O filme A última floresta demonstra uma visão do que deve ser uma obra documental em torno de um povo que hoje é dominado inteiramente por outro povo e esse nem sempre favorável à sua existência.
Por Celso Marconi – de Brasília
Esse documentário A última floresta, que está em cartaz na Netflix, foi feito para mostrar que antes dos 500 anos que os portugueses ‘descobrirem o brasil’ os yanomamis já existiam e moravam no Brasil. Claro que com outro nome de país e povo. Eram menos armados do que os portugueses e por isso tiveram que se submeter aos invasores. E pelo menos conseguiram uma terra para viver. Esse filme não deveria ter esse nome A última floresta, nome que ao invés de mostrar protesto leva a ideia de um já extermínio. O que realmente não aconteceu, porque tivemos a sorte da não reeleição do genocida que praticava a decisão de deixar cerca de 20 mil garimpeiros se locupletarem das terras yanomamis.
Mas esse filme mostra como o cinema documental pode caminhar para criar obras que conseguem mostrar tanto a intimidade dos filmados, de uma forma que sempre será mais aperfeiçoada, do que mesmo a presença de quem seja capaz de fazer uma pesquisa. Assim, A última floresta foi realizado pelo cineasta Luiz Bolognesi, mas o roteiro foi construído com a participação de um xamã, Davi Kopenawa. E dessa maneira a equipe cinematográfica foi muito reduzida, e os acontecimentos eram acompanhados não quando eles seriam preparados para serem filmados e sim quando aconteciam com total naturalidade. E esse processo é possível a esse nível hoje, com a criação dessa tecnologia tão fácil inclusive na captação das imagens.
Obra documental
Luiz Bolognesi é um cineasta de São Paulo que é também jornalista com experiência nos principais jornais da cidade. É roteirista, produtor, diretor. Entre seus produtos feitos consta cinema de animação. E prêmios. Também demonstra uma visão do que deve ser uma obra documental em torno de um povo que hoje é dominado inteiramente por outro povo e esse nem sempre favorável à sua existência. Quem quiser conhecer melhor os yanomamis sem ir morar lá na sua região, ou ler alguns dos livros sobre eles, poderá assistir a essa obra cinematográfica que é curta, tem 1 hora e 15 minutos de duração. E possui um excelente senso dramático, deixando que as estórias se desenvolvam com beleza da imagem e também dos sons. O filme é dialogado pelos participantes no seu próprio idioma e com legendas em português.
Enfim, pode-se dizer que esse filme conseguiu ser um belo poema em torno dos yanomamis. Se lembrarmos do que seria um documentário sobre uma tribo indígena há 60 anos atrás, então veremos que cinema era feito no passado e quanto ele na verdade era distante da verdadeira realidade.
Caetano abrindo o carnaval
Fiquei sem saber como abrir essa crônica sobre o show de Caetano Veloso no Marco Zero, abrindo o carnaval do Recife 2023. E isso porque me surgiram várias aberturas e assim achei melhor abrir de uma forma que não tinha pensado antes. Principalmente dizendo que Caetano fez um show bem profissional, bem preparado e realmente especial para o Recife na abertura do seu carnaval. E que todo mundo adorou. Meu filho Pedro Celso, que é meu mentor em música e em várias outras coisas, me comentou que tinha achado que Caetano deveria ter feito ‘um show carnavalesco’, mas não deixou de adorar o show ao qual assistiu.
Eu penso que Caetano não deixou de apresentar um show próprio para a ocasião, isto é, a abertura do carnaval. Embora não tenha sido de músicas carnavalescas. O importante é que ele utilizou um excelente grupo musical e especial para esse show e que devem ter sido muito bem ensaiados. Por exemplo, antes do final, Caetano ficou repetindo alguns trechos de músicas e eu fiquei em dúvida se foi porque ele teria que cumprir um horário estabelecido do show e não teve mais músicas ensaiadas. O filósofo Adorno certamente aprovaria muito se o caso fosse para colocar esse show como um produto perfeito da indústria musical.
Caetano falou muito pouco e cada palavra que ele disse me pareceu muito bem colocada e inclusive repetiu algumas vezes a mesma afirmação sobre o Recife, sem errar uma palavra. Talvez aprendeu com Bethânia que as afirmações no palco devem ser decoradas e repetidas. Achei que ele poderia ter dito que aprendeu sobre o Recife conversando com Miguel Arraes, Jomard Muniz de Brito e Celso Marconi. Brincadeira. Mas isso ele disse numa ocasião na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
É bom comentar que o show não deixou de ser carnavalesco, isto é, dançante, pois a banda era de extraordinária musicalidade dançante e as composições eram ao mesmo tempo densamente musicais e rítmicas. E também como quase todas as composições de Caetano, de complexidade capaz de também ser bem entendida pelos menos capazes de se aprofundar.
Enfim, não sei se pediram a ele um show assim, mas provavelmente foi ele que se estruturou assim, inclusive pelos bons toques de intervenção com palavras. E excelente tanto a publicidade que deu para a cantora pernambucana Duda, que se apresentou depois dele. Como também os dois maravilhosos frevos tanto o dele quanto o de Nelson Ferreira, que deveria ser o hino pernambucano.
Celso Marconi, Aos 92 anos, é o crítico de cinema mais longevo em atividade no mundo. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8.
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