Tribunal peruano restabeleceu indulto a favor do ex-presidente. Medida contraria decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. HRW condena soltura.
Por Redação, com DW - de Lima
O ex-presidente peruano Alberto Fujimori foi libertado na quarta-feira, depois de o Tribunal Constitucional do Peru ter ordenado sua soltura. Condenado pelo massacre de 25 peruanos na década de 1990, Fujimori deixou a prisão de Barbadillo, no leste de Lima, após a ordem tribunal do local que contrariou uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
A decisão que ordenou a libertação imediata do ex-presidente foi aprovada na terça-feira por três dos seis membros do Tribunal, sendo decidida pelo voto do presidente do colegiado, Francisco Morales. Fujimori cumpria pena de 25 anos de prisão por crimes contra humanidade ocorridos durante seu governo (1990 - 2000).
A decisão restabeleceu um indulto concedido ao ex-presidente por razões humanitárias que havia sido revogado em 2019 pela Justiça peruana. No ano passado, o Tribunal Constitucional chegou a ordenar a libertação de Fujimori por razões humanitárias, mas a Corte IDH intercedeu pedindo a suspensão do benefício.
Fujimori recebeu o indulto após ter sido avaliado por uma junta médica que determinou que ele sofre de uma "doença progressiva, degenerativa e incurável".
Indulto contestado
O ex-presidente foi condenado em 2009 pela autoria indireta dos massacres de 25 pessoas em 1991 e 1992, realizados pelo grupo militar secreto Colina, e pelo sequestro de duas pessoas em 1992. O governo de Fujimori é considerado o mais corrupto da história do Peru.
O indulto concedido em 2017 foi rechaçado por diversos setores da sociedade peruana e pelos familiares das vítimas dos massacres pelos quais Fujimori foi condenado. À época, milhares de pessoas saíram às ruas do país em uma série de protestos contra a decisão de perdoá-lo.
Houve denúncias de que o indulto seria parte de um pacto político entre o então presidente Pedro Pablo Kuczynski e Fujimori: o mandatário, sob pressão em meio a escândalos de corrupção, seguiria governando em troca da liberdade do ex-chefe de Estado.
O perdão foi concedido apenas três dias depois de Kuczynski ter se livrado de um processo de afastamento no Congresso peruano. O parlamentar Kenji Fujimori, filho do ex-presidente, não apenas votou contra a destituição, impulsionada por seu próprio partido, Força Popular, como também convenceu nove colegas a fazer o mesmo, o que foi determinante para a salvação de Kuczynski, que acabou renunciando ao cargo em março de 2018.
Familiares das vítimas chegaram a levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que criticou o indulto, mas afirmou que a decisão final ficaria a cargo do Judiciário peruano.
Disputa com a Corte IDH
O indulto outorgado em 2017 fora anulado pelo Judiciário em 2018, logo após a Corte Interamericana de Direitos Humanos pedir ao Estado peruano que garantisse justiça para as vítimas dos massacres de Barrios Altos e da Universidade de La Cantuta. A família do antigo chefe de Estado solicitou repetidamente que fosse libertado por razões de saúde. A Corte IDH se opôs ao restabelecimento do indulto a Fujimori e tinha pedido um adiamento para estudar a decisão.
Fujimori foi alvo de um processo de impeachment, acusado de "incapacidade moral" e de corrupção. Ele chegou a fugir para o Japão, país de onde é originária a família, e renunciou à Presidência através de um fax. Detido e extraditado para o Peru durante uma visita ao Chile em 2007, Fujimori foi condenado dois anos depois.
HRW condena soltura
A ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) condenou a decisão de libertar Fujimori e afirmou que ela "viola as obrigações internacionais" do Peru. "A libertação de Fujimori é um insulto às vítimas de atrocidades" e acontece "no contexto de uma erosão muito grave do Estado de direito e da proteção dos direitos humanos no Peru", alertou a diretora da HRW para as Américas, Juanita Goebertus.
Num comunicado, a HRW defendeu que o Corte IDH deveria encaminhar o caso à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). "O Peru libertou Fujimori com base num perdão humanitário falacioso e contra as ordens do principal tribunal de direitos humanos das Américas", destacou Goebertus.
A decisão de libertar o antigo chefe de Estado "coloca o Peru junto com a Nicarágua e a Venezuela como países que desafiam o sistema interamericano de direitos humanos", acrescentou Goebertus. "A comunidade internacional deveria pressionar o governo peruano para que cumpra com as suas obrigações internacionais, incluindo as decisões da Corte IDH ", acrescentou a responsável da HRW.
O governo da presidente Dina Boluarte, até ao momento, não comentou a decisão sobre a soltura de Fujimori e tem se mantido em total silêncio sobre o caso.
Fujimori, de 85 anos, está com diversos problemas de saúde, como câncer lingual, fibrilhação auricular, doenças pulmonares e hipertensão. Em fevereiro, ele foi hospitalizado após apresentar problemas cardiovasculares.