O sepultamento ocorreu às 13h, poucos minutos depois da decisão do Supremo. Toffoli disse ter recebido informações de que não havia tempo hábil para Lula chegar ao enterro.
Por Redação - de Curitiba e São Bernardo do Campo, SP
Atordoados com o direito do prisioneiro despedir-se, pela última vez, de um dos irmãos, a juíza Carolina Lebbos, responsável pela tutela do apenado; e os desembargadores do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-IV), que o colocaram na cadeia, foram atropelados pela ordem do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Foi o único a permitir que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparecesse ao enterro de Genival Inácio da Silva, o Vavá. Mas aí, não havia mais tempo.
— Não deixaram que eu me despedisse do Vavá por pura maldade. Não posso fazer nada porque não me deixaram ir. O que eu posso fazer é ficar aqui e chorar — afirmou o ex-presidente Lula, após repudiar a perseguição de setores do Judiciário.
Ditadura militar
Coube à presidente do PT, deputada eleita Gleisi Hoffmann (PR), transmitir o protesto do líder petista, durante a cerimônia de corpo presente, em São Bernardo do Campo. Hoffmann acrescentou que Lula, ainda que acostumado às adversidades da vida, desde a infância pobre no sertão de Pernambuco, se assombrou com o tratamento cruel e desumano a que foi submetido.
Tudo o que Lula queria, disse a presidente da legenda, era se despedir de um ente querido. Nem mesmo na ditadura militar, quando foi preso por liderar um protesto contra os governos militares, os tribunais lhe impediram de velar o corpo da mãe, Dona Lindú, em 1980.
— Infelizmente não deu tempo para que o presidente pudesse se deslocar para cá para dar o último adeus ao Vavá. Nós já estávamos com o corpo no túmulo, não tinha como parar o enterro. O que o Lula queria e nós queríamos era que ele pudesse ter visto o irmão pela última vez — disse Gleisi. A senadora disse que houve um "jogo da Polícia Federal": "Não permitir que a gente tivesse tempo para trazer o Lula aqui”.
Diante dos empecilhos legais interpostos, Lula optou por não deixar a prisão em Curitiba. Seus parentes e familiares, presentes ao funeral, reuniram-se com ele nesta quinta-feira, dia normal de visita no presídio.
O sepultamento ocorreu às 13h, poucos minutos depois da decisão do Supremo. Em sua decisão, Toffoli disse ter recebido informações da Polícia Federal de que não havia tempo hábil para que Lula fosse ao cemitério, no horário marcado. Isso, destacou, “impossibilita o acolhimento do pedido”.
Habeas corpus
“Além disso, há informações da autoridade policial aportadas aos autos, em especial aquela emanada da Diretoria de Inteligência da PF sobre o risco quanto à segurança dos presentes e dos agentes públicos mobilizados, mormente se levado em conta as notícias veiculadas em redes sociais sobre a convocação de militantes para comparecerem a São Bernardo do Campo, o que corrobora as informações da inteligência policial”, destacou.
Contudo, o presidente do STF afirmou que é um “dever indeclinável do Estado” prestar assistência ao preso, citando previsão legal. Por isso, ele decidiu conceder um habeas corpus de ofício para permitir Lula a se “encontrar exclusivamente com os seus familiares, na data de hoje, em unidade militar na região”, inclusive com a possibilidade do corpo do falecido “ser levado à referida unidade militar, a critério da família”.
“Fica assegurada a presença de um advogado constituído e vedado o uso de celulares e outros meios de comunicação externo, bem como a presença de imprensa e a realização de declarações públicas. Essas medidas visam garantir a segurança dos presentes, do requerente, e dos agentes públicos que o acompanharem”, acrescentou Toffoli.
Críticas
O presidente do STF determinou às autoridades competentes que fornecessem “todos os meios necessários para viabilizar o cumprimento da decisão” e determinou a comunicação, com urgência, ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, ao diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
A autorização de Toffoli ocorreu após o ex-presidente — que cumpre pena desde abril do ano passado após condenação no caso do tríplex do Guarujá (SP) — ter tido pedidos semelhantes rejeitados pela Polícia Federal, onde está detido, pela Justiça Federal do Paraná e pelo TRF-IV.
O emaranhado de ordens e contraordens, que culminou na intervenção de Toffoli, foi duramente criticado pelo ex-desembargador, hoje governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Em uma rede social, Dino publicou, na manhã desta quarta-feira, sua indignação com o parecer proferido pelo Ministério Público Federal (MPF), em que foi negado o direito de o ex-presidente Lula comparecer ao velório do seu irmão, vítima de um câncer no pulmão.
Brumadinho
"Fundamentos' que usaram para negar um direito a Lula: PF não tem estrutura; polícia de São Paulo não tem estrutura; Lula não é um preso comum; Brumadinho; campanha pelo Nobel da Paz; risco de 'resgate' (??). Ou seja, 'motivação' oca e desconexa. Lamentável e vergonhoso", criticou Dino.
A indignação de Dino é referente ao parecer assinado por Deltan Dallagnol. Nele, o coordenar da força-tarefa da Operação Lava Jato afirma que a ida de Lula ao enterro poderia "atrapalhar na buscas em Brumadinho" e que a presença de Lula no local poderia causar "pertubação da ordem pública”.
"Consultada a Coordenação de Aviação Operacional da PF, sobreveio a informação de que no momento os helicópteros que não estão em manutenção estão sendo utilizados para apoio aos resgates das vítimas de Brumadinho", diz um trecho do parecer.
Seriedade
Para o Frei Chico, um dos irmãos do ex-presidente Lula, é lamentável que a principal liderança popular do país não tenha exercido o direito de ir ao velório de outro irmão.
— Estamos em uma situação pior do que na ditadura militar. Vavá era uma pessoa dedicada aos outros. A vida toda dele foi dedicada aos outros. Foi muito triste o fim dele. O cara amputou uma perna, aí aparece um câncer. É uma perda grande para nós e para os amigos. Ele morreu pedindo para visitar Lula. Lamentavelmente nem num enterro meu irmão pode ir — afirmou.
Segundo o irmão do ex-presidente, as pessoas "decidem à revelia da lei”.
— Eles têm medo. Lula jamais correria risco de algum. Você tem esquema de segurança pra tudo. Se eles liberassem o Lula ele viria e voltaria. É uma pena. Falta de seriedade — concluiu.