar ódio e racismo na Internet", escreve o jogador do RB Leipzig no TikTok.


Em 2022, o acadêmico alemão Arne Koch listou num artigo os vários incidentes racistas ocorridos no futebol alemão nas últimas décadas. Antes da Copa de 2006, por exemplo, o neonazista Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) imprimiu um folheto insultando Patrick Owomoleya, que é descendente de nigerianos. O folheto trazia o número 25, o mesmo da então camisa de Owomoleya, como os dizeres: "Branco. Não apenas uma cor de camisa de futebol. Por uma seleção autêntica". No julgamento de um processo judicial sobre o caso, Owomoleya disse que se sentiu "magoado" e "ofendido".


Erwin Kostedde, o primeiro negro a jogar pela Alemanha, avaliou que, quase 50 anos após seu primeiro jogo com a camisa nacional alemã em 1974, jogadores negros ainda não estão em pé de igualdade com seus colegas brancos. "É ótimo ver tantos afro-alemães jogando, mas eles sempre serão a segunda opção aqui na Alemanha e observe o que acontece quando eles erram", afirmou à DW em 2021.



Alto escalão de clubes exclusivamente branco


Os efeitos do racismo são muitas vezes rejeitados por quem não é diretamente afetado. Um estudo de 2021 mostrou que quase metade dos alemães concordava, total ou parcialmente, com a afirmação: "negros são muito sensíveis quando se trata de racismo na Alemanha".


Isso significa que, para enfrentar o racismo, o futebol alemão precisa derrubar as barreiras estruturais e atrair mais pessoas "com experiência de racismo" para os níveis mais altos das associações de futebol, afirma Laing.


Apesar de times e da seleção multiculturais, falta essa diversidade entre os dirigentes de clubes. Uma reportagem recente mostrou que 96% de técnicos, dirigentes e olheiros na Alemanha são brancos.


Além disso, Laing avalia que as associações precisam reprimir com muito mais força os clubes com torcedores racistas. "Se uma partida tiver que ser interrompida devido a um incidente racista, o outro time deveria ganhar porque o racismo não deveria ser um benefício, não deveria ser uma ferreamente útil para distrair jogadores do seu trabalho".


Mas, como o jogador da seleção alemã e zagueiro do Real Madrid Antonio Rüdiger escreveu em 2021 num artigo sobre racismo publicado no site The Players'Tribune, "até nós, como jogadores, fazemos parte deste sistema".


– Quantas vezes conversamos intensamente (sobre abusos racistas) no vestiário? Não com tanta frequência, para ser honesto. Então, o que fazemos em vez disso? Postamos algumas mensagens no Instagram – escreveu Rüdiger, cuja mãe nasceu em Serra Leoa. "Postando, postando, postando. Sentindo que fizemos algo. E ainda assim não fizemos nada. Nada muda. Não é meu trabalho saber por que é assim. Mas sei qual é o gosto. Amargo".




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