Por Redação, com sucursal – de Brasília, por Thamy Frisselli
Nos últimos 10 anos, o carnaval no Distrito Federal (DF) tem se consolidado como um evento que vai além da celebração da cultura popular e da folia. Entre 2015 e 2025, a festa se transformou em um poderoso ato político de resistência, refletindo o cenário político e social do Brasil e a crescente busca por visibilidade e direitos de grupos marginalizados.

O Carnaval do DF sofreu profundas transformações na última década. Ele se tornou um destino turístico importante no Centro Oeste, ficando entre os 10 melhores carnavais do Brasil, e viu as ruas serem tomadas por cada vez mais gente. Mas entra ano, sai ano, e uma coisa não muda: com sol ou chuva, a pimenta sempre aparece contra foliões e ambulantes!
O spray de pimenta bate ponto
No dia 8 de fevereiro, policiais militares foram flagrados usando spray de pimenta contra um ambulante durante um bloco de carnaval na Asa Norte, em Brasília. Outras pessoas, que estavam em volta, também foram atingidas. Elas saíram coçando os olhos e tossindo, inclusive mulheres idosas e com crianças.
Marinês dos Santos, ambulante há 20 anos, conta um pouco dessa trajetória de empreendedora que paga impostos e indaga a violência do atual governo do Distrito Federal. Ela afirma que antes o carnaval era sadio. “Antigamente era mais tranquilo, não tinha tanta violência igual tá tendo agora. sabe por que? Ibaneis se reelegeu e nas eleiçoes ele falava que ia acabar com o DF Legal e a gente ia trabalhar mais tranquilo. Mas a verdade é que é muita agressão e spray de pimenta. Eles chegam tomando a mercadoria de muitos ali, que são pais de família que levam o sustento para casa”.
A trabalhadora lembrou ainda que a mercadoria é contada e notificada. Tem os dados fiscais e tem recibo de tudo. Os impostos são repassados para o governo.
A Redefinição da Festa Popular
Em 2015, a cena carnavalesca no DF ainda era dominada por blocos tradicionais e festas em espaços fechados. No entanto, a partir desse ano, a cidade começou a vivenciar um movimento de descentralização da festa, com a criação de blocos de rua que ganhavam cada vez mais força. A proposta era simples: tirar o carnaval dos centros de consumo exclusivos e levar para as ruas, criando uma festa popular e acessível, refletindo a diversidade da capital federal.
A resposta veio com a ascensão de blocos como o “Bloco das Divas” e “Minhoca”, que marcaram presença em áreas históricas da cidade e chamaram atenção por sua identidade inclusiva e por questionarem a homogeneidade da folia oficial. O carnaval passou a ser uma vitrine para grupos historicamente marginalizados, como as mulheres, a comunidade LGBTQIA+, os negros e os indígenas, que começaram a se apropriar do evento como uma forma de protesto contra o apagamento de suas histórias e vozes.
A diversidade veio com a inclusão. Nasceu, em 2012, com a vontade das representantes dos segmentos das pessoas com vários tipos de deficiência, o bloco Deficiente é a Mãe! Lurdinha Danezy estava à frente do Fórum de Defesa da Pessoa com Deficiência e, junto com o grupo, entenderam que precisavam ter um espaço. Colocar o bloco na rua. “Escolhemos o nome Deficiente é a Mãe! como forma de realmente protestar. De mostrar que o fato da gente ter uma deficiência, não somos pessoas deficientes. Somos apenas pessoas que têm algumas características diferenciadas, o que não nos impede de participar da vida social como um todo. O Carnaval é o momento mais importante de mostrar participação social, não é? É um espaço onde as pessoas vão para a rua se manifestar”.
Os foliões do bloco preparam vários cartazes questionando o governo, as ações para incluir as pessoas com deficiência na escola e em todos os locais.”E até hoje a gente precisa continuar nessa luta de estar chamando a responsabilidade do poder público de criar espaços de participação para as pessoas que tem algum diagnóstico”, complementa Lurdinha.
Durante muitos anos o bloco andou sob a proteção do Pacotão, espaço acolhedor e de resistência. Este ano é a 2ª vez que o bloco o Deficiente é a Mãe! sai de maneira independente, na segunda-feira de carnaval, 03 de março, na feira da Torre de TV, trazendo pessoas com deficiência para se apresentarem como o grupo Nó Cego, o TimBraillada, que é um outro grupo de cegos de percussão. O Me Chame Pelo Nome, que são várias pessoas com deficiências diferenciadas. A Úrsula Up, que é uma Drag Queen com síndrome de Dawn e Drag Queen Dalila Vegas, que é intérprete de libras, e a animação toda feita pelo palhaço XaXará, que é um palhaço da terceira idade.
A Emergência Política e a Resistência Cultural
À medida que o Brasil se aproximava de um dos períodos mais turbulentos de sua história recente, com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o carnaval se tornou um reflexo das tensões políticas do país. O evento, marcado por sua alegria contagiante, foi também palco de resistência contra o governo que tomava forma. Em 2017, por exemplo, o DF assistiu a manifestações explícitas de apoio a pautas progressistas e críticas ao governo federal, com blocos de rua adotando slogans de resistência política, como “Fora Temer” e “Não Vai Ter Golpe”.
O carnaval de 2020 teve uma relevância histórica, pois se consolidou como um grito coletivo contra a ascensão do bolsonarismo. Ao lado de músicos e artistas, a população das ruas de Brasília cantava músicas de protesto e enfrentava, de maneira pacífica, a opressão de um governo que, para muitos, representava o retrocesso de direitos civis conquistados ao longo das décadas.

Em 2022, o DF viu o ressurgir da união entre cultura e política, em meio a uma crise pandêmica e um cenário político ainda mais polarizado. Nesse período, os blocos de rua não apenas promoveram a folia, mas também serviram como espaços de reivindicação por uma saúde pública eficiente, por melhores condições de vida e por um Brasil mais justo. Artistas e organizadores dos blocos usaram as ruas para discutir racismo, homofobia e misoginia, transformando o carnaval em uma plataforma de diálogo.
O Carnaval de 2025: Um Legado de Resistência
No Carnaval de 2025, haverá 62 blocos de rua nos dias oficiais da folia (entre 1º e 4 de março). Os blocos estarão espalhados tanto no Plano Piloto quanto em outras regiões administrativas do Distrito Federal. Neste ano, o carnaval no DF se consolidou como um evento de resistência que reivindica a memória, a luta e a visibilidade das minorias. Os blocos de rua se tornaram o maior símbolo dessa revolução cultural. Cada samba, cada batuque, ecoa a história do Brasil e do Distrito Federal: um lugar de resistência. A festa nunca mais foi vista apenas como diversão. Ela passou a ser uma declaração de que, através da cultura, é possível subverter os rumos de uma sociedade que ainda enfrenta muitos desafios sociais e políticos.
O maior exemplo é a que a Campanha Folia com Respeito, promove treinamento para trabalhadores do carnaval. A capacitação faz parte das entregas aos blocos que assinam a Carta Compromisso.
Até o carnaval, blocos e bandas carnavalescas, grupos artísticos, fanfarras e plataformas de carnaval do Distrito Federal podem assinar a Carta Compromisso da campanha Folia com Respeito. A adesão deve ser feita preenchendo o formulário. O objetivo é pactuar com esses atores empenhados em promover um ambiente seguro, inclusivo e respeitoso durante as festividades. Serão realizados treinamentos com profissionais que trabalham no carnaval com foco na abordagem inclusiva e orientação sobre situações de violência.
Como explica Letícia Helena, fundadora da campanha, ao incentivar comportamentos responsáveis e respeitosos, o Folia com Respeito não apenas protege os foliões, mas também fortalece a comunidade como um todo. “A promoção do respeito ao consentimento e à diversidade é fundamental para garantir que todos possam desfrutar do carnaval de maneira segura e acolhedora”, ressalta.
Os grupos participantes também assumem a realização de uma série de ações de comunicação junto aos foliões e folionas, sobre práticas de respeito ao próximo e ao espaço público, como o descarte adequado de lixo. Ao assinarem a Carta-compromisso, os blocos recebem um kit com adesivos, cartazes e peças gráficas como artes, fotos e vídeos para uso nas redes sociais. “Os recursos permitirão que os blocos reforcem sua comunicação com os públicos, demonstrando seu comprometimento com os valores da campanha”, reforça Letícia.
Hoje, o carnaval do DF é um símbolo de união entre as diferentes classes sociais e uma vitrine para as lutas diárias de setores da população que buscam ser ouvidos. A diversidade do evento não é mais apenas uma característica, mas uma causa, reafirmando que, em tempos de divisões políticas, o carnaval do DF permanece como um poderoso ato de resistência cultural.