Imagino a frustração do ministro Fux, do presidente Temer e do próximo presidente Bolsonaro por terem perdido a chance de mostrar um serviço aos colegas da Itália. Como vivemos agora numa teocracia evangélica, tiveram a mesma decepção dos opressores romanos ao chegarem à tumba de Cristo, onde um anjo sentado numa goiabeira lhes disse - "não está mais aqui ressuscitou!". Ao chegarem na casa do italiano Cesare Battisti, os policiais ouviram dos vizinhos - "não está mais aqui, se mandou!".
Não havia outro jeito senão fugir para Cesare Battisti continuar tendo uma existência livre. O STF, pelo ministro Fux tinha decidido monocraticamente passar por cima da Constituição e extraditar um imigrante com os papéis em regra, pai de um filho brasileiro do qual seria separado como emigrante mexicano nos EUA, com um processo já prescrito; o presidente Temer em fim de mandato, detestado pelo povo, ignorou seu próprio ministro das Relações Exteriores, ex-guerrilheiro Aloysio Nunes, e decretou a extradição de Cesare Battisti, ignorando também seu filho brasileiro (nem com Bigs fizeram isso!); e , enfim, o futuro presidente, de sobrenome italiano, queria oferecer ao governo populista de extrema direita italiano a cabeça do esquerdista italiano Cesare Battisti.
Frustraram-se. Não houve um novo caso Olga Benário Prestes.
Todos os defensores de Cesare Battisti exultam por ele ter conseguido sair a tempo. Fui dos primeiros a pedir a não extradição de Battisti, como queria a França do presidente Sarkozi, apenas alguns dias depois de sua prisão no Rio de Janeiro, em março de 2007, onde tinha se refugiado clandestinamente. Publiquei um texto no Direto da Redação, Gabeira e Suplicy tinham também reagido em favor de Battisti.
A revista Carta Capital, de Mino Carta, queria e sempre quis a cabeça de Battisti e isso atrasou o apoio da esquerda e dos petistas. (Gostaria de saber como reage hoje a nova editora Manuela Carta) .
O apoio do PT chegou com Tarso Genro e com o presidente Lula, mas foi preciso muita luta e nisso se destacaram Celso Lungaretti e Carlos Lungarzo, sem esquecer a escritora francesa Fred Vargas.
Não adianta grampearem meu telefone ou meu computador, eu bem que gostaria de ter ajudado Battisti nessa fuga, mas foram outros, imagino menos em foco. Desejo a Cesare Battisti, seu filho e sua esposa Boas Festas e um país livre, sem trevas em 2019. Bebamos à sua saúde! Nota do Editor Rui Martins. Seguem dois artigos dos nossso colunistas, Celso Lungaretti e Dalton Rosado.
NOS ESTERTORES DO SEU MANDATO, TEMER LANÇA A OPERAÇÃO EXTRADIÇÃO-A-JATO
Por Celso Lungaretti
Uma verdadeira avalanche de bobagens e tendenciosidades está sendo despejada pela grande imprensa sobre seus leitores para justificar a decisão juridicamente indefensável tomada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que não só revogou a liminar por ele próprio concedida há 14 meses ao escritor italiano Cesare Battisti, como o fez com uma decisão monocrática depois de várias vezes ter proclamado em alto e bom som que submeteria a questão à 1ª Seção ou ao pleno.
Mas, isto de nada importa. O jogo já foi jogado, independentemente do que ache ou deixe de achar o cidadão comum. Teve só 15 minutos em vez dos 90 regulamentares? E daí? Estes são os tempos que vivemos no Brasil. Só nos resta já irmos nos acostumando a mais esta insegurança, a jurídica.
O certo é que nada impede a extradição de Battisti neste momento: Fux lavou as mãos e o presidente cujo mandato está nos estertores correu a assinar o decreto de extradição, fazendo por merecer as certeiras alfinetadas do blogueiro Josias de Souza:
"Quando o assunto é cadeia, Michel Temer vira um presidente paradoxal. Denunciado duas vezes (corrupção passiva e obstrução de justiça), investigado em outros dois inquéritos (corrupção e lavagem de dinheiro), Temer pega em lanças no Supremo pela prerrogativa de livrar corruptos da cadeia. Com o mesmo ímpeto, ele guerreia pelo direito de extraditar o condenado Cesari Battisti para um cárcere na Itália.
Para devolver o meio-fio aos corruptos brasileiros, Temer capricha na generosidade, dispondo-se a perdoar-lhes 80% das penas e 100% das multas. Para passar o condenado Battisti na tranca, Temer torna-se um ser draconiano, dando de ombros para a alegação de que o condenado não poderia ser devolvido ao seu país porque casou-se com uma brasileira e teve um filho com ela".
Não foi só isto que Temer ignorou. a lista é grande, mas a condensei em três tópicos principais:
- a decisão do então presidente Lula, de negar a extradição em 31/12/2010, confirmada pelo STF em 08/06/2011, não foi contestada no prazo legal de cinco anos e se tornou definitiva. O processo foi, portanto, extinto. Mas, segundo o que o Supremo decidiu, era após ele, STF, haver autorizado a extradição que cabia ao presidente da República dar a última palavra, não em qualquer fase de qualquer processo ou até mesmo sem processo. O pedido da Itália foi negado e, para obter resultado diferente, ela teria de recomeçar do zero, com um novo pedido de extradição que cumprisse os mesmos trâmites legais da vez anterior;
- a sentença que a Itália quer fazer valer não só prescreveu em 2013 (trocando em miúdos: também está extinta), como se trata de uma condenação à prisão perpétua, ao passo que as leis brasileiras proíbem a extradição de quem vá cumprir no seu país de origem uma pena superior a 30 anos de reclusão;
Este ministro neofascista promete vir aqui buscar Battisti |
- o Tratado de Extradição Brasil-Itália proíbe a entrega de condenado que vá correr risco de vida no país requerente, o que colide frontalmente com a incrível quantidade (várias e várias dezenas!) de graves ameaças que autoridades políticas e carcerárias têm feito a Battisti nos últimos anos.
Caso o advogado Igor Tamasauskas não consiga, com um agravo, dissuadir o Supremo de reeditar o pior momento de sua trajetória de 127 anos –a invocação da segurança nacional para despachar Olga Benário, grávida de uma brasileirinha, à Alemanha nazista, o que equivaleu a condená-la à morte–, a única salvação para Battisti será não deixar-se prender e buscar abrigo no exterior.
EXTRADIÇÃO DE PAIS DE CRIANÇAS
BRASILEIRAS: ESTA INFÂMIA SE REPETIRÁ? Por Dalton Rosado
Há 82 anos, o Supremo Tribunal Federal autorizou o ditador Getúlio Vargas a extraditar para a Alemanha Olga Benário, grávida de uma filha do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes, sob a alegação de que ela era militante do Komintern (a Terceira Internacional).
A patética acusação de crime ideológico sob um regime de exceção que no ano seguinte viria a promulgar a famigerada Constituição de 1937 (aquela que instituiu o Estado Novo absolutista) deu a Vargas a possibilidade de, coerentemente com as óbvias simpatias que demonstrava pelo nazifascismo, entregar Olga a seus piores inimigos. Ela morreria aos 34 anos, no campo de concentração nazista de Ravensbruck, nas cercanias de Berlim.
A filha de Olga e Prestes, nascida naquele local medonho, foi salva graças ao clamor internacional. Recebeu o nome da avó brasileira, Anita Leocádia Prestes, e hoje é uma historiadora de 82 anos.
Agora estamos a ver uma nova autorização para extraditar-se um preso político, com o Poder Judiciário, tal como Pilatos no Credo, lavando (ou sujando) as mãos ao transferir a decisão final para um presidente em fim de mandato, que só escapou até agora dos processos por corrupção graças à imunidade do cargo.
Matteo Salvini, ícone da desumanidade italiana... |
Pior: sabendo que ele não passaria de uma correia de transmissão, tanto que já decretou a entrega imediata do extraditando a alguém que tem todas as características do homem para quem despacharam Olga: Adolf Hitler, principal responsável pelo desencadeamento da maior carnificina da história da humanidade, a 2ª Guerra Mundial, na qual morreram cerca de 50 milhões de seres humanos.
Pois quem já anunciou que virá ao Brasil para buscar o delinquente é o ministro do Interior Matteo Salvini, um neofascista que estarrece o mundo por sua extrema desumanidade para com os imigrantes, fugitivos da miséria que ele prefere ver mortos no mar do que vivos em solo italiano.
As circunstâncias daquela época eram similares as de hoje.
O mundo vivia os reflexos da grave crise causada pela segunda revolução industrial fordista, que deslocou o centro de gravidade do capitalismo mundial, e pelas disputas entre países que aspiravam à hegemonia econômica na nova ordem que surgia.
Foi quando despontou, na Alemanha que fora muito humilhada após a derrota na 1ª guerra mundial, um pretenso salvador da pátria: Adolf Hitler.
...diz que virá pessoalmente buscar Battisti... |
Com gestual belicista; discursos dramáticos; incitação ao poderio militar belicista que restauraria o orgulho alemão; disciplina rígida; apologia ao trabalho como forma de salvação econômica; e colocando a culpa das dificuldades alemãs na corrupção judia que dizia solapar os pretensos bons valores nacionalistas germânicos, conquistou os alemães, que engoliram a pílula da sua própria desgraça na época.
O país pagaria alto preço por sua aventura ensandecida.
Ora, se o culto povo alemão se deixou levar por um fanfarrão desses, por que tal fórmula não daria certo num país de analfabetos funcionais ou disfuncionais como o Brasil (contando, ademais, com as possibilidades de manipulação em massa facultadas pela nova mídia de comunicação instantânea, a internet)?
A crise econômica da terceira revolução industrial da microeletrônica é o grande fator de surgimento de bravateiros de segunda classe, que anunciam o novo, ainda que sejam uma caricatura tosca do velho.
E, como consequência deste momento de desalento e retrocesso generalizado, estamos assistindo ao calvário de um pai de filho brasileiro, pacato e culto cidadão italiano residente no Brasil há mais de uma década, totalmente desvinculado de qualquer participação política revolucionária (não que isso devesse ser considerado crime): trata-se é claro, do já sexagenário Cesare Battisti.
...repetindo as fanfarronices de seus grande ídolos. |
Sentenciado num processo italiano que transcorreu à sua revelia, no qual foi acusado sem possibilidade de defesa da prática de atos de guerrilha urbana à época de Aldo Moro (até nos nomes a história se repete), se localizado ele vai passar o resto de seus dias numa masmorra italiana ou cumprirá a promessa de suicidar-se, de preferência a aceitar a extradição.
Na esteira dessa circunstância de crise econômica grave no Brasil, veio na última 6ª feira (14) uma decisão judicial monocrática, embora, pela relevância do tema, a questão devesse ser submetida a um colegiado.
E tal decisão foi na linha de dar-se um desfecho diferente à opção adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 31/12/2010, como se isto fosse possível em termos legais: as circunstâncias atuais não são as mesmas do julgamento anterior e, negada a extradição por Lula e transcorrido o prazo legal de cinco anos sem que fosse apresentada nenhuma contestação, passou a ser matéria processual preclusa com trânsito em julgado.
Mas, na Justiça, quando convém que os tribunais superiores atendam a reclamos e interesses políticos (como no caso Olga Benário), a vontade dos poderosos sempre prevalece e se desencavam argumentos jurídico-processuais para justificar qualquer decisão judicial teratológica, mesmo que isso afronte o Estado de direito tão solenemente defendido pela hipocrisia estabelecida.
Corremos o risco de mais uma vez entregarmos de bandeja a cabeça de um antigo ativista político aos algozes, no caso os italianos belusconicistas, a quem seus pares brasileiros servem docilmente.
Ontem eram Hitler e Getúlio, hoje são Giuseppe Conte e Boçalnaro, o ignaro, todos profundamente identificados com os ideais fascistizantes, de triste memória e repulsivo presente.
Pobre povo a seguir cegamente esses salvadores da pátria que guilhotinam os revolucionários com o beneplácito da cegueira conscienciosa judiciária! (por Dalton Rosado)