Proposta se baseia em regras já aplicadas em 10 países, entre eles EUA, Alemanha e Inglaterra, além da União Europeia; procurada, instituição que reúne big techs diz que ‘buscará entender a proposta’.
Por Redação, com OESP – de Brasília
O Ministério da Fazenda apresentou nesta quinta-feira, uma proposta de regulação para as “big techs” (as gigantes globais da tecnologia) no Brasil, com o objetivo de evitar práticas predatórias de grandes plataformas digitais ao limitar ou encarecer o acesso de consumidores a produtos e empresas.
A proposta se baseia em regras para a atuação dessas plataformas já aplicadas em dez países, notadamente EUA, Alemanha, Inglaterra e Austrália, além da União Europeia.
Procurada, a Brasscom, entidade que reúne as big techs no Brasil, afirma que “buscará entender os detalhes da proposta, em conjunto com todas as suas empresas associadas, e não se manifestará nesse momento”.
Hoje, não há uma regulação para a conduta dessas empresas no Brasil e, durante consulta pública realizada no primeiro semestre deste ano, o governo colheu reclamações de empresas quanto à cobrança de taxas e de limitação de acesso de consumidores por big techs como Google, Apple, Amazon e Meta (dona do Instagram e do WhatsApp).
Regulação torna Cade ‘xerife’ de big techs
Pela proposta, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passa a ser o regulador da atuação dessas empresas, que deverão abolir certas práticas, como dar preferência à aparição de produtos vendidos por sua própria plataforma ao consumidor ou fazer exigências em cláusulas de exclusividade.
Embora as regras devam alcançar as redes sociais, como a Meta, a equipe econômica quer restringir o debate apenas à regulação concorrencial, evitando discussões como o cerceamento à liberdade de expressão que bloqueou o avanço de projetos como o PL das Fake News, de moderação de conteúdo e de direitos autorais no Congresso.
A proposta da Fazenda é que as empresas a serem alvo das regras sejam definidas previamente, de acordo com critérios como faturamento e sua relevância em múltiplos mercados, além da inegável dominância demonstrada em número de usuários. Esses critérios deverão ser descritos em projeto de lei, que o governo avalia qual caminho legislativo tomar: ou propor um novo texto ou aproveitar um que já esteja em tramitação e fazer uma contribuição.
A expectativa é de que apenas big techs sejam objeto dessa avaliação prévia de conduta, a exemplo das sete grandes que estão sob lupa na legislação aprovada na Europa em 2022: Google, Meta, Apple, Amazon, Booking, ByteDance (TikTok) e Microsoft. Elas foram denominadas “gatekeepers” na legislação europeia, ou seja, funcionam como porta de entrada para empresas e consumidores ao mercado e, por isso, passaram a ser reguladas.
Regulação diferente da Europa
O Brasil, no entanto, deverá adotar uma regulação diferente da europeia. Na equipe econômica, fala-se em um “modelo intermediário”, que traçará regras de conduta prévias para as empresas, mas adaptadas ao negócio de cada uma delas e em atenção a problemas específicos identificados pelo Cade. A complexidade da legislação europeia foi apontada como um excesso de burocracia e empecilho à inovação, o que o governo brasileiro diz querer evitar.
Além de regras fixadas em lei, a proposta é atualizar as regras que monitoram condutas anticoncorrenciais já existentes no Cade, por meio de portarias do Poder Executivo. Neste caso, seria possível exigir informações da atuação das empresas no âmbito digital, em caso de fusões e aquisições, e atualizar esses parâmetros para que focalizassem apenas grandes empresas com dominância inegável no meio digital.
Nesta quinta-feira, a Fazenda apresenta um relatório com a experiência de outros países na regulação das big techs, além de um compilado de queixas e contribuições (foram 301) reunidas entre janeiro e maio deste ano. Essas informações fundamentam a proposta de regulação a ser impulsionada pelo governo brasileiro.
Queixas se avolumam
Entidades que representam empresas de cartões de crédito e fintechs (startups do setor financeiro) enviaram reclamações sobre a taxa de 30% cobrada por vendas em aplicativos e de jogos online e no pagamento por aproximação feitas pela Apple.
A dona do Tinder, aplicativo de namoro, se queixou de exigências da Apple que resultam na “pior experiência do usuário, menos segurança, preços mais elevados, coleta desnecessária de dados dos clientes, menor escolha do consumidor e menor inovação”.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) fez referência ao acúmulo de dados que colocam plataformas digitais em vantagem em relação a concorrentes e a “critérios obscuros” na distribuição de conteúdo jornalístico na internet, sem justa remuneração aos veículos de comunicação.
O Centro de Jornalismo e Liberdade do Open Market Institute, entidade sem fins lucrativos americana, elencou ações na Justiça americana que dão conta de um monopólio do Google em buscas na internet, na publicidade digital e em vendas digitais feitas na Amazon.
Eduardo Lopes, presidente da Zetta, entidade que reúne fintechs como Nubank, Mercado Pago e PicPay, afirma que o tema é importante e entrou no radar de empresas de diferentes setores porque essas plataformas se tornaram parte da vida das pessoas. Ele defende, no entanto, que a regulação não freie a inovação.
– Somos pró-inovação e novas tecnologias, o problema todo está em práticas abusivas de empresas que abusam de suas posições dominantes. É para isso que temos de olhar – afirma ele. “O problema é quando há uma centralização excessiva que inibe a capacidade de outros inovarem porque se cria travas artificiais”.