O Brasil merecia alguém melhor na presidência, alguém que não desse a impressão de descaso e cumplicidade na morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips! E só nos resta a revolta, o nojo e desesperança ao ler e ouvir as declarações do presidente. Bolsonaro não deu uma palavra de consolo e nem explicou porque a Amazônia tem sido deixada aos bandidos e traficantes, abandonando-se os indígenas, dentro de um plano geral evidente de desmatamento, destruição e devastação para transformar a Amazônia no paraíso dos madereiros e dos garimpeiros ilegais e, ao fim, se tornar a região no paraíso dos agropecuaristas com o massacre dos indígenas.
Por Rui Martins
O que disse Bolsonaro? Que o indigenista Bruno e o jornalista Dom eram mal vistos na região e que, por isso, não deveriam ter entrado ali. Mais um pouco e Bolsonaro teria declarado que ambos morreram por culpa própria, não por culpa do incentivo indireto que seu governo dá aos traficantes, garimpeitos e invasores da região, ao fechar os olhos às violências e retirar a proteção policial antes existente, num evidente descaso e irresponsabilidde.
A Funai também usou a mesma versão de Bolsonaro, num comunicado interno, rechaçado pela juíza Maria Pinto Fraxe, do Amazonas. Para ela, as afirmações da direção da Funai, "são incompatíveis com a realidade dos fatos e com os direitos dos povos indígenas". Noticiário atualizado dá conta de que houve mandantes para os crimes.
Sorridente, sentado numa potente moto (alugada ou transportada do Brasil?), o despreocupado presidente Bolsonaro curtia os aplausos de seus fiéis seguidores, a maioria vestidos de verde-amarelo, como Zés Cariocas saídos dos estúdios da Disney, em Orlando, Flórida. Já terminara a Cúpula das Américas, onde Bolsonaro encontrara o presidente norte americano Joe Biden, se comprometera falsamente a respeitar o resultado das eleições de outubro, “desde que fossem limpas e auditáveis”, e aproveitara mesmo a oportunidade, segundo circulou na imprensa, para pedir uma ajuda a fim de se impedir a eleição de Lula.
Naquele instante, enquanto os motores roncavam e subia a fumaça de mais uma poluidora motociata, Bolsonaro nem queria saber do que ocorrera com o antropólogo brasileiro Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, do jornal The Guardian, desaparecidos, fazia seis dias, na Amazônia. Suas declarações dadas à imprensa eram de que tinham sido imprudentes ao entrar numa região perigosa, porém isso não justificava ter demorado a lançar as buscas.
Esse descaso bolsonarista não surpreendeu a mídia estrangeira, já acostumada com sua política de devastação das florestas da região amazônica e com frases mais antigas, nas quais Bolsonaro elogiava a cavalaria norte americana, que atacava e dizimava as populações indígenas, lamentando não ter ocorrido isso no Brasil, onde ainda se protegem as áreas indígenas.
Durante toda a semana, a imprensa internacional, principalmente a inglesa, acompanhava as informações brasileiras, perdendo pouco a pouco as esperanças de encontrá-los vivos. Foi a oportunidade para a mídia destacar a mudança da política ambientalista e indigenista brasileira desde a chegada de Bolsonaro ao poder, embora o presidente tivesse recebido da Fundação Nacional do Índio, Funai, em março deste ano, a medalha do Mérito Indigenista, numa encenação hipócrita montada pelo próprio governo.
Como destacou a jornalista Chantal Rayes, do jornal suíço Le Temps, a região onde desapareceram Phillips e Pereira é inóspita, mesmo porque as organizações de defesa dos indígenas se tornaram ali raras. Entretanto, os adversários dos povos autóctones que se opõem aos seus direitos, se fortaleceram desde a posse de Bolsonaro. Os territórios indígenas, antes protegidos, agora são alvo de invasões constantes, já tendo sido assassinados 182 índios.
Nessa mesma região do Javari, lembra a jornalista, tinha sido atacado e morto, há três anos, um dos responsáveis da Funai, enquanto a sede local da entidade foi alvo de oito ataques armados.
Le Matin, de Lausanne, repercutiu notícias de manifestações de indígenas, vindas de Atalaia do Norte, onde Bruno e Dom deviam ir, para recolher informações sobre ameaças ao meio ambiente e aos indígenas, com vistas à redação de um livro. Le Matin lembra que Bruno trabalhou muitos anos para a Funai, tendo sido demitido alguns meses depois das modificações feitas no órgão, após a eleição de Bolsonaro. Um indigenista reconhecido, mantinha contato constante com tribos isoladas do vale de Javari, populações sob pressão de narcotraficantes, pescadores ilegais, madeireiros clandestinos e garimpeiros, que lhe faziam ameaças de morte.
O grupo de rock irlandês U2 aderiu ao movimento de protesto de numerosas celebridades, como Pelé e Caetano Veloso. “Nós queremos saber o que aconteceu com esses dois homens corajosos”, divulgou o baixista Adam Clayton pelo twitter do grupo.
O Alto Comissariado da ONU pelos Direitos Humanos, em Genebra, mostrou igualmente sua preocupação: o Vale do Javari, no Amazonas, é o segundo maior território autóctone no Brasil. Encontra-se ali uma das mais fortes concentrações, no mundo, de comunidades autóctones isoladas, sem nunca ter mantido contato com o mundo exterior. Essa região é gravemente afetada pelo tráfico ilegal, garimpo, pesca ilegal e atividades de grupos armados. Os dois homens desaparecidos desempenhavam um papel importante na sensibilização e na defesa dos direitos humanos das populações autóctones da região, vigiando e assinalando as atividades ilegais.
Ao mesmo tempo, tinha pedido esforço do governo brasileiro com todos os meios possíveis para encontrar os dois desaparecidos, o Alto Comissariado denunciava os ataques e pressões constantes contra os defensores dos direitos humanos, ecologistas e jornalistas.
Por Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.Direto da Redaçãoé um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.