O fracasso de Bolsonaro é certo e há grande chance de seu mandato acabar já em setembro de 2021. Pois, o único serviço que tão sinistro bufão jamais prestou à república brasileira foi o de desconstruir a si próprio, jogando no lixo a imagem forjada pelos fabricantes profissionais de mitos.
Por Celso Lungaretti
No domingo, os dois jornalões que mais influenciam os grandes empresários brasileiros ou atuantes no Brasil parecem ter combinado que mostrariam, didatica e complementarmente, os motivos pelos quais devem jogar todo o seu peso econômico contra a tentativa de autogolpe de Jair Bolsonaro.
Assim, a matéria de capa da Folha de S. Paulo explicou, tintim por tintim, tudo que embasa a conclusão dos principais analistas do mercado, de que não haverá recuperação econômica nem em 2021, muito menos em 2022.
Resumindo: o governo sem rumo no espaço, se não derrubar a si próprio ao promover a micareta golpista do dia 7 de setembro (numa desesperada tentativa de, após ser derrotado em quase todas as frentes, conquistar o poder total no grito), fará a política econômica em frangalhos ao gastar o que não possui para tentar reeleger Bolsonaro com um festival de bondades insustentáveis.
Assim, caso ele continue no poder, aviltando a faixa presidencial, teremos dólar, inflação, juros e miséria em alta, enquanto as condições de vida dos brasileiros despencarão para profundezas abissais.
O editorial d"O Estado de S. Paulo (vide aqui), por sua vez, bateu na tecla política, esclarecendo que a encrenca do Bolsonaro não é com os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, mas sim com a realidade de que seu governo fracassou miseravelmente e, ocorrendo mesmo uma eleição presidencial daqui a 14 meses, apenas elegerá seu principal opositor, repetindo, com sinais trocados, o que ocorreu em 2018.
E por que tanto desespero, a ponto de travar uma batalha, que tende a ser definitiva, no pior momento possível, pois "nunca esteve tão fraco e tão isolado" como agora? Simplesmente porque "quando se trata de livrar os seus familiares e amigos do alcance da Justiça, (Bolsonaro) não tem limites".
O nefasto acaso de sua eleição se deve a, assim como na eleição presidencial de 1989, a maioria do povo brasileiro, por motivos vários que não vêm ao caso agora, ter decidido fechar a porta para o PT. Então, quem conseguiu aparentar mais condições de vencer Lula e depois Haddad, tirou o bilhete premiado.
E uma mixórdia de outras forças correu a tomar lugar ao lado de Collor e depois Bolsonaro na pocilga dos vencedores, embora as contradições entre elas fossem gritantes em termos políticos e ideológicos.
Bolsonaro, com seu primarismo característico do baixo clero da Câmara, não percebeu que o balaio de gatos logo se romperia e deixou para depois o autogolpe cuja única chance de vingar teria sido em 2019. E foi largando pelo caminho todas as suas bandeiras e trunfos:
— a luta contra a corrupção foi prematuramente abandonada porque sua obsessão com a reeleição o fez descartar cedo demais Sergio Moro, temendo inchar a bola de um adversário em 2022;
— percebendo que a Operação Lava-Jato a partir daí trabalharia contra ele, completou o serviço reduzindo-a à insignificância;
— cabeça feita pelo nacionalismo militar, nunca priorizou decisivamente as reformas liberais do Paulo Guedes, exatamente porque, no fundo do seu negro coração, não queria as privatizações de grandes estatais, mas foi ingênuo em supor que tal duplicidade passaria despercebida pelos sofisticados analistas a serviço da classe dominante, que hoje são praticamente unânimes em transmitir a seus contratantes que o genocida é uma aposta perdida e, quanto mais investirem nele, maiores prejuízos sofrerão;
— sua pretensão de personificar uma suposta nova política ruiu quando, por paúra do impeachment, teve de arrancar a máscara de não-fisiológico e renovar sua carteirinha do centrão, ele que decerto foi o discípulo menos brilhante que o Paulo Maluf já teve; e
— a postura medonha face à pandemia, com seu negacionismo e sabotagem deliberada causando a morte de mais de 200 mil brasileiros que teriam sido salvos caso tivéssemos um presidente com condições (inclusive mentais) para desempenhar os deveres do cargo, detonou seu prestígio aos olhos do povão, fazendo-o rolar definitivamente escada abaixo.
E, se lhe foi especialmente danosa a derrota de Donald Trump, privando-o do aliado mais importante para seus propósitos, vale lembrar que isso não ocorreu por sua culpa, mas ele deu todos os passos para torná-la catastrófica, ao apoiar o outro ultradireitista ensandecido até o mais amargo fim, fazendo questão de identificar-se com uma derrota acachapante e prejudicando os interesses brasileiros com tal passionalismo de torcedor de futebol.
Por último, ao mostrar-se disposto a partir para o tudo ou nada no 7 de setembro, ele obriga o centrão a desembarcar mais depressa da sua canoa furada, pois os parlamentares sabem muito bem que seus cacifes valem muito numa democracia e quase nada numa ditadura, quando seriam obrigados a aprovar os projetos do governo por bem ou por mal, vivendo sempre sob ameaça de cassação dos seus mandatos e até prisão.
Então, o que acontecer nas próximas duas semanas e durante o 7 de setembro poderá desimpedir os trilhos para a abertura de um processo de impeachment, p. ex.
Para finalizar: quem quer obter sucesso em autogolpes, precisa tentá-los quando está em posição de força, não fraco como nunca; e fazê-lo sem despertar os inimigos de sua letargia ao invés de trombetearem ensurdecedoramente sua intenção desde três semanas antes.
Por tudo isso, o fracasso de Bolsonaro é certo e há grande chance de seu mandato acabar já em setembro de 2021. Pois, o único serviço que tão sinistro bufão jamais prestou à república brasileira foi o de desconstruir a si próprio, jogando no lixo a imagem forjada pelos fabricantes profissionais de mitos. (por Celso Lungaretti, jornalista combatente contra a Ditadura, editor do blog Náufrago da Utopia)
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.