Um dos mais ativos centros de análise da questão hídrica, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reconhece a mudança significativa no regime de chuvas, mas denuncia o favorecimento dos interesses econômicos do setor privado.
Por Redação, com BdF - de São Paulo
A pior pior estiagem dos últimos 90 anos, na Região Sudeste, a mais populosa e geradora da maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) do país, está longe de representar o maior risco de racionamentos e apagões. A escassez das chuvas provoca o esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas, responsáveis por mais de 60% da geração de energia elétrica no país, mas a questão climática não é suficiente para explicar o cenário de crise hídrica.
Em meio à pandemia, o governo federal insistiu em um modelo mais caro e mais poluente de produção de energia, penalizando a população com tarifas mais altas. Especialistas ouvidos pelo site de notícias Brasil de Fato (BdF) apontam para o fato que autoridades negligenciam o potencial explosivo da crise e privilegiam os lucros do setor privado, em lugar de investir em soluções menos danosas ao bolso dos brasileiros e ao meio ambiente.
Um dos mais ativos centros de análise da questão hídrica, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reconhece a mudança significativa no regime de chuvas, mas denuncia o favorecimento dos interesses econômicos do setor privado, que penaliza a população com aumento na tarifa e racionamentos.
— A lógica do setor é a seguinte: quanto mais vazios os reservatórios, mais altas as tarifas — assegura Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB.
Estratégia
Com base na análise de dados públicos sobre a geração de energia no Brasil, ele faz uma denúncia grave. Quando já havia sinais de uma seca histórica, grandes hidrelétricas teriam esvaziado os reservatórios com o objetivo de aumentar os lucros de geradoras privadas. Isso em meio à pandemia, que provocou queda de 10% da demanda energética no país.
— O setor elétrico adotou a estratégia de esvaziamento dos reservatórios para gerar um clima de escassez e explodir com as tarifas. Porque, ao explodir, aumenta o lucro das empresas e portanto não se gera crise de desvalorização das ações das empresas privadas. Todas elas têm ações na bolsa de valores — acrescentou o integrante do MAB.
Ao contrário do que pode parecer, a diminuição do nível dos reservatórios não significa, necessariamente, prejuízo para as geradoras.
— No ano passado, várias hidrelétricas abriram as comportas e verteram água, como Itaipu e Jaguara. Jogaram água fora pelas comportas em vez de passar pelas turbinas. Quem autorizou? Com que objetivo foi autorizado isso? — questiona.
‘Déficit hídrico’
Segundo Cervinski, elas também são remuneradas pela água que sai do sistema sem gerar energia. E quem paga é o bolso do consumidor, por meio de um mecanismo chamado "déficit hídrico", cobrado integralmente na tarifa.
Segundo o MAB, enquanto certas usinas jogaram água fora, outras - principalmente as do setor privado - produziram acima da média. O excedente é vendido a distribuidoras no chamado “Mercado de Curto Prazo”, onde os preços são mais altos.
Ao contrário do MAB, o professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, Pedro Côrtes, não identifica uma ação deliberada de esvaziamento dos reservatórios, mas aponta a falta de iniciativa do governo federal quando a crise hídrica já dava sinais de que iria despontar.
— Essas crises climáticas não acontecem de repente. Elas vão se anunciando. Desde o começo do segundo semestre do ano passado, a gente já sabia que teria um período de estiagem na região sul. Bastaria somar os dois casos: estiagem severa na região sul e esses grandes reservatórios que já vinham operando com nível baixo — avalia.
Menor consumo
No plano político, o desafio é retomar a soberania energética e fortalecer o papel do estado no planejamento, geração e distribuição de eletricidade. Na visão do MAB, o mais urgente é impedir a privatização da Eletrobras e investigar os aumentos tarifários recentes.
— A sociedade está alienada, não sabe o que está acontecendo. No fundo, vamos ter que rever o modelo que decide o sistema tarifário. Essa política de determinação dos preços que se baseia no preço internacional de energia, quando aqui no Brasil nós pagamos energia de elétrica como se fosse termoelétrica. Isso é um padrão da privatização, e vamos ter que rever esse modelo — ressalta o membro da coordenação nacional do Movimento.
Cervinski prevê um "tarifaço" de 25% na conta de luz e chama atenção para o efeito cascata: com a energia mais cara, aumenta o custo da produção de alimentos. O choque de preços promete comprometer ainda mais o orçamento de famílias pobres.
— Por isso que nós dizemos que está tudo errado na política energética nacional. Nós temos que mudar a política. Não é um problema de clima — conclui.