No mundo é carnaval, na Venezuela é bangue-bangue: o autoproclamado presidente Juan Maria Guaidó resolveu partir para o tudo ou nada contra o presidente de facto mas de fraude Nicolas Maduro, cuja recente reeleição teve a mesmíssima legitimidade da eleição de Jair Bolsonaro.
Por Celso Lungaretti, de São Paulo: Giuliano Gemma marca duelo na rua principal de Caracas. Fernando Sancho vai encarar? Quem piscará primeiro?Guaidó pode até ser um mocinho fake... |
No mundo é carnaval, na Venezuela é bangue-bangue: o autoproclamado presidente Juan Maria Guaidó resolveu partir para o tudo ou nada contra o presidente de facto mas de fraude Nicolas Maduro, cuja recente reeleição teve a mesmíssima legitimidade da eleição de Jair Bolsonaro.
[A única diferença está em que o venezuelano já conseguiu se desmoralizar por completo e o brasileiro só o fez, por enquanto, aos olhos de quem sabe ler e entender o noticiário político, uma pequena minoria dos cidadãos destes tristes trópicos...]
Diferenças na ideologia de que os dois servem-se para realizar suas ambições pessoais à parte (não dá para levar nem um nem outro a sério neste quesito), bem que Maduro poderia dizer para Bolsonaro: eu sou você amanhã. Pois, se não lhe botarem freio, ele, com seus filhos aloprados e seus bizarros ministros, produzirão estragos de idêntica monta no Brasil. Não sobrará pedra sobre pedra.
Guaidó marcou para esta semana um duelo na rua principal, mesmo ciente de que as podres autoridades da cidade podem prendê-lo e até olharem para o outro lado enquanto um assassino providencial o mata (há assassinos providenciais que realmente matam, assim como há outros que fingem tentá-lo para beneficiar a suposta vítima, como os brasileiros aprendemos recentemente).
Se fosse um western italiano, Maduro, embora vilão da cabeça aos pés, teria cojones para ir encarar o mocinho... e perderia, claro, pois onde já se viu um galã parecido com o Giuliano Gemma levar a pior contra um gorducho bigodudo que faz lembrar o Fernando Sancho?
De qualquer forma, se Maduro nem sequer nos diverte (parece-me a própria personificação da banalidade do mal a que se referiu Hannah Arendt), Guaidó pelo menos tem se esforçado para proporcionar bons espetáculos. Vamos ver se, ha hora H, não vai piscar.
...mas de que Maduro seja um vilão não existe a mais remota dúvida. |
O último que tentou proezas similares foi o canastrão hondurenho Manuel Zelaya em 2009. Depois de aceitar docilmente ser colocado num avião e despachado para fora do país pelo Congresso (que o depôs da presidência) e pelos militares.
Marcou um retorno épico, acreditando que o povo estaria à sua espera na fronteira para carregá-lo nos braços de volta ao palácio. Chegou, viu o dispositivo militar que o aguardava, enfiou o rabo entre as pernas e desistiu da presepada.
Tempos depois, desembarcou secretamente em Tegucigalpa e enfiou-se na embaixada brasileira, onde ficou perdendo tempo durante quatro meses até cair na real, enfiar o rabo entre as pernas mais uma vez e conformar-se com o exílio.
Tomara que o show do Guaidó seja menos decepcionante.
Sei que este texto zombeteiro vai escandalizar muito companheiro que ainda acredita em contos de fadas. No mundo real a presidência de Maduro já está nos estertores, nada nem ninguém a salvará e, quanto mais demorar a agonia, mais o povo venezuelano (a grande e única vítima desse imbroglio) vai sofrer terrivelmente.
Um mau precedente: Zelaya rugiu, rugiu... e afinal miou. |
Mais: se temos muitos motivos para desconfiar do Guaidó e seus apoiadores, a inadequação do Maduro é uma certeza. Não dá para esquerdista consciente nenhum defender personagem tão sinistro, lamento; caso contrário, daremos razão a todos os inimigos que nos qualificam de totalitários e sanguinários em potencial.
Que Maduro caia logo. Para que os venezuelanos realmente idealistas salvos do incêndio, se ainda existirem, comecem depressa a reconstruir sua esquerda, que foi feita em cacos — assim como a nossa, que deveríamos ter começado a reconstruir há dois anos e meio, mas estamos marcando passo até hoje...
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.