Na sessão, serão ouvidas as sustentações orais dos advogados das partes, antes de o relator apresentar seu voto, que ainda não tem data marcada. A ação foi protocolada no Supremo em novembro de 2019.
Por Redação, com Brasil de Fato – de Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai começar a julgar, na próxima quarta-feira, a chamada “ADPF das favelas”, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que questiona as ações policiais realizadas no Estado do Rio de Janeiro, sobretudo em áreas próximas a escolas e outros equipamentos públicos.
Na sessão, serão ouvidas as sustentações orais dos advogados das partes, antes de o relator apresentar seu voto, que ainda não tem data marcada. A ação foi protocolada no Supremo em novembro de 2019 e pede que o STF reconheça que existe um estado de violação de direitos previstos na Constituição durante as ações de segurança pública do Estado.
A mesma ADPF resultou em decisões individuais do ministro relator, Edson Fachin, proibindo a realização de operações policiais em favelas durante a pandemia. O magistrado também solicitou informações ao governo do Rio, que nega haver um “estado de violação de direitos”.
– O que se busca é criar parâmetros compatíveis com a Constituição a respeito de operações policiais realizadas em comunidades pobres e que se caracterizam por altíssima letalidade e com indícios de uso abusivo da força letal por parte do Estado – afirma o advogado criminalista e diretor da plataforma Justa, Cristiano Maronna.
O criminalista afirma que no país, tratou-se de naturalizar a violação de direitos sob o argumento de combate ao crime, criando uma polícia sem controle, “que tem carta branca para matar”. E criticou os defensores da política de segurança atual.
– Infelizmente, hoje, no Brasil, a letalidade policial é tratada como uma política pública para enfrentar uma criminalidade. Ou seja, uma polícia sem controle, que tem carta branca para matar, e que tem matado mais que nunca. E, apesar de ser uma polícia que, do ponto de vista das evidências, demonstram um fracasso absoluto dessa política de segurança, esse discurso, não apenas ignora esse fracasso como reclama mais intensidade no combate ao crime e mais imunidade aos policiais.
Para Maronna, o debate da segurança pública no Brasil deve passar pela “descriminalização de certas condutas, a democratização e desmilitarização da Polícia Militar e a adoção de regras rígidas para a atuação da força pública”. Além de estabelecer os parâmetros para as ações da polícia, como a determinação de uso de câmeras corporais nos uniformes, a decisão do STF deve impactar os processos movidos contra o Estado, por violações de direitos decorrentes de ação policial, segundo o advogado.
– A partir do que o Supremo disser que é o comportamento adequado que a polícia deve ter é que o Judiciário vai poder julgar os casos em que há alegação de abuso, dos casos em que o Estado mata pessoas fora das situações de legítima defesa. Então o Supremo tem a responsabilidade de fixar um estândar que vai ser utilizado por todo o Judiciário brasileiro para definir o que é ação policial dentro da lei e o que está fora da lei – pontua.
Letalidade policial
Um estudo apresentado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em outubro afirma que as mortes decorrentes de intervenção policial no Rio de Janeiro foram de 1.814 em 2019 para 871 em 2023, o que representou uma queda de 52%. Ainda assim, a organização recomenda que o estado crie políticas para a redução da letalidade policial em 66% para chegar a níveis aceitáveis em uma democracia ou pelo menos próximos da média nacional, que é 3,1 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. A taxa de mortalidade nas operações no Rio foi de 5,4 mortes por 100 mil em 2023.
Sobre o perfil das vítimas, 99,6% eram do sexo masculino, 54,5% tinham entre 12 e 24 anos e o número de pessoas negras mortas foi 6,4 vezes maior ao de pessoas brancas.
PEC da Segurança
Cristiano Maronna critica ainda a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo governo federal a governadores de estados no dia 31 de outubro, por não abordar as causas do problema.
– Sem mudar a estrutura de como funciona a justiça criminal no Brasil, não há plano que seja capaz de ter sucesso – destacou o criminalista, que ainda fez críticas à esquerda, pela “falta de coragem” em debater as causas estruturais da criminalidade no Brasil.
– Hoje, as organizações criminosas estão voltadas especialmente ao negócio das drogas e só há uma maneira de resolver isso, que é discutir a legalização. Só isso vai permitir combater o crime organizado. Como isso não está na mesa, porque a direita e a extrema direita discordam dessa ideia e a esquerda não tem coragem de colocar essa discussão na mesa e qualificá-la, a gente fica preso a planos que são fadados ao fracasso, porque não atacam a causa – avalia.
A PEC da Segurança pretende alterar os artigos da Constituição para outorgar à União competências sobre a segurança pública, sobretudo na coordenação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído por simples lei ordinária (lei 13.675, de 11 de junho de 2018), permitindo que o governo federal e o Congresso estabeleçam normas a serem seguidas pelas polícias estaduais.
Além de inserir o Susp na Constituição, a PEC propõe a unificação dos fundos Nacional de Segurança Pública e de Política Penitenciária, cujos recursos seriam repartidos entre os três níveis administrativos da federação para financiar o sistema, que teria seu contingenciamento proibido. A proposta ainda cria um sistema nacional de informações unificado e padronizado, e sugere a implementação de uma nova polícia formada por civis, de caráter ostensivo, a partir do efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Revista vexatória
– Em resumo, a gente está tratando, tanto de um caso como outro, de questões essenciais aos direitos humanos – respondeu Maronna ao ser questionado sobre outra ação, de repercussão geral, pautada para a mesma quarta-feira. Trata-se do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, que questiona as práticas vexatórias de revista íntima para ingresso em estabelecimentos do sistema prisional.
A ação foi movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) sob a alegação de que tais práticas ferem o princípio da dignidade humana, da intimidade, e ofende a honra das pessoas. Para Maronna, a adoção de tais métodos não se justifica, tanto pelo respeito aos direitos fundamentais, como pela disponibilidade de tecnologias avançadas para o cumprimento da revista.
– Sob a justificativa de combater o tráfico de drogas e armas, criou-se essa cultura violadora de direitos humanos e que permite modos degradantes de revista, colocando as pessoas em situações vexatórios, algo que o Estado poderia evitar se houvesse, por exemplo, o escâner corporal – analisa.