O retorno de Trump, guerra comercial, pressão militar no Caribe e um frágil cessar-fogo em Gaza. No Brasil, um ex-presidente é preso pela primeira vez por tentativa de golpe.
Por Redação, com DW – de Brasília, Washington
Em todo o mundo, o ano de 2025 ficou marcado por protestos generalizados que derrubaram governos, uma guerra comercial que se desdobrou por dezenas de países e frágeis tentativas de encerrar guerras.

No Brasil, um ex-presidente é preso pela primeira vez por tentativa de golpe de Estado, e o Rio de Janeiro lança a operação policial mais letal da história recente do país. Relembre os acontecimentos que marcaram o ano.
Retorno de Trump à Casa Branca
Ofensiva protecionista, deportações em massa de imigrantes e desmantelamento de setores inteiros do governo federal. O retorno de Donald Trump à Casa Branca para um segundo mandato em janeiro marcou uma nova política norte-americana doméstica e externa.

O presidente republicano mobilizou a Guarda Nacional em cidades democratas, fechou agências de apoio humanitário e mirou programas de diversidade e inclusão. Trump também lançou amplos esforços para controlar universidades e centros de pesquisa.
Alemanha sob novo governo
Em meio a um cenário de crise econômica e tensões geopolíticas, os alemães foram às urnas em fevereiro e deram vitória à conservadora União Democrata Cristã (CDU) combinada com seu parceiro bávaro, a União Social Cristã (CSU). O pleito cacifou o líder dos conservadores, Friedrich Merz, a ocupar o posto de chanceler federal e marcou uma ascensão recorde da Alternativa para a Alemanha (AfD).
O partido de ultradireita conquistou a segunda maior bancada, com 20,8% dos votos, numa eleição dominada por questões como imigração, crise econômica e acusações de interferência externa. Com essa porcentagem, a AfD dobrou seu eleitorado em relação ao pleito de 2021.

A consequente coalizão costurada por Merz com os social-democratas se mostrou instável já no início, quando pela primeira vez na história alemã um candidato a chanceler federal não atingiu o mínimo de votos no primeiro turno da votação no Parlamento.
Merz chegou ao cargo sob intensa críticas após apoiar o fim do “cordão sanitário” e acatar votos da ultradireita em uma moção anti-imigração.
Brasil vence Oscar pela primeira vez
Em março, o Brasil conquistou seu primeiro Oscar com a vitória do longa Ainda Estou Aqui na categoria de Melhor Filme Internacional após uma longa campanha que desbancou o favorito Emilia Pérez.
O filme conta a história da família de Rubens Paiva, deputado cassado, sequestrado e morto pela ditadura militar, pela ótica de sua viúva, Eunice Paiva. Com a repercussão do filme, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu voltar a analisar se a Lei da Anistia se aplica aos crimes de sequestro e cárcere privado cometidos durante a ditadura militar. Isso pode fazer com que os assassinos de Rubens e outros desaparecidos sejam punidos.

Guerra comercial e sanções dos EUA
Em abril, entrou em vigor o tarifaço imposto por Trump sobre importações de diversos países. A medida também mirou indústrias inteiras consideradas estratégicas – como aço, alumínio e cobre – desencadeando uma disputa comercial que abalou a economia mundial. Enquanto os países atingidos consideravam ou implementavam medidas retaliatórias, negociações resultaram em vários acordos, incluindo com a União Europeia e a China, principal afetada pela medida.
Autoridades ainda negociam com o México, mas as conversas com o Canadá foram suspensas após uma província canadense financiar um anúncio criticando Trump. Sob pressão para reduzir o custo de vida dos norte-americanos, o presidente americano decidiu em meados de novembro cancelar tarifas sobre alguns produtos alimentícios, como café e carne bovina importados.

A mudança de postura beneficiou também o Brasil, antes impactado por tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. A medida, que começou a vigorar em agosto, seria uma resposta a ações do governo brasileiro que, segundo a Casa Branca, são uma ameaça “incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos EUA”. O comunicado também acusava tentativa de “intimidação e censura” do Judiciário brasileiro no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em novembro, porém, após elogiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Trump retirou a sobretaxa a 200 itens produzidos no Brasil, incluindo café e carne bovina.
Um novo papa
Robert Francis Prevost, de 69 anos, tornou-se o primeiro papa americano em 8 de maio, após a morte de seu predecessor Francisco, a quem assessorava. A fumaça branca sobre a Capela Sistina anunciou a eleição do 267º líder da Igreja Católica após um conclave de menos de 24 horas.
O clérigo nascido em Chicago, que passou quase 20 anos como missionário no Peru e acabou obtendo cidadania, adotou o nome Leão 14. Ele seguiu os passos de seu predecessor argentino ao focar nos pobres, migrantes e no meio ambiente. Também ofereceu garantias a círculos conservadores ao descartar a ordenação de mulheres como diáconas e o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Escalada de tensões no Irã
Com ajuda dos EUA, Israel lançou incursões contra instalações iranianas durante uma guerra de 12 dias em junho. O conflito teve início após Israel lançar um ataque contra bases nucleares iranianas sob a justificativa de que o crescente programa nuclear da República Islâmica ameaça a sua existência. O Irã retaliou, com mísseis dos dois lados atingindo áreas residenciais de cidades como Tel Aviv e Teerã e deixando quase mil mortos.
Em 22 de junho, os EUA entraram ativamente no conflito ao enviar bombardeiros para atingir três instalações nucleares iranianas: Fordo, Natanz e Isfahan. Um acordo de cessar-fogo foi anunciado na sequência.

Ataques dos EUA pressionam a Venezuela
Em agosto, Washington inaugurou uma presença militar significativa ao largo da costa da América Latina que perdura até hoje. Oficialmente criada para combater o tráfico de drogas com destino aos Estados Unidos, a operação já acumula mais de 20 ataques no Caribe e no Pacífico contra embarcações suspeitas de narcotráfico, deixando dezenas de mortos. O Departamento de Justiça dos EUA insiste que os ataques são “legais”.
A campanha elevou drasticamente as tensões regionais, especialmente com a Venezuela, que vê os ataques como pretexto para derrubar o presidente Nicolás Maduro e tomar as reservas de petróleo do país. Washington acusa Maduro de liderar um cartel, e autoridades americanas oferecem uma recompensa de US$ 50 milhões por sua captura (R$ 277 milhões).

A mobilização naval pelo Mar do Caribe é considerada por Trump como a “maior armada já reunida na história da América do Sul”, que inclui a presença do maior porta-aviões da marinha americana. O presidente americano diz que a Venezuela está “cercada” e já realizou três abordagens a navios petroleiros que deixaram o país latino-americano. O temor de um ataque aéreo a território venezuelano ainda persiste.
Bolsonaro é condenado por tentativa de golpe de Estado
Em setembro, o STF condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
A decisão inédita na história do judiciário brasileiro ocorreu dois anos e oito meses após uma turba de manifestantes invadir e depredar a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Os ministros entenderam que Bolsonaro não apenas foi responsável por insuflar a rejeição ao resultado das urnas, mas também por liderar um plano orquestrado para assassinar Lula e outras autoridades, propagar desinformação sobre o sistema eleitoral, instituir uma intervenção militar e se manter no poder após sua derrota na eleição presidencial de 2022.

Outros oito réus, incluindo militares, também foram condenados. A Primeira Turma do STF obteve maioria para a imposição da pena apesar de pressões da Casa Branca, que impuseram sanções contra os ministros da Corte, em especial mirando Alexandre de Moraes. O relator do processo se tornou alvo da Lei Magnitsky, e teve seus ativos nos EUA bloqueados, além de veto a transações financeiras e viagens.
A medida americana, posteriormente revertida após negociações entre Lula e Trump, foi vista pela Polícia Federal como uma tentativa do ex-deputado federal Eduardo Bolsonaro de coação ao processo judicial. O então parlamentar realizava publicamente lobby nos EUA pela imposição de sanções contra os magistrados em prol de seu pai, Jair Bolsonaro.
Diante do inquérito aberto para apurar a obstrução da justiça, o ex-presidente foi colocado em prisão domiciliar ao violar medidas cautelares. Antes de sua condenação definitiva, teve a prisão convertida em preventiva em 22 de novembro e foi conduzido ao regime fechado, na sede da Polícia Federal em Brasília.
Na ocasião, Moraes viu risco de fuga de Jair Bolsonaro após o ex-presidente tentar violar sua tornozeleira eletrônica com um ferro de solda. Três dias depois, o ministro determinou que o início oficial do cumprimento da pena de 27 anos e três meses de prisão.
Parlamentares da oposição tentam reverter a decisão e, em dezembro, aprovaram o Projeto de Lei da Dosimetria, que reduz drasticamente o tempo de pena de Bolsonaro e de centenas de réus condenados pela destruição da Praça dos Três Poderes.
Um frágil cessar-fogo em Gaza
A pressão dos EUA também levou a um cessar-fogo entre Israel e Hamas em outubro, dois anos após o início de uma guerra devastadora na Faixa de Gaza, que deixou um saldo de quase 70 mil mortos.
A trégua permitiu o retorno a Israel dos últimos 20 reféns sobreviventes e da maioria dos corpos dos mortos, em troca da libertação de centenas de prisioneiros palestinos. Também possibilitou o aumento do fluxo de ajuda humanitária para o território palestino, embora ainda muito aquém das necessidades reais da população, segundo a ONU e ONGs humanitárias.
Mas negociar os próximos passos do plano de paz – especialmente o desarmamento do Hamas – tem se mostrado delicado. Israel realizou vários ataques aéreos mortais em Gaza após a implementação da trégua, alegando serem retaliações a ofensivas do Hamas. As tensões regionais também persistem, com contínuos ataques israelenses a redutos do Hezbollah no Líbano.
Questões como a proposta de uma “força internacional de estabilização”, garantias internacionais e as intenções de longo prazo do governo israelense ainda estão em aberto para as próximas etapas do acordo de cessar-fogo. Trump e o primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu já indicaram publicamente sua intenção de realocar palestinos a outras nações, implementando um empreendimento imobiliário para a reconstrução do território palestino, ideia rejeitada pela maioria dos países da região.
Rio de Janeiro lança sua operação mais letal
Autoridades do Rio de Janeiro lançaram em outubro uma megaoperaçãonos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A chamada Contenção deixou 121 mortos, superando por larga medida recordes de letalidade anteriores registrados na capital fluminense nas últimas décadas.
Ela foi resultado de mais de um ano de investigação, que teria identificado 94 integrantes do Comando Vermelho escondidos nas comunidades, onde vivem cerca de 280 mil pessoas. A operação causou transtornos na capital e na região metropolitana e recebeu duras críticas de organizações internacionais, como o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, que se disse “horrorizado” com o número de mortos.
O espetacular roubo no Louvre
Em 19 de outubro, ladrões vestidos com coletes de trabalhadores usaram uma escada de móveis para entrar no Museu do Louvre, em Paris. Eles fugiram em scooters com Joias da Coroa avaliadas em 88 milhões de euros (US$ 102 milhões), embora tenham deixado cair uma coroa cravejada de diamantes no caminho. O ousado assalto ganhou manchetes em todo o mundo e provocou debate sobre a segurança do museu mais visitado do planeta. Três homens suspeitos de participação no ataque foram acusados e presos, mas os tesouros roubados não foram recuperados.

Volta de Trump pressiona a Ucrânia
A chegada de Trump à Casa Branca também energizou os esforços para encerrar a guerra na Ucrânia, iniciada pela invasão russa em 2022. As simpatias de Trump oscilaram repetidamente entre o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o russo Vladimir Putin, com Kiev temendo ser forçada a aceitar um acordo nos termos de Moscou.
Em fevereiro, Trump repreendeu Zelensky no Salão Oval, acusando-o de arriscar a Terceira Guerra Mundial e desrespeitar o povo americano. Como as conversas diretas entre Rússia e Ucrânia não avançaram, Trump recebeu Putin em agosto para uma cúpula no Alasca. Posteriormente, o americano impôs à Rússia seu primeiro grande pacote de sanções e deu um prazo até o final do ano para Kiev acatar seu plano de paz de 28 pontos.
Em dezembro, Ucrânia e EUA ainda negociavam o acordo, cuja versão inicial foi considerada por Kiev e seus aliados europeus como amplamente favorável a Moscou. Enquanto isso, as forças russas avançavam lentamente a um custo humano e financeiro massivo para ambos os lados, bombardeando cidades ucranianas com números recordes de mísseis e drones.
No desenho mais recente, Kiev exige garantias de segurança para encerrar a guerra, aceita abrir mão do ingresso na Otan, mas rejeita ceder territórios à Rússia. Já Washington sugere que parte da região de Donetsk ocupada pelos russos permaneça com Moscou, enquanto o restante se transforme em uma “zona econômica livre”.
Levantes da Geração Z
Movimentos em massa liderados por jovens abaixo dos 30 anos surgiram pela Ásia, África e América Latina para lutar contra padrões de vida precários, censura nas redes sociais e corrupção das elites. Eles tiveram sucesso variado – no Marrocos, por exemplo, o governo prometeu reformas sociais, mas mais de 2 mil manifestantes agora enfrentam processos.
Em outros países, os protestos se transformaram em um desafio mais amplo ao poder após serem violentamente reprimidos. O primeiro-ministro maoísta do Nepal, KP Sharma Oli, o presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, e o premiê búlgaro, Rosen Zhelyazkov, estão entre os que foram forçados a deixar o cargo.
Bangladesh, Nepal, Sri Lanka e Madagascar também tiveram governos derrubados e jovens tiveram papel de destaque em protestos pós-eleitorais na Tanzânia, brutalmente reprimidos. A bandeira pirata do mangá One Piece (uma caveira com ossos cruzados usando um chapéu de palha) é frequentemente exibida pelos manifestantes e se espalhou nas redes sociais, tornando-se símbolo da luta contra a opressão em vários continentes.
A revolta do clima e uma COP sem menção aos combustíveis fósseis
Inundações, ciclones e tsunamis levaram a catástrofes em diversos países.
Em dezembro, um tornado destruiu 90% de uma cidade do Paraná e deixou seis mortos. No mês anterior, ciclones deixaram um rastro de destruição no Sri Lanka e fortes chuvas atingiram Indonésia, Tailândia e Malásia. Em outubro, o furacão Melissa causou dezenas de mortes no Haiti e destruiu infraestrutura crítica em Cuba.
Em julho, um terremoto de magnitude 8,8 atingiu o extremo leste da Rússia provocando tsunamis e gerando ordens de evacuação no estado americano do Havaí, no Japão e em países latino-americanos que têm costa no Pacífico. Este foi o maior tremor já registrado desde o que atingiu o Japão em 2011.
Onde o Brasil quer liderar o planeta
No mesmo mês, chuvas torrenciais provocaram enchentes repentinas no estado americano do Texas deixando mais de 100 mortos, dentre os quais 28 crianças que participavam de acampamentos de verão. Também em julho, uma onda de calor recorde e precoce atingiu a Europa do sul ao norte do continente levando a incêndios, mortes e temperaturas extremas em diversos países. No Japão, o verão se tornou o mais intenso já registrado desde o início da série histórica, de 1898.
As catástrofes climáticas foram intensamente discutidas durante a Conferência do Clima da ONU, realizada em Belém. Após um evento marcado pelos desafios de acomodação, protestos de povos indígenas e um incêndio que assolou o pavilhão da África, a COP30 bateu o martelo em um polêmico texto final, cuja proposta brasileira de inserir uma rota de abandono dos combustíveis fósseis não foi incluída.