Com foco em recuperar mercados e reverter tarifas impostas na era Trump, o governo Lula usa o diálogo com os EUA como estratégia para fortalecer a indústria e a autonomia nacional.
Por Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) – de Brasília
Nos últimos meses, o governo brasileiro vem adotando uma política externa mais pragmática, buscando recompor laços diplomáticos com os Estados Unidos, abalados pelas patetices lesa-pátria de Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo Partido Liberal (PL) que trabalha, literalmente, contra o país. A mudança representa um esforço para corrigir distorções impostas por Donald Trump, quando o Brasil acabou recebendo taxações que atingiram produtos nacionais de forma desigual e prejudicial. Trata-se agora de um movimento que vai além da diplomacia: é um gesto de reconstrução econômica e de reposicionamento soberano.

Durante o governo anterior, o alinhamento político-ideológico entre Brasília e Washington se deu de forma quase automática. Em nome de uma suposta “amizade estratégica”, o Brasil abriu mão de defender seus próprios interesses comerciais. As tarifas impostas pelo governo Trump sobre o aço, o alumínio e até o agronegócio nacional são capazes de gerar perdas na balança comercial e desestimular investimentos. Algo inaceitável evidentemente, pois na prática, seria o país se colocar no papel subordinado de fornecedor de matérias-primas baratas e consumidor de produtos industrializados.
O reposicionamento diplomático do governo Lula, depois de tanta confusão criada, busca restabelecer relações comerciais equilibradas, baseadas em critérios técnicos e não em afinidades ideológicas. Essa postura é coerente com a tradição de uma diplomacia brasileira autônoma, que historicamente tentou combinar abertura comercial com defesa da soberania. Como apontava Ruy Marini, a dependência econômica é sempre acompanhada por uma dependência política — e romper esse ciclo é condição essencial para o desenvolvimento.
A decisão de retomar o diálogo com Washington, portanto, não é submissão, mas estratégia. Diferente do alinhamento automático do passado, a nova aproximação tem como foco reverter as taxações impostas de forma arbitrária. O objetivo é simples: garantir que o Brasil volte a competir em pé de igualdade no mercado norte-americano, sem ser penalizado por medidas protecionistas travestidas de políticas industriais.
A economia brasileira, em especial os setores metalúrgico e agroexportador, foi duramente atingida pelas tarifas articuladas pelo parlamentar lesa-pátria. Dados do Ministério do Desenvolvimento apontam que as exportações de aço para os EUA poderão vir a cair em até 20% num período breve, refletindo o que pode vir a ser uma perda significativa de competitividade. Reduzir ou eliminar essas barreiras sem nexo pode gerar novos empregos, aumentar a arrecadação e fortalecer pequenas e médias indústrias conectadas às cadeias produtivas de exportação.
Capitalismo contemporâneo
Como destaca David Harvey em suas análises sobre o capitalismo contemporâneo, o poder político das potências centrais é frequentemente utilizado para moldar as regras econômicas de acordo com seus próprios interesses. O desafio das nações periféricas, como a nossa, é encontrar caminhos para se inserir nesse sistema sem abdicar de sua autonomia. Nesse sentido, o objetivo do presidente e sua equipe é justamente esse: manter o diálogo com os estadunidenses, mas com base em respeito mútuo e vantagens recíprocas.
Além do impacto comercial direto, há também uma dimensão simbólica importante. Ao reconstruir uma política externa guiada por objetivos concretos, o Brasil tenta se desvincular do discurso beligerante e ideologizado que marcou os últimos anos. A política externa volta a ser instrumento de desenvolvimento — e não palco de fidelidades pessoais ou alinhamentos pessoais. Esse é o tipo de pragmatismo que Gramsci associava à “hegemonia inteligente”: a capacidade de construir alianças sem abrir mão dos próprios princípios.
O realinhamento também pode ter efeitos positivos sobre a percepção internacional do Brasil. Após anos de isolamento diplomático e desgaste de imagem, o país volta a ser visto como parceiro confiável e racional. Essa credibilidade é um ativo importante para atrair investimentos, renegociar acordos e participar de fóruns multilaterais com maior protagonismo, algo que foi sempre uma das principais características dos governos Lula. Uma diplomacia estável e racional é, em última instância, uma política econômica eficiente.
Contudo, há um desafio fundamental: a reaproximação com Washington não pode reproduzir velhos padrões de dependência ou mesmo aceitar as absurdas taxações. O diálogo precisa ser construído sobre bases de igualdade e cooperação, e não de tutela. O Brasil deve aproveitar a oportunidade para diversificar sua pauta de exportações, fortalecer a indústria nacional e investir em tecnologia — medidas que reduzem a vulnerabilidade diante das oscilações do mercado externo.
O resgate de uma diplomacia ativa e altiva é, assim, também um projeto de reconstrução nacional. A reversão das tarifas e a retomada de relações equilibradas com os EUA são passos importantes para fortalecer o parque produtivo e ampliar o mercado interno. Em resumo, trata-se de um movimento para recuperar parte do excedente econômico que antes escapava para o centro do sistema capitalista.
Esta aproximação, se bem conduzida, pode marcar o início de uma nova fase: um Brasil que dialoga com as potências, mas que define seus próprios rumos. Essa é uma diferença essencial em relação ao passado recente, quando alguns confundiam subordinação com parceria. A reconstrução da soberania econômica passa, necessariamente, por uma política externa que trate o comércio internacional não como submissão, mas como instrumento de autonomia.
Em tempos de disputas comerciais e reconfiguração da geopolítica global, o caminho da diplomacia inteligente parece ser o mais promissor. Este caminho, se feito de forma crítica e estratégica (como parece ser), pode recolocar o Brasil em uma posição de protagonismo e abrir espaço para um desenvolvimento menos dependente e mais soberano.
Referências Bibliográficas
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973.
Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe), é biólogo, geógrafo, professor, Dr. em Ciências Naturais e Docente do IFMG.
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